Anda por aí uma grande
polémica sobre a designação do “futuro” Museu dos “descobrimentos” a construir
em Lisboa.
A polémica centra-se principalmente
em duas situações: a designação de “Descobrimentos” para esse museu e o
destaque a dar ao papel de Portugal na escravatura.
A designação de
“descobrimentos”, para referir uma época histórica precisa, é uma designação eurocentrista e terá sido "inventada" por Filipe II, num decreto de 1573, onde se ordenava que se usasse
apenas a palavra “descobrimentos” em substituição de “conquista”, para camuflar
designação usada por Bartolomeu de las Casas, que denunciava a violência que os
colonos exerciam sobre as populações indígenas na América.
Por cá, principalmente
entre os historiadores do século XX, houve sempre uma grande discussão para
distinguir, ao longo da “expansão”, aquilo que foi “descoberta” daquilo que foi
“conquista”. A primeira tinha um caracter de tipo comercial, e mais “pacifico”,
a segunda implicava ocupação violenta por meios militares.
Muitos procuraram
apresentar essa diferença como caracterizando objectivos políticos diferentes.
O regência de D. Pedro, os reinos de D. Duarte
e D. João II inseriam-se no primeiro objectivo, por influência da “burguesia”.
Os reinados de D. Afonso
V, D. Manuel e D. João III inseriam-se no segundo objectivo, por influência da
“nobreza”.
Tentando dar a volta ao
caracter eurocêntrico da designação “descobrimentos” os historiadores da
chamada Escola dos Annales usaram um termo mais pacífico, o de “mundialização”,
hoje referida por muitos autores e comentadores como “primeira globalização”.
De facto, os
Europeus não descobriram nada de novo, a não ser para os próprios europeus:
apenas puseram em contacto “mundos” que não tinham contacto ou onde este era
apenas esporádico e feito por terceiros, devido, em parte, às limitações
técnica da navegação no alto-mar.
Não me parece, contudo,
que a designação de “Descobrimentos” para um museu, num país como Portugal,
que, na sua perspectiva, “descobriu” de facto aquilo que desconhecia, seja totalmente desadequada.
Já numa prespectiva de
um museu sobre essa época, que fosse instalado em países como Angola ou Brasil,
por exemplo, essa designação não faria qualquer sentido.
Não me parece, contudo,
que esse tipo de discussão mereça tantas ofensas, insinuações e até algum ódio
entre os que defendem e os que contestam tal designação.
A discussão sobre a
designação tem de ser científica, isto é, entre historiadores especialistas
nessa época. O resto é lixo.
Mais grave do que a escolha
do nome para o Museu é, quanto a mim, a tentativa de branquear os aspectos
negros desse período e a responsabilidade Europeia nas indignidades históricas
cometidas.
Os “descobrimentos”
provocaram o maior “holocausto” humano da História, pelo menos em dois continentes,
o africano e o americano e isso não deve ser esquecido ou branqueado.
Na América a população
índigena foi quase toda dizimada, acto que ainda continuou pelo século XIX
dentro.
Mas um dos temas
preferidos pelos “branqueadores” é o da escravatura, recorrendo às falácias e
às meias-verdades.
Para estes, a
responsabilidade pela escravatura deve ser, no mínimo, repartida por “vítimas”
e “algozes”.
E o argumento usado
baseia-se em duas “meias verdades”: A escravatura não foi uma “invenção” dos
Europeus e os próprios povos escravizados colaboraram no processo.
Isto, dito assim, a
preto e branco, até é verdade.
A escravatura existe
desde a antiguidade clássica, foi prática dos grandes impérios pré-medievais e
era prática entre tribos africanas.
Contudo havia diferenças
que tais “branqueadores” se costumam “esquecer”.
Para já, antes dos “descobrimentos”,
a escravatura, em termos de dimensão e sistema económico, estava em retrocesso ou tinha uma dimensão residual,
um pouco por todo o lado.
Depois, a situação de
escravo não tinha, em muitos casos, o estatuto “indigno” que veio a ter com o
desenvolvimento do grande comércio esclavagista transatlântico.
Também não era uma
situação necessariamente permanente ou que se mantivesse por herança.
Muito menos era uma
condição relacionada com a cor da pele.
O problema desse “fenómeno”
anti-humano foi que ele se tornou um comércio, de grandes dimensões e que
conduziu ao racismo que passou a penalizar apenas uma cor de pele, a negra.
Muitas tribos africanas,
para escaparem à crescente procura de escravos, só o podiam fazer defendendo-se
e, para isso, tinham de recorrer ao armamento que lhe era fornecido pelos
esclavagistas ocidentais e só o obtinham…em troca de escravos.
Criou-se assim
um círculo vicioso que destruiu a civilização africana, situação que, agravada
pelo colonialismo dos séculos XIX-XX, conduziu esse continente à desgraça
actual.
De facto, em relação à
escravatura, os “descobrimentos” não trouxeram nada de novo.
O que trouxeram de novo
foi a dimensão e a organização que transformaram um processo identificado na
História numa grande máquina de desumanização e destruição humana e num grande
negócio que permitiu ao “Ocidente” tornar-se economicamente dominante…até aos
nossos dias.
Não sou especialista
nestes temas, nem pretendo com este texto escrever um ensaios “histórico”, que
não é.
Mas parece-me importante
que este debate enterre de vez todo o tipo de preconceitos e todo o tipo de
branqueamento da História que o tema está a gerar.
Só assumindo os “erros”
e os “horrores” do passado podemos afastar erros e horrores futuros.
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