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terça-feira, 17 de abril de 2012

A Minha Colecção de Cromos – 5 - João Carlos Espada, Titanic, jantaradas e ..."liberalismo"...

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“Foi então muito a propósito que fomos surpreendidos pelo menu do Titanic [“salmão poché com molho musselina e pepinos, pato assado com molho de maçã, cordeiro ao molho de hortelã e batatas à parmentier, waldorf pudding e éclairs de chocolate”] que o hotel [Spa do Vinho em Bento Gonçalves, Rio Grande do Sul, Brasil] promoveu para o jantar de sábado passado – e que coincidiu com o nosso jantar de encerramento da conferência [a “ Idéia da Lei”, promovida pela fundação norte-americana Liberty Fund]. Porque isso nos permitiu recordar que o comportamento dos passageiros do Titanic era ainda devedor de uma civilização da liberdade fundada em deveres morais. Esta civilização liberal, justamente também chamada de vitoriana, era sobretudo de geração britânica. Ela acreditava no comércio livre, na propriedade privada e no Estado de Direito, ou Rule of Law. Via a liberdade como inseparável do sentido de responsabilidade pessoal, expressa no código de conduta da gentlemanship.
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“Mas talvez o jantar do centenário do Titanic nos possa recordar uma época em que a liberdade era indissociável da responsabilidade pessoal – uma época cujo epílogo permitiu a ascensão do Estado total, comunista e nacional-socialista. Ao recordarmos o sentido de dever dessa época, talvez possamos imaginar como o sentido de liberdade e ao ideal de governo das leis, por oposição ao governo pelo capricho dos homens”.
João Carlos Espada – Liberdade e Sentido de Dever, in Público de 16 de Abril d 2012.

 Repita lá para eu perceber!!?

A jantarada acima citada era partilhada por todos os passageiros do navio? Os passageiros da segunda e da terceira classe partilhavam as mesmas refeições? Claro que não. Até sabemos que não podiam partilhar o mesmo espaço no navio, numa versão social do apartheid que havia de custar caro, principalmente aos passageiros da terceira classe.

É isto o “sentido de responsabilidade pessoal” e de “liberdade” apregoado pelo autor?

E, quando chegou a hora da verdade, quando se iniciou o embarque de passageiro no poucos botes existentes , foi significativa a diferença de mulheres e crianças salvas entre as da primeira e da segunda classe, diferença abissal se compararmos com o número de crianças e mulheres que se salvaram na terceira classe!!

(Morreu uma criança da primeira classe, nenhuma da segunda…53 da terceira classe!!; Morreram 4 mulheres da primeira classe, 15 da segunda e…89 da terceira!!!).

Sabe-se também que os passageiros da terceira classe foram dos últimos a serem avisados e muitos deles impedidos de saírem das cabinas a que estavam confinado.

E se houve actos de coragem e abnegação por parte de muitos passageiros e, principalmente, tripulantes, também foram evidentes os actos de cobardia (desculpáveis, apesar de tudo, à luz da dimensão da tragédia).

Como se explica que 33% dos homens da primeira classe se tenham salvo, contra apenas 8% da segunda classe e 16% da terceira?.

A realidade dos factos e os números parecem configurar exactamente o contrário daquilo que o autor quer apregoar com o exemplo do Titanic: o do “comportamento dos passageiros do Titanic “ como “devedor de uma civilização da liberdade fundada em deveres morais” ou no “sentido de responsabilidade pessoal, expressa no código de conduta da gentlemanship”.

Acho que o exemplo do Titanic para demonstrar as virtudes da sociedade liberal do século dezanove é um exemplo demasiado desastroso para ser levado a sério…

Uma última questão…sendo essa sociedade idealizada pelo autor tão justa, tão livre e tão responsável como é que ela soçobrou perante os regimes totalitários que refere? É a velha questão…quem nasceu primeiro…o ovo ou a galinha?...sim, porque foi essa sociedade “liberal” novecentista que gerou os “ovos de serpente” que, tragicamente, eclodiram na primeira metade do século XX, situação que, ao que parece se volta a repetir nos dias que correm.

De facto, a sociedade liberal que muitos nostalgicamente apregoam, nunca existiu, a não ser para uma minoria endinheirada e privilegiada, o que não quer dizer que não gostássemos que esse ideal se realizasse e generalizasse à maior parte da humanidade, mas sempre com igualdade e respeito pelos mais desprotegidos…

1 comentário:

Joaquim Moedas Duarte disse...

Muito bem observado e comentado, Venarando! Vou linkar.

Abraço