(a "solução" de Passos Coelho para pagar a dívida, como alternativa ao manifesto de 70 personalidades em defesa da reestruturação da dívida)
A reacção do Primeiro-Ministro ao manifesto “Preparar a Reestruturaçãoda Dívida para Crescer Sustentadamente” é bem revelador da sua ignorância e do
seu despudor sobre as dificuldades em que ele colocou o país e os portugueses com
as suas políticas para “além da troika” e da sua total identificação com os
especuladores financeiros, os principais beneficiados com a dívida portuguesa e
de outros países em dificuldade.
Acusando os autores do texto de “negar
a realidade”, de passar “uma mensagem errada para os credores” ou, como diz o
seu vaidoso ministro Poiares Maduro, que reestruturar a dívida “seria
extremamente prejudicial para o país”, revela três coisas: ignorância sobre a
negra realidade da maioria dos portuguese, total entrega aos objectivos dos mercados
especuladores, em detrimento do interesse dos cidadãos e ignorar as consequências
para as próximas gerações de se continuar a negar a renegociação de uma dívida
insustentável (na visão optimista de
Cavaco Silva, só pagável com mais de vinte anos de austeridade
continuada).
A sua preocupação com o facto desse manifesto passar “uma mensagem
erada para os credores”, revela, aliás, a tentação de censurar qualquer debate
que não aceita as suas condições, o “argumento da mordaça”, assim lucidamente
classificado por Bagão Félix : “se não podemos falar sobre os problemas, então
teremos perdido a nossa independência. É uma espécie de censura política, a
submissão ao pensamento único dos mercados”.
Neste momento a dívida pública ultrapassa os 129% do PIB, da qual,
quase metade se reportar à dívida contraída com o empréstimo da troika.
Percebe-se o incómodo do Primeiro-ministro com este manifesto, já que
ele revela o total falhanço da sua política e da receita da troika, mesmo que
agora se “inventem” uns números lidos à pressa que parecem revelar alguma “melhoria”
da situação, apenas porque isso interessa para branquear a troika e,
especialmente, o papel da Comissão Europeia em tudo isto, em vésperas de um
acto eleitoral que se prevê desastroso para os defensores europeus da
austeridade.
Mas o que diz esse manifesto de tão extraordinário?.
Começando por mostrar o óbvio, a insustentabilidade do pagamento da
dívida, que no” biénio anterior [à crise de 2008], o peso da dívida em relação
ao PIB subira 0,7 pontos percentuais, mas elevou-se em 15 pontos percentuais no
primeiro biénio da crise. No final de 2013 a dívida pública era de 129% do PIB
e a líquida de depósitos de cerca de 120%. O endividamento externo público e
privado ascendeu a 225% do PIB e o endividamento consolidado do sector
empresarial a mais de 155% do PIB”.
Com esta realidade, consideram os seus subscritores que a “dívida
pública tornar-se-á insustentável na ausência de crescimento duradouro
significativo: seriam necessários saldos orçamentais primários verdadeiramente
excepcionais, insusceptíveis de imposição prolongada”.
Por isso “ sem a reestruturação da dívida pública não será possível
libertar e canalizar recursos minimamente suficientes a favor do crescimento,
nem sequer fazê-lo beneficiar da concertação de propósitos imprescindível para
o seu êxito”; por isso sem “reestruturação da dívida, o Estado continuará
enredado e tolhido na vã tentativa de resolver os problemas do défice
orçamental e da dívida pública pela única via da austeridade(…) Subsistirá o
desemprego a níveis inaceitáveis, agravar-se-á a precariedade do trabalho,
desvitalizar-se-á o país em consequência da emigração de jovens qualificados, crescerão
os elevados custos humanos da crise, multiplicar-se-ão as desigualdades, de
tudo resultando considerável reforço dos riscos de instabilidade política e de
conflitualidade social, com os inerentes custos para todos os portugueses”.
Os “manifestantes” apontam alternativas, defendendo que a reestruturação da dívida deve “ocorrer
no espaço institucional europeu”, até porque é a União Europeia que pode
ser posta em causa se continuar no caminho “auteritário”
defendido pelas suas instituições.
Os subscritores apontam três condições para o êxito e uma
reestruturação:
“1) Abaixamento da taxa média de juro
“A primeira condição é o abaixamento significativo da taxa média de
juro do stock da dívida, de modo a aliviar a pesada punção dos recursos
financeiros nacionais exercida pelos encargos com a dívida, bem como
ultrapassar o risco de baixas taxas de crescimento, difíceis de evitar nos
próximos anos face aos resultados diferidos das mudanças estruturais
necessárias. O actual pano de fundo é elucidativo: os juros da dívida pública
directa absorvem 4,5%. do PIB. Atente-se ainda no facto de quase metade da
subida da dívida pública nos últimos anos ter sido devida ao efeito dos juros”.
“2) Alongamento dos prazos da dívida
“A segunda condição é a extensão das maturidades da dívida para 40 ou
mais anos. A nossa dívida tem picos violentos. De agora até 2017 o reembolso da
dívida de médio e longo prazo atingirá cerca de 48 mil milhões de euros”. Recordam
que o alongamentos “da mesma ordem de grandeza relativa têm respeitáveis
antecedentes históricos, um dos quais ocorreu em benefício da própria Alemanha.
Pelo Acordo de Londres sobre a Dívida Externa Alemã, de 27 de Fevereiro de
1953, a dívida externa alemã anterior à II Guerra Mundial foi perdoada em 46% e
a posterior à II Guerra em 51,2%. Do remanescente, 17% ficaram a juro zero e
38% a juro de 2,5% Os juros devidos desde 1934 foram igualmente perdoados. Foi
também acordado um período de carência de cinco anos e limitadas as
responsabilidades anuais futuras ao máximo de 5% das exportações no mesmo ano.
O último pagamento só foi feito depois da reunificação alemã, cerca de cinco
décadas depois do Acordo de Londres. O princípio expresso do Acordo era
assegurar a prosperidade futura do povo alemão, em nome do interesse comum.
Reputados historiadores económicos alemães são claros em considerar que este
excepcional arranjo é a verdadeira origem do milagre económico da Alemanha. O
Reino Unido, que alongou por décadas e décadas o pagamento de dívidas suas,
oferece outro exemplo(…)”.
“3) Reestruturar, pelo menos, a dívida acima de 60% do PIB
Há que estabelecer qual a parte da dívida abrangida pelo processo
especial de reestruturação no âmbito institucional europeu. O critério de
Maastricht fixa o limite da dívida em 60% do PIB. É diversa a composição e
volume das dívidas nacionais. Como é natural, as soluções a acordar devem
reflectir essa diversidade. A reestruturação deve ter na base a dívida ao
sector oficial, se necessário complementada por outras responsabilidades de tal
modo que a reestruturação incida, em regra, sobre dívida acima de 60% do PIB.
Nestes termos, mesmo a própria Alemanha poderia beneficiar deste novo mecanismo
institucional, tal como vários outros países da Europa do Norte”.
Concluem que a “reestruturação adequada da dívida abrirá uma
oportunidade ímpar, geradora de responsabilidade colectiva, respeitadora da
dignidade dos portugueses e mobilizadora dos seus melhores esforços a favor da
recuperação da economia e do emprego e do desenvolvimento sustentável com
democracia e responsabilidade social”.
O manifesto, recorde-se, foi assinado por pessoas de vários quadrantes
políticos, muitos economistas de renome, tais como :Adriano Moreira, Alexandre
Quintanilha, Alfredo Bruto da Costa, António Bagão Félix, António Capucho, António
Saraiva, Boaventura Sousa Santos, Carlos César, Diogo Freitas do Amaral, Eduardo
Ferro Rodrigues, Fernando Rosas, Francisco Louçã, Henrique Neto, João Cravinho,
João Galamba, Joaquim Gomes Canotilho, Jorge
Malheiros, José Maria Castro Caldas, José Reis, José Silva Lopes, José Vera
Jardim, José Tribolet, Luís Braga da Cruz, Luís Nazaré, Manuel Carvalho da
Silva, Manuel Sobrinho Simões, Manuela Arcanjo, Manuela Ferreira Leite, Manuela
Silva, Pedro Adão e Silva, Pedro Bacelar de Vasconcelos, Ricardo Bayão Horta, Teresa
Pizarro Beleza, Viriato Soromenho-Marques ou Vítor Ramalho, entre outros.
Ou seja, entre as opiniões de Passos Coelho, um empresário falhado, com
um percurso exclusivo nas jotas, e o
prestigio e as provas dadas pelos subscritores em várias áreas da vida portuguesa, é fácil de
perceber de que lado está a razão, a
moderação e o verdadeiro consenso…
Notáveis da esquerda e da direita apelam à reestruturação da dívida portuguesa - PÚBLICO(clicar para ler)
Ver aqui a reacção de Passos Coelho a um documento que ainda não tinha lido:
http://www.publico.pt/politica/noticia/passos-coelho-acusa-notaveis-de-irrealismo-e-de-porem-em-causa-financiamento-do-pais-1627843
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