Remando contra a maré desinformativa que nos impõe uma comunicação social acrítica e empenhada em servir as "verdades" impostas pelas actuais elites políticas europeias, Daniel Oliveira mostra-nos um outro lado dos "amanhãs que nos cantam" sobre a grave situação que se vive na Ucrânia.
Quando as actuais elites políticas europeias e a sua comunicação social rejubilam com a gente pouco recomendável que tomou, ilegalmente e pela força, o poder na Ucrânia, é caso para nos interrogarmos sobre a Europa e a "democracia" que nos querem impingir...
Quando as actuais elites políticas europeias e a sua comunicação social rejubilam com a gente pouco recomendável que tomou, ilegalmente e pela força, o poder na Ucrânia, é caso para nos interrogarmos sobre a Europa e a "democracia" que nos querem impingir...
Apresento-vos os defensores dos "valores europeus" na Ucrânia
por Daniel Oliveira
In Expresso on-line 10 de março de 2014.
“O Guardian e a CNN ,
insuspeitos de qualquer antipatia pela "causa ucraniana" que mobiliza
tantos jornalistas portugueses, deram a conhecer o conteúdo de escutas
telefónicas entre a responsável pela
política externa da União Europeia, Catherine Ashton, e o ministro dos Negócios
Estrangeiros da Estónia, Urmas Paet. As escutas tinham sido divulgadas pela
comunicação social russa, o que levanta novas questões sobre o comportamento
dos serviços de espionagem na Europa. Mais uma vez, o comportamento da NSA
norte-americana e a suavidade da reação dos Estados europeus deixa pouco espaço
de manobra para grandes indignações.
“Em resumo, é isto: os snipers que atingiram mortalmente manifestantes
e polícia na Praça da Independência, em Kiev, foram os mesmos e há fortíssimas
suspeitas de não estarem ligados ao regime deposto. Pelo contrário, é mais
provável que fossem agentes provocadores ligados aos revoltosos. Aquilo que
parecia ser uma teoria da conspiração lançada pelos russos ganha assim uma nova
credibilidade. Depois de explicar que as balas só podem ter sido disparadas
pelas mesmas pessoas, Paet diz a Ashton, sobre a atual coligação governamental:
"Há agora um cada vez maior entendimento de que, por de trás dos snipers,
não estava Yanukovych, mas alguém da nova coligação".
“Por desconhecimento, muitos ficarão incrédulos. Afinal de contas,
sempre que cidadãos ocidentais veem muita gente numa praça imaginam que ali só
pode estar o povo em luta pela liberdade e pela democracia. Não compreendendo
que os conflitos internos de cada país - seja no Egito ou na Ucrânia - não se
resumem a dicotomias tão simples e primaveris, que se resolve com um like no
facebook. Sobretudo em países com conflitos étnicos, sujeitos a fortes
interesses económicos e com pouca tradição democrática.
“A oposição ucraniana, agora no governo provisório, não é só - nem
sobretudo - composta por democratas. A maioria está engajada em partidos tão
corruptos e tão dependentes do poder dos oligarcas como o governo deposto. E
estes são os melhorzinhos. Os outros, que tiveram um papel absolutamente
central na EuroMaidan e na tomada violenta de vários símbolos do poder, estão
ligados a organizações bem mais sinistras do que se possa imaginar. O método de
eleição de alguns membros do governo provisório, baseado na "democracia de
Esparta", pode parecer apenas ingenuidade e anedota. Mas não é.
Corresponde a um movimento político antidemocrático que ganhou força nos
últimos anos.
“Vamos então conhecê-los. Um é o grupo paramilitar abertamente xenófobo
Pravyi Sektor ("Sector Direito"), herdeiro do "Tryzub"
(Tridente) e liderado dor Dmytro Yarosh. Durante a revolução, Yarosh foi
acusado de pedir o apoio de Dokka Umarov, líder da fação da guerrilha
techechena que está ligada à Al-Quaeda. A acusação está ainda a ser investigada
(pode tratar-se duma fraude). Mas a sua organização, bastante violenta, teve um
papel central no armamento das milícias paramilitares durante os protestos.
Milícias que entretanto foram reconhecidas oficialmente pelo governo
provisório. O Pravyi Sektor prometeu
ilegalizar o Partido das Regiões (que estava no poder) e o Partido Comunista.
Outro grupo é a Assembleia Nacional Ucraniana-Auto Defesa do Povo Ucraniano
(Una-Unso), fundamentalistas ortodoxos, nacionalistas, antissemitas e
defensores de um governo autoritário para país. Os seus militantes estão
organizados em brigadas voluntárias, com treino na luta da Tchéchénia ao lado
dos guerrilheiros.
“Mas a força política mais importante entre os radicais nacionalistas
é, de longe, a União Pan-Ucrâniana "Liberdade", conhecida apenas por
Svoboda ("Liberdade"). A Svoboda é assumidamente neonazi e foi
fundada em 1991, com o sugestivo nome de Partido Social-Nacional da Ucrânia.
Quem não chegue lá pelo nome pode sempre ver o seu símbolo e ficar esclarecido. Na mesma altura em que
várias organizações de extrema-direita do leste europeu fizeram o devido
lifting, para estarem em condições de ser apoiadas ou pelo menos toleradas por
algumas potências ocidentais, o PSNU foi transformado em Svoboda pelo seu líder
Oleh Tyahnybok.
“O Svoboda é considerado pela Centro Simon Wiesenthal o quinto partido
mais antissemita do mundo. É abertamente xenófobo, defendendo a segregação de
judeus e polacos. Também é, claro está, homofóbico. O seu deputado Igor
Miroshnichenko, assumido admirador de Röhm, Strasser e Goebbels, declarou que
"a homossexualidade será banida deste país, pois é uma doença que ajuda à
difusão da SIDA". Este mesmo deputado descreveu, na sua página de
Facebook, a atriz Mila Kunis (ucraniana de origem, com pai russo e mãe judia)
como uma "zhydovka", termo insultuoso para referir mulheres judias. O
Svoboda defende não apenas a ilegalização do aborto, mas a criminalização da
sua defesa pública. Defende também a ilegalização de qualquer partido
comunista, o direito universal a andar armado, o regresso da Ucrânia ao nuclear
e o tal "democracia espartana". A tudo isto junta as adesões à União
Europeia e à NATO, consideradas absolutamente condizentes com o seu
posicionamento político. O que diz qualquer coisa sobre a imagem de exigência
democrática que a União Europeia está a passar para fora.
“O corte do líder do Svoboda com o resto da oposição, com quem
entretanto se reconciliou em nome dos "valores europeus", deu-se em
2004, quando fez, num discurso transmitido pela televisão, um elogio a
resistência ucraniana na II Guerra por ter lutado contra "a mafia
moscovita-judaica". Deixando esta pungente memória patriótica: "Eles
punham as suas armas ao ombro, iam para a floresta e lutavam contra os
moscovitas, os alemães, os judeus e outra escumalha que nos queria tirar o
Estado da Ucrânia." Nos protestos do EuroMaidan os manifestantes do
Svoboda exibiram, a abrir os seus cortejos, orgulhosos, a fotografia de Stepan
Bandera, líder nacionalista da Ucrânia durante a II Guerra, que colaborou com a
deportação para os campos de extermínio nazis de centenas de milhares de
judeus, comunistas e ciganos. Para tentar ganhar votos à muito pouco
recomendável mas agora transformada em heroína do Ocidente Yulia Tymoshenko, o
não mais recomendável Vicktor Yushenko chegou a dar o título de herói da
Ucrânia a Bandera, retirando-o depois de indignados protestos das organizações
judaicas internacionais. A mesma União Europeia que agora abraça os pupilos de
Bandera condenou, na altura, Yushenko por esta homenagem.
“Que não haja confusões. O Svoboda não é um pequeno grupelho. Teve
10,5% dos votos nas últimas eleições, elegeu 38 deputados e conquistou mais de
30% em três províncias do extremo ocidental da Ucrânia. Na "heróica"
Lviv, onde começou a revolta contra o governo e de onde é o seu líder, os
neonazis tiveram mais de 50% dos votos. Animador, não é?
“Depois dos protestos estes grupos quase sem paralelo na Europa
Ocidental foram postos à margem? Pelo contrário. O Svoboda tem um dos
vice-primeiro-ministros, Oleksandr Sych. O seu cavalo de batalha foi a
ilegalização do aborto, mesmo em caso de violação. Quando esta sua posição foi
contestada, defendeu que as mulheres "devem ter um tipo de vida que evite
o risco de violação, incluindo não beberem álcool e não andarem com companhias
pouco recomendáveis". Tem ainda o secretário do Conselho Nacional de
Segurança e Defesa, os ministros do Ambiente e da Agricultura e o Procurador
Geral da Ucrânia. Isto para além do ministro da Defesa, o almirante Igor
Tenjukh, que não sendo militante tem apoiado o partido nas suas iniciativas
públicas. Já o Pravyi Sektor tem o seu
sinistro líder, Dmytro Yarosh, como vice-secretário do Conselho Nacional de
Segurança e Defesa. E o Una-Unso tem o ministro da Juventude e Desporto e a presidente
da Comissão de Anticorrupção Nacional. Ou seja: três partidos à direita do PNR
e da Aurora Dourada dirigem, num governo que ninguém elegeu, a Defesa, o
combate à corrupção e a Procuradoria Geral.
“Agora, que a poeira começa a assentar, talvez se perceba melhor que
aqui não há heróis e vilões. Muito menos num país que teve de escolher entre as
deportações e a fome de Estaline e o Holocausto de Hitler. As coisas são mais
complicadas, apesar das imagens televisivas da revolta dos russos da Crimeia aparecer
sempre como animalesca e violenta, enquanto a dos ucranianos surge como uma
festa azul e amarela reprimida pelas forças do Estado. Perante o crescente
poder dos nazis no aparelho de Estado ucraniano, a minoria russa tem boas
razões para pensar que não terá lugar nesta nova Ucrânia. Quanto a mim, não sei
se me agrada que a Ucrânia do senhor Tyahnybok e do seu Svoboda tenha lugar na
União Europeia. Para pior já basta assim”.
1 comentário:
Sabe que Stepan Bendera esteve preso Durante 4 anos durante II guerra mundial? Essa part perdeu no caminho? Ou nao houve nenuma investigacao?
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