Em criança assisti muitas vezes,
na televisão, a espectáculos de tourada.
Havia apenas um canal, começava a
emissão ao fim da tarde (menos aos fins-de-semana, que começava mais cedo), era
a preto e branco e não havia assim tantas alternativas ao futebol e às touradas.
Nem eu, nem ninguém lá em casa, éramos apreciadores desse espectáculo, mas o preto e branco atenuava a sua violência.
Só quando, esporadicamente e de
relance, comecei a ver touradas a cor na televisão é que deu para ver a sangria
a que era sujeito o touro.
Nunca percebi o gozo de ver aquele
espectáculo de torturar um animal encurralado.
Claro que a tourada portuguesa é
um pouco mais “civilizada” que a espanhola.
Ainda posso aceitar o trabalho do
toureio a pé com capa ou o dos forcados, e as habilidades dos cavaleiros, mas não
aceito que se encha o corpo do animal de bandarilhas.
Quando chega à fase do toureio a
pé ou da entrada dos forcados, o touro já deve estar tão enfraquecido que
apenas reage para manifestar a sua dor e já pouco perigo deve oferecer aos
“valentões” que o enfrentam.
Escusado será dizer que torço
sempre pelo touro e pelo cavalo, personagens involuntárias daquele triste
espectáculo, embora ainda nutra algum respeito pelos forcados, e desejando
que nada de muito grave aconteça ao toureiro, ao forcado ou ao cavaleiro, embora, como se costuma dizer, "quem corre por gosto não cansa".
E não venham fazer comparações com
os animais do circo, com a caça ou com a criação de animais para alimento.
Neste caso não se trata de torturar animais, mas dar-lhes alguma utilidade, por
muito discutível que isto também possa ser.
No caso da tourada não há
qualquer utilidade naquilo, a não ser torturar um animal indefeso.
Aliás, toda a polémica que anda
por aí não se relaciona com qualquer tipo de proibição do espectáculo, mas
apenas com o retirar do privilégio de classificação de espectáculo cultural àquela barbaridade, aumentando o IVA
das touradas.
Embora discutível, até admitia
mais facilmente a proibição desse espectáculo do que a proibição, já aprovada,
do uso de animais de circo.
A diferença é que a gente do
circo é pobre e não tem poder ou voz, ao contrário da gente que vive à volta da
tourada.
Uma coisa é o uso de animais para
alimento,(que pode ser discutível,principalmente pelo excesso, prejudicial
para à saúde, do uso de carnes vermelha),
pelas implicações ambientais do excesso de criação de gado ou pela forma
como são transportados e abatidos, outra coisa é o uso de animais, como acontece
nas touradas, apenas para os torturar
para gáudio dos instintos mais primitivos do público.
E não venham falar em tradição,
se não, para a manter, ainda assistíamos a espectáculos de gladiadores , ao sacrifício ritual de animais, a queimar
gente nas fogueiras ou à luta de cães.
De facto, impedir ou, pelo menos,
tirar benefícios fiscais, é o mínimo que se pode exigir para combater
tradições degradantes e a utilização de animais apenas para os torturar em
público.
A única “tourada” de que eu gosto
é aquela que nos representou no festival da canção de 1973, que escapou à
censura, que não percebeu que essa canção não enaltecia a tradição da tourada,
mas usava-a com metáfora para denunciar um Estado Novo apodrecido:
Não importa sol ou sombra
camarotes ou barreiras
toureamos ombro a ombro
as feras.
camarotes ou barreiras
toureamos ombro a ombro
as feras.
Ninguém nos leva ao engano
toureamos mano a mano
só nos podem causar dano
espera.
toureamos mano a mano
só nos podem causar dano
espera.
Entram guizos chocas e capotes
e mantilhas pretas
entram espadas chifres e derrotes
e alguns poetas
entram bravos cravos e dichotes
porque tudo o mais
e mantilhas pretas
entram espadas chifres e derrotes
e alguns poetas
entram bravos cravos e dichotes
porque tudo o mais
são tretas.
Entram vacas depois dos forcados
que não pegam nada.
Soam brados e olés dos nabos
que não pagam nada
e só ficam os peões de brega
cuja profissão
não pega.
que não pegam nada.
Soam brados e olés dos nabos
que não pagam nada
e só ficam os peões de brega
cuja profissão
não pega.
Com bandarilhas de esperança
afugentamos a fera
estamos na praça
da Primavera.
afugentamos a fera
estamos na praça
da Primavera.
Nós vamos pegar o mundo
pelos cornos da desgraça
e fazermos da tristeza
graça.
pelos cornos da desgraça
e fazermos da tristeza
graça.
Entram velhas doidas e turistas
entram excursões
entram benefícios e cronistas
entram aldrabões
entram marialvas e coristas
entram galifões
de crista.
entram excursões
entram benefícios e cronistas
entram aldrabões
entram marialvas e coristas
entram galifões
de crista.
Entram cavaleiros à garupa
do seu heroísmo
entra aquela música maluca
do passodoblismo
entra a aficionada e a caduca
mais o snobismo
e cismo...
do seu heroísmo
entra aquela música maluca
do passodoblismo
entra a aficionada e a caduca
mais o snobismo
e cismo...
Entram empresários moralistas
entram frustrações
entram antiquários e fadistas
e contradições
e entra muito dólar muita gente
que dá lucro as milhões.
E diz o inteligente
que acabaram asa canções.
entram frustrações
entram antiquários e fadistas
e contradições
e entra muito dólar muita gente
que dá lucro as milhões.
E diz o inteligente
que acabaram asa canções.
(José Carlos Ary dos Santos/Fernando Tordo)
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