À medida que se aproxima a data da manifestação convocada
para 2 de Março do movimento “Que Se Lixe a Troika”, e depois de mais de uma
semana marcada por forte contestação a membros do governo, aumenta o nervosismo
de certos comentadores instalados no sistema do “centrão”.
Os seus argumentos vão subindo de tom, ora criticando e
diabolizando, ora desvalorizando os motivos que vão levar os portugueses à rua
no próximo Sábado.
Para uns a rua é contrária ao exercício da democracia,
esquecendo-se que a rua tem crescido como palco da contestação nos últimos
tempos exactamente porque a dita “legitimidade democrática” não tem funcionado.
Quando os tribunais deixam prescrever ou arrastam processos de criminalidade política,
nunca chegando, nem a um cabal esclarecimento dos vários casos de corrupção que
envolvem políticos, nem à condenação dos criminosos engravatados, são eles que
deslegitimam a justiça como pilar de uma sociedade democrática saudável.
Quando temos um presidente da República que se limita a
mandar umas bocas e nunca reage em conformidade, deixando passar muita coisa
que este governo impõe ao país, mesmo quando viola preceitos constitucionais, é
ele que deslegitima o cerne das suas funções de “defender e fazer cumprir a Constituição”.
Quando temos um governo que foi eleito com base em promessas
e garantias, rapidamente violadas logo a seguir à sua posse e que, em vez de
defender os cidadãos dos malefícios de um memorando assinado à pressa pelo
governo anterior, procura aproveitar-se da grave situação financeira para impor
a sua agenda neoliberal ,intenção que escondeu dos eleitores durante a campanha
eleitoral, governando para o empobrecimento dos cidadãos e para a perda de
direitos sociais de quem produz e trabalha, em prol de obscuros interesse
financeiros, que governa em prol dos “mercados” contra os cidadãos e que é
incapaz de defender os interesse nacionais junto das instâncias internacionais,
aceitando sem pestanejar as malfeitorias impostas pela Comissão Europeia, pelo
BCE e pelo FMI e, ainda por cima, falha todas as metas que “justificavam” a sua
atitude, é o próprio governo que deslegitima a sua existência e a sua
legitimidade democrática.
Quando temos umas finanças que tratam cada cidadão como
criminoso, que montam um esquema de controle sobre os pequenos e médios
empresários e sobre os cidadãos em geral que envergonharia qualquer regime
stalinista, mas deixa de fora o combate à grande fraude fiscal, perdoando os
que de facto prevaricam,(os grandes sectores financeiros que colocam os seus
lucros em paraísos fiscais, recorrem a sofisticadas engenharias fiscais para
não pagar à mesma proporção dos cidadãos normais e beneficiam legalmente de
taxas fiscais muito generosas, comparativamente com aquelas a que os
trabalhadores e os pequenos e médios empresários estão sujeitos) é o próprio sistema
que se deslegitima a si próprio, ao governar contra os cidadãos, a favor do
sector financeiro que é o principal responsável pela grave crise que estamos a
viver.
Quando temos uma comunicação social que, com rara e honrosas excepções (só me lembro da Antena 1, do jornal Público e da revista Visão....) , se deixa manipular pelos grandes interesses financeiros, que a alimentam, e nos debitam até à nausea a ideologia do poder financeiro com as frases feitas dos portugueses "que andaram a viver acima das suas possibilidades", como se todos fossemos culpados por igual, confundindo direitos com "privilégios" e defendendo o pensamento único deste modelo neoliberal, ela deixa de ser o espaço de liberdade, informação e debate que devia ser, para se transformar em mera caixa de ressonância dos poderosos, o novo "Ministério da Propaganda". É sintomático que um jornal de "referência" se vanglorie de "fazer opinião" e que uma televisão privada se gabe de "criar a noticia"!!!!
A rua torna-se assim a forma legitima dos cidadãos
manifestarem todo o seu descontentamento e revolta contra o actual estado de
coisas.
Mas outros comentadores, ou os mesmos referidos acima, usam
igualmente outro argumento contra a rua que é o das alternativas e do “programa”
dessa mesma rua.
Pensam a rua ainda como a rua do tempo em que muitos deles
militavam no radicalismo totalitário e pensam na rua como uma qualquer tomada
da bastilha ou do palácio de inverno. Mas a rua de hoje é muito mais
heterogénea, e por isso consegue ser mais democrática do que os “democratas”
que nos governam com os preconceitos do pensamento único neoliberal.
A rua não tem que oferecer uma alternativa de poder mas deve
servir de aviso aos partidos políticos, principalmente aos do “arco do poder”
para a necessidade de se aproximarem dos cidadãos, de inovarem a sua cartilha ideológica, de serem
de facto uma alternativa entre si e de respeitarem as suas promessas eleitorais
e os anseios dos cidadãos.
De uma vez por todas devem ouvir os anseios da rua, em vez
da a olharem com o desdém arrogante do costume, devem perceber que a rua está
dar-lhes uma oportunidade para fazerem e defenderem uma outra política, a verdadeira
política, que é aquela que é feita para e pelos cidadãos, e não aquela que continuam
a fazer que tem como único objectivo gerirem carreiras pessoais ou cumprir
agendas escondidas impostas por obscuros interesse financeiros.
A rua é o último recurso dos que, de facto, ainda acreditam
na democracia e na política.
A rua, esta rua, na sua maioria esmagadora, não quer “tomar
o poder”, mas quer avisar os poderes, o financeiro, o político e o da
comunicação social, que nos devem deixar em paz, nos devem devolver a
esperança e as nossas vidas, nos devem deixar cumprir os nossos sonhos e os nossos projectos.
A rua só quer exigir respeito e dignidade.
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