“Caro desempregado,
"Em nome de Portugal, gostaria de
agradecer o teu contributo para o sucesso económico do nosso país. Portugal tem
tido um desempenho exemplar, e o ajustamento está a ser muito bem-sucedido, o
que não seria possível sem a tua presença permanente na fila para o centro de
emprego. Está a ser feito um enorme esforço para que Portugal recupere a
confiança dos mercados e, pelos vistos, os mercados só confiam em Portugal se
tu não puderes trabalhar. O teu desemprego, embora possa ser ligeiramente
desagradável para ti, é medicinal para a nossa economia. Os investidores não
apostam no nosso país se souberem que tu arranjaste emprego. Preferem emprestar
dinheiro a pessoas desempregadas.
"Antigamente, estávamos todos a
viver acima das nossas possibilidades. Agora estamos só a viver, o que
aparentemente continua a estar acima das nossas possibilidades. Começamos a
perceber que as nossas necessidades estão acima das nossas possibilidades. A
tua necessidade de arranjar um emprego está muito acima das tuas
possibilidades. É possível que a tua necessidade de comer também esteja. Tens
de pagar impostos acima das tuas possibilidades para poderes viver abaixo das
tuas necessidades. Viver mal é caríssimo.
"Não estás sozinho. O governo
prepara-se para propor rescisões amigáveis a milhares de funcionários públicos.
Vais ter companhia. Segundo o primeiro-ministro, as rescisões não são
despedimentos, são janelas de oportunidade. O melhor é agasalhares-te bem,
porque o governo tem aberto tantas janelas de oportunidade que se torna difícil
evitar as correntes de ar de oportunidade. Há quem sinta a tentação de se
abeirar de uma destas janelas de oportunidade e de se atirar cá para baixo. É
mal pensado. Temos uma dívida enorme para pagar, e a melhor maneira de conseguir
pagá-la é impedir que um quinto dos trabalhadores possa produzir. Aceita a tua
função neste processo e não esperneies.
"Tem calma. E não te preocupes. O
teu desemprego está dentro das previsões do governo. Que diabo, isso tem de te
tranquilizar de algum modo. Felizmente, a tua miséria não apanhou ninguém de
surpresa, o que é excelente. A miséria previsível é a preferida de toda a
gente. Repara como o governo te preparou para a crise. Se acontecer a Portugal
o mesmo que ao Chipre, é deixá-los ir à tua conta bancária confiscar uma
parcela dos teus depósitos. Já não tens lá nada para ser confiscado. Podes
ficar tranquilo. E não tens nada que agradecer.”
Ricardo Araújo Pereira
in Revista Visão -27
de Março de 2013
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