Confesso que quando comecei a acompanhar nas televisões o desenrolar da
tentativa de golpe militar na Turquia, e perante a aparente desorientação dos
militares golpistas, me recordei do “nosso” 25 de Novembro de 1975:
- Militares descontentes vinham para rua e eram de imediato dominados. No
caso português, com o tempo, percebeu-se
que tinham caído numa armadilha e que estavam isolados, mesmo em relação aos
sectores políticos de onde esperavam apoio e que, do lado dos vencedores,
apenas se esperava um pretexto para agir a anular os sectores militares “esquerdistas”
que impediam a “normalização” democrática.
Contudo, com o desenrolar dos acontecimentos do passado 15 de Julho, na
Turquia, aquela comparação já não fazia sentido.
De facto, estávamos perante uma situação bem mais trágica e a
comparação, se é possível fazê-la, era cada vez mais uma “repetição”, em
circunstâncias e moldes diferentes, da célebre “Noite das Facas Longas” levada
a cabo por Hitler em 1934.
Chegado recentemente ao poder, entalado entre a crescente influência
das SA de Rohms, que pretendiam aprofundar a “revolução” nazi, e o desejo do
presidente Hindenburg e do exército de “normalizar” a situação de agitação
política que se vivia na Alemanha, Hiltler preparou uma forma de eliminar os
sectores mais radicais do nazismo.
Foi assim que Hitler e os seus mais próximos colaboradores atraíram as
SA a uma armadilha, forjando uma reunião das forças de Rohm, que davam a idéia
de um golpe de estado em preparação contra o novo regime nazi, idéia que foi
usada pela propaganda, liderada por Goebbels, como pretexto à “limpeza” que se
seguiu.
Com o pretexto de que Rohm e outros líderes nazis que contestavam a “normalização”
institucional do governo de Hitler preparavam uma tentativa de insurreição,
apoiada pelo estrangeiro, Hitler iniciou uma profunda purga no próprio partido,
ao mesmo tempo que reforçava a autoridade das SS e controlava o impulso “revolucionário”
das SA.
Aproveitando a situação e o apoio do exército e do presidente
Hindenburgo, Hitler alargou a purga a vários sectores da sociedade, eliminando
outros rivais de sempre, como Grege Stasser, o fundador do partido nazi, mas
alargando a “purga” a outros sectores, dos social-democratas aos comunistas,
passando mesmo por sectores católicos.
O “golpe de Estado” das SA teve lugar na noite de 30 de Junho para 1
de Julho de 1934, mas, dias antes, veio a saber-se mais tarde, a 26 de
Junho, Goering e Himmler haviam elaborado, a pedido de Hiler, uma lista
de “inimigos” de Hitler e do partido nazi a eliminar e prender depois do “golpe”.
O efeito de tudo isso foi o reforço do poder de Hitler e o apoio, até
aí hesitante, do presidente Hindenburgo, do exército, dos grandes industrias e
do poder financeiro ao nazismo, com as consequências conhecidas.
Voltando à Turquia, o único aspecto positivo do malogrado golpe militar
é o facto de provar que, pelo menos nos próximos tempos, já não há lugar para
golpes de estado contra regimes apesar de tudo ainda “democráticos” (mesmo se
uma democracia muito restrita).
Tudo o resto são más notícias.
É má noticia a hesitação do Ocidente, quer na condenação ao golpe (contrastando
com a reacção que tiveram na Ucrânia), quer, posteriormente, na reacção ao
oportunismo de Erdogan que procura usar o efeito da sua vitória para perseguir
inimigos políticos e purgar o exército e o aparelho de Estado, aumentando o seu
poder pessoal.
Por exemplo, é patética a recção da União Europeia, onde a comissária
Frederica Mogherine fez o papel de “tótó”-mor, “ameaçando” a Turquia de não
poder entrar na União Europeia. “ameaça” à qual o neo-ditador Erdogan respondeu
mostrando que se está a “marimbar” para a União Europeia.
Só os burocratas do politburo de Bruxelas ainda acreditam que o
projecto europeu, naquilo em que ele se transformou nas últimas duas décadas,
cativa ou entusiasma seja quem for.
Se há alguém que está em condições de ameaçar a moribunda União
Europeia é o próprio Erdogan, usando a “arma dos refugiados” e o seu “apoio”
(embora velado e indirecto) ao “Estado Islâmico” (não terá sido por acaso que a
primeira acção militar do exército turco após o golpe tenha sido um ataque aos
curdos, os únicos que têm combatido eficazmente o Daesh).
A única ameaça que podia ter efeito sobre Erdogan era a das sanções
económicas e militares, nomeadamente ameaçando-o com a retirada do país da
NATO, se não respeitar a democracia, a liberdade e os direitos humanos.
Infelizmente existem muitos interesses financeiros e políticos do lado
ocidental que temem incomodar, a não ser com a retórica balofa do costume, o
novo “quase”-ditador da Turquia, uma má notícia para os sectores democráticos,
laicos e liberais da Turquia mas também para a Europa no geral.
Apenas o Daesh se deve estar a rir disto tudo…
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