Parafraseando Mário Soares, também eu sou “Republicano, Socialista e Laico”.
Ao longo da minha infância e juventude aprendi a respeitar a República como uma opção ao Estado Novo.
Contactando com muita gente da oposição ao regime salazarista, das mais variadas tendências, sempre identifiquei a República com a democracia, a cidadania, a tolerância e a liberdade, por oposição ao regime de então.
Cresci, interessei-me pelo estudo da História e comecei a perceber que a República, geralmente identificada com a 1ª República, por oposição ao Estado Novo, não era assim tão inocente.
A democracia republicana era muito relativa. Por exemplo, em oposição com a monarquia, houve maiores restrições à participação eleitoral, por via do chamado voto capacitario, que entrou em vigor em 1913, do que aquelas que existiam antes da sua implantação.
A própria ideia de ditadura não tinha, entre grande parte dos republicanos, a conotação negativa que veio a ter mais tarde. A ditadura era vista muitas vezes como uma espécie de interregno para repor a ordem republicana em períodos de crise. Aconteceu assim no primeiro governo, nos governos de Pimenta de Castro e de Sidónio Pais e frequentemente com os governos do próprio Partido Democrático, sempre que necessário.
Mesmo a ditadura militar imposta no 28 de Maio de 1926 foi vista por muitos republicanos com a complacência de um interregno regenerador necessário, e o próprio Salazar, ao implementar o Estado Novo, contou com a conivência e apoio de muitos republicanos, tendo mesmo mantido os principais símbolos da República, a Bandeira, o Hino e o Presidente da República.
Mesmo pilares do Estado Novo, como o nacionalismo e o colonialismo, assentavam no ideário republicano construído nos tempos do “ultimatum” de 1890.
Registe-se ainda o facto de o Partido Democrático se ter comportado muitas vezes como um “partido único” que tolerava mal outras tendências no seio dos republicanos, não hesitando em recorrer à fraude eleitoral, aos préstimos dos caciques locais, muitos deles ex-monárquicos, conhecidos por “adesivos”, a golpes de Estado e mesmo ao puro terrorismo para afastar adversários.
Também, associar a tolerância e a liberdade à República é um pouco exagerado. Para além do facto de o Estado Novo se ter construído como uma fase, a mais longa, do regime republicano em Portugal, a própria Primeira República não hesitou em recorrer à mais feroz repressão contra os seus principais adversários, não só contra os monárquicos e o clero, mas também contra os sindicatos, os anarquistas e os republicanos que fossem críticos do regime, pagando alguns com a própria vida a sua independência, como aconteceu na tristemente célebre “Noite Sangrenta”. Era frequente o recurso à censura, ao encerramento de jornais, às prisões políticas e ao assassinato político.
Talvez que o único ideal da república que atravessou incólume a prova da História tenha sido o da defesa do exercício da cidadania, nomeadamente em relação à importância que a Primeira República deu à Educação. Contudo, uma análise mais detalhada revelará que, mesmo esse ideal não terá sido cumprido na sua totalidade, não passando muitas vezes da pura retórica. As restrições já referidas ao direito de voto, a perseguição aos sindicatos, e a forma como foram tratadas as primeiras sufragistas portuguesas, mostram que, até neste ideal, a primeira república falhou.
Claro que alguma coisa de positivo foi feito pela Primeira República, como a separação entre o Estado e a Igreja, embora com métodos discutíveis, algumas reformas fundamentais no mundo do trabalho , da defesa da mulher e na educação.
Felizmente que a democracia, saída do 25 de Abril, e que se implantou na Terceira República, soube fugir aos erros e excessos da primeira república, salvando assim o ideal republicano.
A Terceira República implantou a primeira democracia real em Portugal, soube cultivar a tolerância e a liberdade sem subterfúgios e criou assim as verdadeira condições para o exercício do direito e do dever de cidadania. Claro que há muita coisa a aperfeiçoar, que nos últimos tempos se tem posto em causa muitos desses princípios, que o espírito salazarista ainda paira por aí.
A falta de ética empresarial e política, a corrupção generalizada, o aumento das desigualdades sociais, a falta de cultura cívica da maior parte da classe política, o descalabro da justiça, estão aí na ordem do dia para nos fazerem recuperar, com os olhos do século XXI, os ideais da República.
Mas, por mais que não seja pelo simples conceito de “República” (“Coisa Pública”), intimamente relacionado com os de Democracia, Liberdade e Serviço Público, esta manifesta-se superior ao de Monarquia que, na sua essência, é o oposto de Democracia (o rei não é eleito democraticamente), é o oposto da Liberdade (onde existe liberdade quando é a origem do nascimento que decide quem se tornará a figura central do Estado?) e é o oposto do Serviço Público (como se sabe, os custos de manutenção das monarquias representam um enorme encargo público).
Claro que se pode apresentar como exemplos de “superioridade moral da Monarquia sobre a República” o exemplo de países como a Espanha, a Inglaterra, a Bélgica, a Holanda, a Dinamarca, a Suécia, e a Noruega.
Mas o que se passou nesses países é que, ao contrário do que aconteceu em Portugal, não foi a monarquia que se impôs à República, terá sido antes a monarquia que se soube “republicanizar” , como garantia para a sua sobrevivência.
Aliás, não é por acaso que as novas tendências monárquicas se manifestam nas mais vis ditaduras, como na Coreia do Norte ou na Líbia.
Por isso, ainda é tempo de gritar:
Viva a República!
1 comentário:
Viva a REPUBLICA!!!!
Não sei é se não será necessário implantar uma 4ª república...
Um abraço
Fernando Sarzedas
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