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quarta-feira, 12 de março de 2014

Notáveis da esquerda e da direita apelam à reestruturação da dívida portuguesa..e a reacção de Passos Coelho..

(a "solução" de Passos Coelho para pagar a dívida, como alternativa ao manifesto de 70 personalidades em defesa da reestruturação da dívida)

A reacção do Primeiro-Ministro ao manifesto “Preparar a Reestruturaçãoda Dívida para Crescer Sustentadamente” é bem revelador da sua ignorância e do seu despudor sobre as dificuldades em que ele colocou o país e os portugueses com as suas políticas para “além da troika” e da sua total identificação com os especuladores financeiros, os principais beneficiados com a dívida portuguesa e de outros países em dificuldade.

Acusando os autores do texto  de “negar a realidade”, de passar “uma mensagem errada para os credores” ou, como diz o seu vaidoso ministro Poiares Maduro, que reestruturar a dívida “seria extremamente prejudicial para o país”, revela três coisas: ignorância sobre a negra realidade da maioria dos portuguese, total entrega aos objectivos dos mercados especuladores, em detrimento do interesse dos cidadãos e ignorar as consequências para as próximas gerações de se continuar a negar a renegociação de uma dívida insustentável (na visão optimista de  Cavaco Silva, só pagável com mais de vinte anos de austeridade continuada).

A sua preocupação com o facto desse manifesto passar “uma mensagem erada para os credores”, revela, aliás, a tentação de censurar qualquer debate que não aceita as suas condições, o “argumento da mordaça”, assim lucidamente classificado por Bagão Félix : “se não podemos falar sobre os problemas, então teremos perdido a nossa independência. É uma espécie de censura política, a submissão ao pensamento único dos mercados”.

Neste momento a dívida pública ultrapassa os 129% do PIB, da qual, quase metade se reportar à dívida contraída com o empréstimo da troika.

Percebe-se o incómodo do Primeiro-ministro com este manifesto, já que ele revela o total falhanço da sua política e da receita da troika, mesmo que agora se “inventem” uns números lidos à pressa que parecem revelar alguma “melhoria” da situação, apenas porque isso interessa para branquear a troika e, especialmente, o papel da Comissão Europeia em tudo isto, em vésperas de um acto eleitoral que se prevê desastroso para os defensores europeus da austeridade.

Mas o que diz esse manifesto de tão extraordinário?.

Começando por mostrar o óbvio, a insustentabilidade do pagamento da dívida, que no” biénio anterior [à crise de 2008], o peso da dívida em relação ao PIB subira 0,7 pontos percentuais, mas elevou-se em 15 pontos percentuais no primeiro biénio da crise. No final de 2013 a dívida pública era de 129% do PIB e a líquida de depósitos de cerca de 120%. O endividamento externo público e privado ascendeu a 225% do PIB e o endividamento consolidado do sector empresarial a mais de 155% do PIB”.

Com esta realidade, consideram os seus subscritores que a “dívida pública tornar-se-á insustentável na ausência de crescimento duradouro significativo: seriam necessários saldos orçamentais primários verdadeiramente excepcionais, insusceptíveis de imposição prolongada”.

Por isso “ sem a reestruturação da dívida pública não será possível libertar e canalizar recursos minimamente suficientes a favor do crescimento, nem sequer fazê-lo beneficiar da concertação de propósitos imprescindível para o seu êxito”; por isso sem “reestruturação da dívida, o Estado continuará enredado e tolhido na vã tentativa de resolver os problemas do défice orçamental e da dívida pública pela única via da austeridade(…) Subsistirá o desemprego a níveis inaceitáveis, agravar-se-á a precariedade do trabalho, desvitalizar-se-á o país em consequência da emigração de jovens qualificados, crescerão os elevados custos humanos da crise, multiplicar-se-ão as desigualdades, de tudo resultando considerável reforço dos riscos de instabilidade política e de conflitualidade social, com os inerentes custos para todos os portugueses”.

Os “manifestantes” apontam alternativas, defendendo  que a reestruturação da dívida deve “ocorrer no espaço institucional europeu”, até porque é a União Europeia que pode ser  posta em causa  se continuar no caminho “auteritário” defendido pelas suas instituições.

Os subscritores apontam três condições para o êxito e uma reestruturação:

“1) Abaixamento da taxa média de juro
“A primeira condição é o abaixamento significativo da taxa média de juro do stock da dívida, de modo a aliviar a pesada punção dos recursos financeiros nacionais exercida pelos encargos com a dívida, bem como ultrapassar o risco de baixas taxas de crescimento, difíceis de evitar nos próximos anos face aos resultados diferidos das mudanças estruturais necessárias. O actual pano de fundo é elucidativo: os juros da dívida pública directa absorvem 4,5%. do PIB. Atente-se ainda no facto de quase metade da subida da dívida pública nos últimos anos ter sido devida ao efeito dos juros”.

“2) Alongamento dos prazos da dívida
“A segunda condição é a extensão das maturidades da dívida para 40 ou mais anos. A nossa dívida tem picos violentos. De agora até 2017 o reembolso da dívida de médio e longo prazo atingirá cerca de 48 mil milhões de euros”. Recordam que o alongamentos “da mesma ordem de grandeza relativa têm respeitáveis antecedentes históricos, um dos quais ocorreu em benefício da própria Alemanha. Pelo Acordo de Londres sobre a Dívida Externa Alemã, de 27 de Fevereiro de 1953, a dívida externa alemã anterior à II Guerra Mundial foi perdoada em 46% e a posterior à II Guerra em 51,2%. Do remanescente, 17% ficaram a juro zero e 38% a juro de 2,5% Os juros devidos desde 1934 foram igualmente perdoados. Foi também acordado um período de carência de cinco anos e limitadas as responsabilidades anuais futuras ao máximo de 5% das exportações no mesmo ano. O último pagamento só foi feito depois da reunificação alemã, cerca de cinco décadas depois do Acordo de Londres. O princípio expresso do Acordo era assegurar a prosperidade futura do povo alemão, em nome do interesse comum. Reputados historiadores económicos alemães são claros em considerar que este excepcional arranjo é a verdadeira origem do milagre económico da Alemanha. O Reino Unido, que alongou por décadas e décadas o pagamento de dívidas suas, oferece outro exemplo(…)”.

“3) Reestruturar, pelo menos, a dívida acima de 60% do PIB
Há que estabelecer qual a parte da dívida abrangida pelo processo especial de reestruturação no âmbito institucional europeu. O critério de Maastricht fixa o limite da dívida em 60% do PIB. É diversa a composição e volume das dívidas nacionais. Como é natural, as soluções a acordar devem reflectir essa diversidade. A reestruturação deve ter na base a dívida ao sector oficial, se necessário complementada por outras responsabilidades de tal modo que a reestruturação incida, em regra, sobre dívida acima de 60% do PIB. Nestes termos, mesmo a própria Alemanha poderia beneficiar deste novo mecanismo institucional, tal como vários outros países da Europa do Norte”.
Concluem que a “reestruturação adequada da dívida abrirá uma oportunidade ímpar, geradora de responsabilidade colectiva, respeitadora da dignidade dos portugueses e mobilizadora dos seus melhores esforços a favor da recuperação da economia e do emprego e do desenvolvimento sustentável com democracia e responsabilidade social”.

O manifesto, recorde-se, foi assinado por pessoas de vários quadrantes políticos, muitos economistas de renome, tais como :Adriano Moreira, Alexandre Quintanilha, Alfredo Bruto da Costa, António Bagão Félix, António Capucho, António Saraiva, Boaventura Sousa Santos, Carlos César, Diogo Freitas do Amaral, Eduardo Ferro Rodrigues, Fernando Rosas, Francisco Louçã, Henrique Neto, João Cravinho, João Galamba, Joaquim  Gomes Canotilho, Jorge Malheiros, José Maria Castro Caldas, José Reis, José Silva Lopes, José Vera Jardim, José Tribolet, Luís Braga da Cruz, Luís Nazaré, Manuel Carvalho da Silva, Manuel Sobrinho Simões, Manuela Arcanjo, Manuela Ferreira Leite, Manuela Silva, Pedro Adão e Silva, Pedro Bacelar de Vasconcelos, Ricardo Bayão Horta, Teresa Pizarro Beleza, Viriato Soromenho-Marques ou Vítor Ramalho, entre outros.


Ou seja, entre as opiniões de Passos Coelho, um empresário falhado, com um percurso exclusivo nas jotas,  e o prestigio e as provas dadas pelos subscritores em várias áreas da vida portuguesa, é fácil de perceber de  que lado está a razão, a moderação e o verdadeiro consenso…

Notáveis da esquerda e da direita apelam à reestruturação da dívida portuguesa - PÚBLICO(clicar para ler)

 Ver aqui a reacção de Passos Coelho a um documento que ainda não tinha lido:

http://www.publico.pt/politica/noticia/passos-coelho-acusa-notaveis-de-irrealismo-e-de-porem-em-causa-financiamento-do-pais-1627843

segunda-feira, 10 de março de 2014

Ucrânia : as verdades e as mentiras, na crónica de Daniel Oliveira, ...ou quem é a gente pouco recomendável que a actual elite política europeia e a sua comunicação social nos procura impingir como "verdadeiros democratas"..

Remando contra a maré desinformativa que nos impõe uma comunicação social acrítica e empenhada em servir as "verdades" impostas pelas actuais elites políticas europeias, Daniel Oliveira mostra-nos um outro lado dos "amanhãs que nos cantam" sobre a grave situação que se vive na Ucrânia.

Quando as actuais elites políticas europeias e a sua comunicação social rejubilam com a gente pouco recomendável que tomou, ilegalmente e pela força, o poder na Ucrânia, é caso para nos interrogarmos sobre a Europa e a "democracia"  que nos querem impingir...


Apresento-vos os defensores dos "valores europeus" na Ucrânia

por Daniel Oliveira

In Expresso on-line 10 de março de 2014.

“O Guardian  e a CNN , insuspeitos de qualquer antipatia pela "causa ucraniana" que mobiliza tantos jornalistas portugueses, deram a conhecer o conteúdo de escutas telefónicas  entre a responsável pela política externa da União Europeia, Catherine Ashton, e o ministro dos Negócios Estrangeiros da Estónia, Urmas Paet. As escutas tinham sido divulgadas pela comunicação social russa, o que levanta novas questões sobre o comportamento dos serviços de espionagem na Europa. Mais uma vez, o comportamento da NSA norte-americana e a suavidade da reação dos Estados europeus deixa pouco espaço de manobra para grandes indignações.

“Em resumo, é isto: os snipers que atingiram mortalmente manifestantes e polícia na Praça da Independência, em Kiev, foram os mesmos e há fortíssimas suspeitas de não estarem ligados ao regime deposto. Pelo contrário, é mais provável que fossem agentes provocadores ligados aos revoltosos. Aquilo que parecia ser uma teoria da conspiração lançada pelos russos ganha assim uma nova credibilidade. Depois de explicar que as balas só podem ter sido disparadas pelas mesmas pessoas, Paet diz a Ashton, sobre a atual coligação governamental: "Há agora um cada vez maior entendimento de que, por de trás dos snipers, não estava Yanukovych, mas alguém da nova coligação".

“Por desconhecimento, muitos ficarão incrédulos. Afinal de contas, sempre que cidadãos ocidentais veem muita gente numa praça imaginam que ali só pode estar o povo em luta pela liberdade e pela democracia. Não compreendendo que os conflitos internos de cada país - seja no Egito ou na Ucrânia - não se resumem a dicotomias tão simples e primaveris, que se resolve com um like no facebook. Sobretudo em países com conflitos étnicos, sujeitos a fortes interesses económicos e com pouca tradição democrática.

“A oposição ucraniana, agora no governo provisório, não é só - nem sobretudo - composta por democratas. A maioria está engajada em partidos tão corruptos e tão dependentes do poder dos oligarcas como o governo deposto. E estes são os melhorzinhos. Os outros, que tiveram um papel absolutamente central na EuroMaidan e na tomada violenta de vários símbolos do poder, estão ligados a organizações bem mais sinistras do que se possa imaginar. O método de eleição de alguns membros do governo provisório, baseado na "democracia de Esparta", pode parecer apenas ingenuidade e anedota. Mas não é. Corresponde a um movimento político antidemocrático que ganhou força nos últimos anos.

“Vamos então conhecê-los. Um é o grupo paramilitar abertamente xenófobo Pravyi Sektor ("Sector Direito"), herdeiro do "Tryzub" (Tridente) e liderado dor Dmytro Yarosh. Durante a revolução, Yarosh foi acusado de pedir o apoio de Dokka Umarov, líder da fação da guerrilha techechena que está ligada à Al-Quaeda. A acusação está ainda a ser investigada (pode tratar-se duma fraude). Mas a sua organização, bastante violenta, teve um papel central no armamento das milícias paramilitares durante os protestos. Milícias que entretanto foram reconhecidas oficialmente pelo governo provisório. O Pravyi Sektor  prometeu ilegalizar o Partido das Regiões (que estava no poder) e o Partido Comunista. Outro grupo é a Assembleia Nacional Ucraniana-Auto Defesa do Povo Ucraniano (Una-Unso), fundamentalistas ortodoxos, nacionalistas, antissemitas e defensores de um governo autoritário para país. Os seus militantes estão organizados em brigadas voluntárias, com treino na luta da Tchéchénia ao lado dos guerrilheiros.

“Mas a força política mais importante entre os radicais nacionalistas é, de longe, a União Pan-Ucrâniana "Liberdade", conhecida apenas por Svoboda ("Liberdade"). A Svoboda é assumidamente neonazi e foi fundada em 1991, com o sugestivo nome de Partido Social-Nacional da Ucrânia. Quem não chegue lá pelo nome pode sempre ver o seu símbolo  e ficar esclarecido. Na mesma altura em que várias organizações de extrema-direita do leste europeu fizeram o devido lifting, para estarem em condições de ser apoiadas ou pelo menos toleradas por algumas potências ocidentais, o PSNU foi transformado em Svoboda pelo seu líder Oleh Tyahnybok.

“O Svoboda é considerado pela Centro Simon Wiesenthal o quinto partido mais antissemita do mundo. É abertamente xenófobo, defendendo a segregação de judeus e polacos. Também é, claro está, homofóbico. O seu deputado Igor Miroshnichenko, assumido admirador de Röhm, Strasser e Goebbels, declarou que "a homossexualidade será banida deste país, pois é uma doença que ajuda à difusão da SIDA". Este mesmo deputado descreveu, na sua página de Facebook, a atriz Mila Kunis (ucraniana de origem, com pai russo e mãe judia) como uma "zhydovka", termo insultuoso para referir mulheres judias. O Svoboda defende não apenas a ilegalização do aborto, mas a criminalização da sua defesa pública. Defende também a ilegalização de qualquer partido comunista, o direito universal a andar armado, o regresso da Ucrânia ao nuclear e o tal "democracia espartana". A tudo isto junta as adesões à União Europeia e à NATO, consideradas absolutamente condizentes com o seu posicionamento político. O que diz qualquer coisa sobre a imagem de exigência democrática que a União Europeia está a passar para fora.

“O corte do líder do Svoboda com o resto da oposição, com quem entretanto se reconciliou em nome dos "valores europeus", deu-se em 2004, quando fez, num discurso transmitido pela televisão, um elogio a resistência ucraniana na II Guerra por ter lutado contra "a mafia moscovita-judaica". Deixando esta pungente memória patriótica: "Eles punham as suas armas ao ombro, iam para a floresta e lutavam contra os moscovitas, os alemães, os judeus e outra escumalha que nos queria tirar o Estado da Ucrânia." Nos protestos do EuroMaidan os manifestantes do Svoboda exibiram, a abrir os seus cortejos, orgulhosos, a fotografia de Stepan Bandera, líder nacionalista da Ucrânia durante a II Guerra, que colaborou com a deportação para os campos de extermínio nazis de centenas de milhares de judeus, comunistas e ciganos. Para tentar ganhar votos à muito pouco recomendável mas agora transformada em heroína do Ocidente Yulia Tymoshenko, o não mais recomendável Vicktor Yushenko chegou a dar o título de herói da Ucrânia a Bandera, retirando-o depois de indignados protestos das organizações judaicas internacionais. A mesma União Europeia que agora abraça os pupilos de Bandera condenou, na altura, Yushenko por esta homenagem.

“Que não haja confusões. O Svoboda não é um pequeno grupelho. Teve 10,5% dos votos nas últimas eleições, elegeu 38 deputados e conquistou mais de 30% em três províncias do extremo ocidental da Ucrânia. Na "heróica" Lviv, onde começou a revolta contra o governo e de onde é o seu líder, os neonazis tiveram mais de 50% dos votos. Animador, não é?

“Depois dos protestos estes grupos quase sem paralelo na Europa Ocidental foram postos à margem? Pelo contrário. O Svoboda tem um dos vice-primeiro-ministros, Oleksandr Sych. O seu cavalo de batalha foi a ilegalização do aborto, mesmo em caso de violação. Quando esta sua posição foi contestada, defendeu que as mulheres "devem ter um tipo de vida que evite o risco de violação, incluindo não beberem álcool e não andarem com companhias pouco recomendáveis". Tem ainda o secretário do Conselho Nacional de Segurança e Defesa, os ministros do Ambiente e da Agricultura e o Procurador Geral da Ucrânia. Isto para além do ministro da Defesa, o almirante Igor Tenjukh, que não sendo militante tem apoiado o partido nas suas iniciativas públicas. Já o Pravyi Sektor  tem o seu sinistro líder, Dmytro Yarosh, como vice-secretário do Conselho Nacional de Segurança e Defesa. E o Una-Unso tem o ministro da Juventude e Desporto e a presidente da Comissão de Anticorrupção Nacional. Ou seja: três partidos à direita do PNR e da Aurora Dourada dirigem, num governo que ninguém elegeu, a Defesa, o combate à corrupção e a Procuradoria Geral.


“Agora, que a poeira começa a assentar, talvez se perceba melhor que aqui não há heróis e vilões. Muito menos num país que teve de escolher entre as deportações e a fome de Estaline e o Holocausto de Hitler. As coisas são mais complicadas, apesar das imagens televisivas da revolta dos russos da Crimeia aparecer sempre como animalesca e violenta, enquanto a dos ucranianos surge como uma festa azul e amarela reprimida pelas forças do Estado. Perante o crescente poder dos nazis no aparelho de Estado ucraniano, a minoria russa tem boas razões para pensar que não terá lugar nesta nova Ucrânia. Quanto a mim, não sei se me agrada que a Ucrânia do senhor Tyahnybok e do seu Svoboda tenha lugar na União Europeia. Para pior já basta assim”.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Porque me vou abster nas eleições para o parlamento europeu

(este é o verdadeiro "parlamento europeu")

Sempre votei desde que obtive o direito ao voto, o que aconteceu após o 25 de Abril.

As minhas opções sempre foram variadas, do voto em branco, ao voto no PPM, exactamente numas eleições europeias, onde o candidato monárquico ele o Miguel Esteves Cardoso.

Maioritariamente sempre votei à esquerda, do PS ao BE, passando, quase sempre, pela CDU.

Sempre considerei que a abstenção não só não tinha qualquer utilidade prática, como era uma atitude antidemocrática e conformista…até hoje!

Agora que estão à porta as eleições europeias, estou fortemente empenhado em optar pela abstenção.

E porquê?

Porque me recuso a participar numa farsa, numa caricatura “democrática”.

Em primeiro lugar o Parlamento Europeu, que é a única instituição europeia democrática, não tem qualquer poder para decidir sobre o futuro da Europa, deixando que instituições anti-democráticas, como o Conselho Europeu, a Comissão Europeia, o Eurogrupo, o BCE ou essa figurinha ridícula que é o Presidente da União Europeia (!!!!) continuem a dominar os destinos dos cidadãos europeus, sem nunca se submeterem ao voto popular.

Se acrescentarmos a aversão das instituições europeias ao direito de os povos referendarem os Tratados que decidem do seu futuro e a farsa continuada de repetir os referendos até à exaustão, quando estes não lhes correm de feição, temos a “democracia” resumida à simples formalidade.

Ainda por cima, a maior parte dessas instituições europeias anti-democráticas que dominam a Europa, apenas respondem perante os “mercados”, isto é, os especuladores financeiros, os banqueiros, as agências de rating, os accionistas das grandes empresas.

O parlamento europeu serve apenas para dar uns ares “democrático” para aquelas instituições  continuarem a  impor a “legitimidades” das medidas de austeridade aos seus cidadãos, mantendo fortes desigualdades sociais e económicas no seu seio, mantendo desigualdades fiscais e financeiras gritantes entre países do norte e do sul, retirando direitos sociais, assaltando as poupanças dos cidadãos para salvarem o seu corrupto sistema bancário (como aconteceu em Chipre), mantendo e apoiando no seu seio governos xenófobos e autoritários como o da Hungria.

As decisões sobre o futuro da Europa são todas tomadas nas costas dos cidadãos europeus, nos gabinetes dos grandes bancos e das grandes empresas, às escondidas de todos e a “democracia” destas eleições  é apenas um pró-forma, para distrair jornalistas e incautos.

Exibindo o berloque que é o Parlamento Europeu, passam a vida a exigir democracia aos outros, quando, mesmo figurões corruptos e autoritários como um Putin têm mais legitimidade democrática do que qualquer comissário europeu ou “presidente” da União Europeia. Aquele, ao menos, foi eleito pelo voto popular. A um Durão Barroso nenhum cidadãos europeu, a não ser que seja um burocrata da UE, teve o direito de escolher.

As eleições europeias ainda podiam servir, internamente, para apresentar um cartão vermelho a este governo, mas para isso era preciso que se perfilasse uma alternativa credível. Ora, por um lado a esquerda apresenta-se a estas eleições fortemente fragmentada e, por outro lado, entre um Francisco Assis ou um Paulo Rangel não existe qualquer divergência de fundo sobre o modelo europeu. Aliás, à falta de diferenças assinaláveis, ambos já começaram a campanha com meros ataques pessoais ou políticos, sem revelarem qualquer nova ideia para a Europa.

Neste momento é isto que eu penso das eleições do Parlamento Europeu e por isso vou fazer campanha pela abstenção.

Penso que se se registar uma grande abstenção , ultrapassando os 65%, a própria União Europeia e as suas instituições perdem legitimidade para continuarem a impor mais austeridade a quem trabalha e para “roubarem” legalmente os seus cidadãos e então talvez existam condições para os cidadãos europeus seguirem o exemplo dos cidadãos da Ucrânia e correrem com esta gente que  governa a Europa.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

DE QUE SE RI ESTA GENTE? :«Portugal passa a 9.º país mais pobre da UE»

De que ri esta gente?

Tiraram o futuro aos jovens deste país, convidando-os a emigrar ou ao desemprego e à precaridade.

Perseguem, sem pudor, os velhos reformados, retirando-lhes as poupanças e descontos de uma vida.

Vingam-se das decisões do tribunal Constitucional infernizando a vida dos funcionários públicos.

Convidam quem trabalha a salários miseráveis ou ao desemprego de longa duração, retirando direitos para salvar banqueiros e corruptos.

Arruínam pequenas e médias empresas, destruindo o mercado interno e perseguindo-as com impostos e regulamentos estranguladores.

Destroem as conquistas de Abril na Educação e na Saúde.

Vergam-se às alarvidades da banca e da troika criminosa.

Talvez se riam das suas próprias afirmações ou da resposta  de Passos Coelho  à sua própria pergunta: “O país vive pior ou vive melhor? Vive melhor!” (??????).

Sim há quem viva melhor, basta olhar à nossa volta para os sinais exteriores de riqueza de alguns…

O país que ”vive melhor” é o dos salários e reformas de luxo daqueles, políticos, banqueiros, (alguns)professores universitários, economistas, que aparecem todos os dias a debitar opiniões na imprensa de “referência” ou nas televisões, a defender as medidas de “ajustamento”, a retirada de direitos a quem trabalha, a redução de salários, o empobrecimento do país que “vivia acima das suas possibilidades”, as mesmas em que eles continuam a viver.

O país que “vive melhor” é o país onde aumentam as desigualdades sociais, onde o desemprego continua escandalosamente alto e cada vez mais de longa duração, onde as reformas são cada vez mais miseráveis (menos para os ex- banqueiros,ex-ministros, ex-políticos do centrão  e ex-“boys” da administração pública), onde ganhar salários por um trabalho não é condição para escapar à pobreza.

O país que “vive melhor” é o país que sobe cada vez mais na classificação dos países mais pobres da União Europeia, que conhece um dramático declínio demográfico e onde a cultura e a ciência são mero negócio.

O grave é que toda esta política criminosa de “ajustamento” se faça á sombra de elogios rasgados e alarves de uma Comissão Europeia, de um FMI e de um BCE, de um Oli Rhen, de um Durão Barroso ou de um Cavaco Silva.

…ou talvez se estejam a rir do cinismo dessa outra proposta do primeiro-ministro: um “programa para a natalidade”, quando são as mesmas políticas por si praticadas que agravam a quebra da natalidade…um programa sério par aumentar a natalidade e rejuvenescer o país implicava fazer exactamente o contrário das malfeitorias que têm feito ao país e aos portugueses, nomeadamente aos mais jovens: criar estabilidade profissional, estancar a emigração dos mais jovens e mais qualificados, melhorar as condições e os direitos do trabalho, acabar com a precarização do emprego, aumentar o rendimento salarial…

Afinal, do que se ri essa gente?

«Portugal passa a 9.º país mais pobre da UE» - Diário de Notícias(clicar para ler notícia).

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Morreu Paco de Lucia

Paco de Lucia morreu ao 66 anos.
Considerado um dos melhores guitarristas de sempre, é considerado o responsável para renovação do flamengo.
Uma bibliografia detalhada pode ser lida na página do jornal espanhol Público:

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Retrospectiva de Henri Cartier-Bresson no Centro Pompidou (Paris)




Revistas como o “Le Nouvel Observateur” ou o “L’Objet d’Arte” dedicam-lhe duas excelentes edições, que podem ser encontradas nos quiosques portugueses.

Nascido em 22 de Agosto de 1908, Cartier-Bresson começou por desejar ser pintor, tendo recebido lições de pintura e participado em exposições.

Ainda nas décadas de 30 e 40 havia realizou alguns documentários cinematográficos, um sobre os hospitais republicanos durante a Guerra Civil de Espanha, e outro sobre os prisioneiros da Segunda Guerra.

Mas foi a fotografia que se tornou a sua principal paixão, muito por causa das suas viagens durante a juventude por vários continentes, para acompanhar os negócios da família (o seu pai era dono da fábrica de tecidos CD).

Ao longo dos anos 30 foi consolidando a sua tendência política de esquerda, a aprofundou a sua opção pela foto-reportagem comprometida, mas à qual soube dar um cunho pessoal criativo, muito influenciada pela sua ligação às vanguardas artísticas da época.

Mas foi a sua reportagem sobre a libertação de Paris em 1944, encomendada pelos serviços secretos militares dos Estados Unidos, que o tornaram um fotógrafo famoso.

Em 1947 junta-se a outros foto-repórteres que se formaram durante os anos de guerra e cria a primeira agência fotográfica independente e cooperativa, a Magnum, ao serviço da qual vai realizar várias reportagens na Índia, no Paquistão, na China maoista, na Cuba castrista, no Canadá, tornando-se o primeiro fotógrafo ocidental a entrar na União Soviética depois da Segunda Guerra.

Colabora nas famosas revistas Vu, Life e Paris-Match.

A partir de 1974 dedica-se cada vez mais ao desenho e à pintura.

A sua maneira de fotografar tornou famosa a frase “instante decisivo”, como referência ao momento exacto para captar uma foto interessante.


Falecido em vésperas de completar os 96 anos, em 3 de Agosto de 2004, esta exposição agora disponível no Centro Pompidou recorda a sua obra e pode ser visitada até ao próximo dia 9 de Junho, seguindo depois para Madrid, onde será inaugurada em data ainda não anunciada.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Eduardo Lourenço: "Fomos invadidos por uma espécie de vampiros” (notícia da Agência Lusa):


No dia do "Congresso dos Vampiros" (ou de uma das suas "facções") é reconfortante e estimulante ouvir as palavras de Eduardo Lourenço:

Eduardo Lourenço lamentou que a política já não seja uma “política real”

“O ensaísta Eduardo Lourenço disse hoje” (dia 20 de Fevereiro) “ que houve uma invasão por “uma espécie de vampiros”, que são quem controla o sistema inventado pela modernidade, vivendo-se agora um “apocalipse indireto” em “estado de guerra permanente”.

“Durante a primeira mesa da 15.ª edição do Correntes d’Escritas, na Póvoa de Varzim, sob o título “Pensamentos não são correntes de ninguém”, Eduardo Lourenço disse: “Dá a impressão de que, de repente, fomos invadidos, não por uns castelhanos arcaicos nossos vizinhos e que são nossos irmãos e primos, mas por uma espécie de vampiros como aqueles que o cinema de Hollywood ilustra. Não é por acaso que o tema dos vampiros se tornou um tema da moda, os vampiros são emissários da morte, é como se estivéssemos a viver uma espécie de apocalipse indireto”.

“O autor, que disse não acreditar que o tempo desta “espécie de submissão mansa” vá perdurar, ressalvou não querer contribuir para algo como uma “depressão de segundo grau, por conta dos outros”.

“Não sei se é um comportamento muito português dormir em cima daquilo que nos ameaça profundamente e nos põe problemas que não podemos resolver esperando que, com o tempo, com um pouco de sorte, acabemos por sair desta espécie de atoleiro em que estamos mergulhados”, acrescentou.

“Os vampiros não são tão vampiros como isso, são pessoas reais. São as pessoas que controlam o sistema que a modernidade foi inventando pouco a pouco, com os seus novos meios de produção, que aumentaram efetivamente de maneira fantástica a possibilidade que os homens têm de aceder a um certo número de coisas que são importantes”, disse Eduardo Lourenço, já em resposta a questões do público.

“O autor declarou que a televisão é hoje “o objeto mais importante”, tendo o “espaço público desaparecido”, o que deu origem a um momento em que “tudo se passa na televisão, as intervenções dos comentadores na televisão são mais importantes do que a realidade”.

“Eduardo Lourenço lamentou que a política já não seja uma “política real”.

“Passámos […] para um tempo em que aparentemente as guerras já não têm lugar ou são guerras de uma outra espécie, são quase guerras virtuais como se fossem cinema puro, embora os mortos não sejam cinema nenhum. Passámos para um tempo em que estamos - não parece à primeira vista - num mundo em estado de guerra permanente no interior do sistema, não há nenhuma grande produção que não esteja em guerra com uma outra ao lado”, afirmou o vencedor do prémio Camões de 1996.

“Eduardo Lourenço disse ainda não pensar nada sobre o futuro, uma vez que “se pensasse no futuro era o dono do futuro”.

“Assim, o ensaísta, que constatou saber o que é estar “à beira do abismo” por estar próximo do seu próprio, apelou a que se tenha paciência, antes de entrar “enfim na terra da promissão".
“A 15.ª edição do festival literário Correntes d’Escritas decorre entre hoje” (dia 20) “e sábado (amanhã)”.

"*Este artigo foi escrito ao  abrigo do novo acordo ortográfico aplicado pela agência Lusa".

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Ucrânia : Venha o Diabo e escolha...


A violência generalizada que se vive nas ruas de Kiev não abona nada a favor da oposição ucraniana.

Infiltrada por grupos nacionalistas de extrema-direita, a oposição ucraniana, ao não se demarcar das atitudes violentas desses grupos, que incluiu, nas últimas semanas, violência contra judeus, denunciada pela comunidade judaica local, perde a razão que tinha no início da crise política.

Claro que, do outro lado temos um governo autoritário, corrupto, que não respeita a vontade da grande parte da população em escapar à influência russa e de se aproximar dos níveis de vida ocidentais….mas onde é que já vimos isto?

Se a Rússia, liderada pelo pouco recomendável sr. Putin, joga na crise ucraniana a sua tentativa de recuperar a influência que detinha nos tempos da União Soviética, a atitude da União Europeia resvala a pura hipocrisia.

Antes de se preocupar com o autoritarismo do poder ucraniano, a União Europeia tem muito para se preocupar no seu próprio seio, não sendo muito diferente aquilo que se passa no governo ucraniano de aquilo que se passa em países do leste europeu integrados na EU, como é ocaso da Hungria.

Ao incentivar a revolta da oposição ucraniana contra o governo, que apesar de autoritário e corrupto foi legitimado por eleições livres, os líderes da UE deviam primeiro explicar como é que se podem substituir  à influência económica russa  na Ucrânia, quando não conseguem apoia convenientemente países da própria União em dificuldade, como Portugal, Espanha, Itália, Grécia, Chipre…

Foi em grande parte a esperança de um apoio concreto por parte da União Europeia aos seus protestos que incentivou os ucranianos a aumentar os actos de violência generalizada a que estamos a assistir, apoio esse que irá pouco além da retórica habitual.

E quanto às malfeitorias de um governo, como o ucraniano,  legitimamente eleito, mas tomando decisões contra o seu próprio povo, pela violência policial contra ao protestos legítimos, pelo desrespeito em relação ao bem-estar económico-social dos seus cidadãos, pela violação de promessas e programas eleitorais pelos quais foram eleitos, tomando todas essas decisões nas costas dos cidadãos, a União Europeia não tem muita legitimidade para criticar, pois esse tipo de decisões é o pão nosso de cada dia, como bem o sabem os cidadãos portugueses, irlandeses, espanhóis, franceses, italianos, gregos e chipriotas, entre outros.

O que está em causa, na crise ucraniana, não é uma luta entre o “bem” (os pró-europeus) e o “mal” (os pró-russos), mas é mais uma vez o desenterrar de velhos conflitos e jogos de poder que têm marcado a história do centro da Europa.

A Ucrânia, na sua história recente, esteve quase sempre do lado errado da história. Muitos ucranianos participaram no “Holodomor”, o genocídio stalinista contra os camponeses daquele país na década de 30, através de uma desastrosa política de colectivização forçada que provocou a morte pela fome de milhões de ucranianos, ao mesmo tempo que 4/5 das elites ucranianas eram massacradas por Stalin.

Quando da invasão nazi, em 1941, outros ucranianos, que receberam as forças hitlerianas com “libertadoras”, colaboraram alegremente com os nazis  na repressão sobre a população de origem russa e outras minorias, que custou entre 5 a 8 milhões de mortos, entre os quais  meio milhão de judeus.

A memória desses tempos, o peso da influência russa, a maior minoria que representa quase 20% da sua população e a atitude irresponsável dos dois lados, Rússia e União Europeia,  pode provocar uma tragédia de grandes dimensões no centro da Europa, uma espécie de Jugoslávia em ponto grande.

No actual conflito é caso para dizer…venha o diabo e escolha.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

No Centenário de Charlot : recordar a vida de Charlie Chaplin

A propósito do centenário do “nascimento” da personagem Charlot, que se comemora este mês, aqui recordamos um trabalho da nossa autoria, publicado por ocasião da morte de Charles Chaplin, em 25 de Dezembro de 1977(Ver AQUI o Site oficial de Charlie Chaplin) .
Este foi um dos primeiros artigos da minha autoria publicados na imprensa local, neste caso no jornal “Oeste Democrático”, que tinha sido fundado pelo meu pai em 1975 e desde o seu falecimento em Outubro desse ano era então dirigido por António Augusto Sales (mais tarde por Manuel Candeias).
O trabalho que agora divulgamos foi publicado ao longo de três edições daquele semanário, em 20 de Janeiro, 3 e 17 de Fevereiro de 1978, sob o título de “Charles Chaplin : Vida e Obra”, incluído numa secção de divulgação de cultura popular que eu mantinha nas páginas desse jornal, intitulada “Análise”.
Mantivemos o essencial do texto, corrigido de algumas pequenas imprecisões e gralhas:

CHARLES CHAPLIN – UMA VIDA

OS PRIMEIROS PASSOS

Charles Spencer Chaplin nasceu a 16 de Abril de 1889 em Lamberth, bairro pobre de Londres (“14 dias antes de Hitler”).

Os seus pais eram artistas de «music-hall». Sua mãe, Hannah Hill, pianista e cantora com o nome artístico de Lily Harley, passou grande parte da sua vida internada em casas de saúde (faleceu em 1928), principalmente após a morte do seu marido, barítono de variedades e alcoólico, falecido em 1894.

Neste mesmo ano, apenas com 5 anos, Chaplin substituiu a sua mãe numa peça de teatro
Durante vários meses Charles e Sidney (o seu irmão) viveram num asilo.

Em 1908 é contratado por Fred Karno para trabalhar na companhia de teatro “London Comedians”, onde veio a conhecer o famoso Stan Laurel (o “estica” da dupla “Bucha e Estica”), fazendo ambos parte da equipa de hóquei em pa­tins da Companhia.

Dois anos depois vai a Pa­ris e aos Estados Unidos nu­ma digressão teatral, que se volta a repetir em 1912 e onde teve oportunidade de conhe­cer Mack Sennett que o con­trata para a Sociedade Keystone de Hollywood.

Em 1914 estreia-se no mundo do cinema, protagonizando 35 filmes e tornando-se o cómico mais conhecido e mais bem pago do mundo. O primeiro filme onde aparece, “Making a Living” é realizado em Janeiro e estreia-se no dia 2 de Fevereiro. A personagem de “Charlot” aparece no filme seguinte, “Kid auto races at Venice”, realizado em Fevereiro. Cha­plin explicava assim a criação die Charlot:
“Não tinha a menor ideia da maneira como havia de me apresentar. Mas, quando me dirigia para o vestiário, disse para com os meus botões que ia vestir umas calças largas de mais, pôr uns sapatos enor­mes e completar o conjunto com uma bengala e um cha­péu de côco. Queria que tudo estivesse em contradição: as calças exageradamente largas, o casaco muito apertado, o chapéu pequeno de mais e os sapatos enormes.
“Devia ainda resolver se as­sumiria um ar de jovem ou de velho, mas, lembrando-me de que Sennett me tinha jul­gado mais velho, acrescentei à minha cara um pequeno bi­gode que, segundo me pare­cia, dar-me-ia mais alguns anos, sem ocultar a minha ex­pressão”.

Mas como explicar êxito que desde logo aquele per­sonagem conquistou? Um crí­tico de cinema explicava-o do seguinte modo:
“Na América, o chamado “novo mundo” da competição desapiedada da guerra, de to­dos contra todos nas suas cidades babilónicas e desu­manas, surge de repente um homem, um homenzinho mal ajeitado, remendão e recalcitrante, que corre continuamente no labirinto, cruza-se diante dos nossos olhos, desaparece, volta a aparecer, sobe, desce, cai, levanta-se, apanha pancada, procura trabalho, barafusta, é despedido, tem uma fome crónica de comida para o corpo e de ternura, de carinho e de amor que não encontra por mais que procure (…).
“De quem ( do que) foge Charlot? Dos seus perseguidores implacáveis, os guardiões do sistema que se sentem ameaçados pela força daquele homenzinho fraco que, furtando-se à engrenagem, procura incansavelmente a justiça, a verdade, o bem, no mundo da injustiça, da mentira e do mal. Há sempre um polícia façanhudo, um patrão, um proprietário, um dono de qualquer coisa, que corre atrás de Charlot e de quem ele foge a sete pás. Mas não desanima”.

Ainda nesse ano de 1914, em Abril, Chaplin torna-se argumentista e realizador dos seus pró­prios filmes, no 12.° filme da sua carreira, “Caught in Cabaret” (“Charlot Rapaz de Cafés”).

Entre 1915 e 1918 a sua ac­tividade é cada vez mais in­tensa. Nesse período realiza cerca de 50 filmes, dos quais há a destacar “The Tramp” (“Charlot Vagabundo”), “The Fireman” (“Charlot Bombei­ro”), ambos de 1915, “Easy Street” (“Charlot Polícia” ou “A Rua da Paz”) em Janeiro de 1916 e “The Emigrant” (“Charlot Emigrante”) em Ju­lho de 1917.

Em 1918 surge um dos seus primeiros problemas na vida cinematográfica: a First Na­tional recusa-se a distribuir a primeira versão de “Char­lot nas Trincheiras”, cuja ver­são inicial era de 5 ou 7 bobinas, sendo divulgada ao público apenas com 3 bo­binas.

O negativo original, desco­nhecido até hoje, encontra-se, entre outros segredos, num fortim de cimento, na sua re­sidência da Suíça, onde Cha­plin costumava guardá-los. Sobre este filme escreveu George Sadoul:
“Charlot nas Trincheiras” começa por uma exposição dos seus motivos, por um libelo contra as misérias da guerra. A primeira parte não é cruel­dade mas sim acusação. Cha­plin toca no fundo da miséria humana, na trincheira inunda­da onde o seu personagem procura dormir entre ratos e piolhos, tendo por companhei­ros a solidão, a lama e a água que o submerge.
“Depois, o disfarce poético de um tronco de árvore fá-lo passar para o outro lado do mundo real... O soldado en­contra uma francesa, num ce­nário de ruínas e o amor em­presta calor à cena”.
“Uma comunhão se estabe­leceu desde 1915 entre Char­lot e os soldados. “Charlot nasceu na frente”, escrevia, num justo resumo,, o antigo combatente Blaise Cendrars.
“Os soldados tinham-lhe fala­do de Charlot com tanto en­tusiasmo que ele julgou tra­tar-se de algum dos seus co­legas. Charlot era o irmão desses desgraçados, dentro dos quais subia a revolta con­tra uma guerra para a qual tinham sido arrastados”.

Neste mesmo ano Chaplin monta o seu próprio estúdio cinematográfico. Em Abril está pronto o primeiro fruto deste novo período da sua vida : “A Dog’s Life” (“Vida de Cão”). É ainda em 1918 que Chaplin se casa pela pri­meira vez, com Mildred Harris (nessa altura com 16 anos), vindo a divorciar-se dois anos depois, sendo acusado por ela de “cruel­dade mental” e obrigado a uma indemnização de 100 mil dólares. Chaplin tem de fu­gir com o negativo do filme de “O Garoto de Charlot”, pois os advogados de Mildred ameaçavam confiscá-lo. Deste casamento Chaplin teve um filho ( nascido em 7 de Junho de 1919) que faleceu poucos dias após o seu nascimento.

A partir de 1919 Chaplin torna-se produtor dos seus próprios filmes, fundando a Limited Artists conjuntamente com Mc Adoroy, Mary Pickford, Douglas Fairbanks e David Griffith.

Em 1921 deslocou-se a Lon­dres para apresentar “O Ga­roto de Charlot”, sendo re­cebido triunfalmente e, se­gundo uma testemunha da época, “O delírio da multidão é tal que o chefe da polícia lhe pede para não atirar flo­res da janela do hotel pois receia que alguém fique es­magado na disputa pela pos­se dessa frágil recordação”. Perante tal delírio Chaplin in­terrogar-se-ia: “Mas tanto barulho por um simples ac­tor de cinema. Se ao menos, para lhes agradecer, eu pu­desse realizar qualquer coisa realmente valiosa: resolver o problema do desemprego, por exemplo...”.

“O Garoto de Charlot» foi a sua primeira Jonga metra­gem.

Em Fevereiro de 1923 realizou o seu 70º filme e a sua últi­ma média metragem: “O Pe­regrino”.
É também desta época o falado romance com Pola Negri (1922-23) que mais uma vez lhe virá causar al­guns dissabores.

Em Outubro desse mesmo ano realiza “A woman of Pa­ris” (“Opinião Pública”) fil­me quase desconhecido e no qual desempenha o papel se­cundário de um modesto fun­cionário dos caminhos-de-ferro.

Ainda em 1923 inicia os preparativos para a realiza­ção de “A Quimera de Ouro”.

Em 24 de Novembro de 1924 casa-se com Lilitta McMurray, mais conhecida pelo seu nome artístico de Lita Grey, da qual teria dois filhos: Charles Jr. (28 Junho de 1925 - suicidou-se em Hol­lywood no ano de 1968) e Sidney Jr. (30 Março 1926). Tal como o anterior este ca­samento só durou dois anos, divorciando-se em 27 de Agos­to de 1927.

A 16 de Agosto de 1925 estreia-se em Nova Iorque “A Quimera de Ouro” (The Gold Rush), segundo Chaplin a sua obra-prima. Este filme rende-lhe 5 milhões de dóla­res e em 1942 e 1956 são dis­tribuídas versões sonoras e comentadas por Chaplin.

O ano de 1926 foi mais um período difícil para Chaplin. Lita Grey arma um escândalo à volta do seu caso com Cha­plin e a imprensa conserva­dora aproveita-se do facto para fomentar uma tremenda pro­paganda contra o homenzinho de chapéu de côco e bengala. Mas os intelectuais mais esclarecidos de todo o mundo apoiam e defendem Chaplin do puritanismo fascista em ascensão. É o caso de Louis Aragon que edita um manifesto intitulado “Hand’s off Love” (“Tirem as mãos do amor”), denunciando a hipocrisia sexual pequeno-burguesa (aderem a este manifesto grandes nomes do surrealismo tais como Louis Breton, Paul Eluard, Max Ernest, Prévert e tantos outros).
Mais uma vez a tremenda força de vontade e capacidade criativa de Chaplin serão postas à prova ao desempenhar o seu papel no filme “The Circus” (“O Circo”) estreado em 1928. Para desempenhar o seu papel nesse filme Chaplin tem de aprender a andar na corda esticada como um profissional de circo.

Se até aqui Chaplin tinha encontrado obstáculos de toda a ordem, os verdadeiros problemas, os verdadeiros problemas e a verdadeira luta contra o obscurantismo vão surgir a partir de 1929. Os Estados Unidos entravam em crise, levando os pequenos produtores independentes à falência. Chaplin aguenta-se graças à sua grande resistência e ao grande apoio do público europeu, à beira do desespero e com a besta fascista à espreita. Mas talvez o facto mais importante para a industria cinematográfica da época tenha sido o aparecimento do sonoro, nesse mesmo ano, que se esteia no filme “O Cantor de Jazz”, pondo à prova a capacidade de adaptação dos realizadores e actores do cinema mudo.

CHARLOT CONTRA O FASCISMO

“É um judeu desprezível, mesquinho e ávido” ( Goebbels, ministro da propaganda de Hitler).

“É um comunista, e ainda por cima um imoral” (Comissão de actividades anti-americanas).

“É o inimigo declarado dos grandes empresários e da polícia” (cadeia de jornais Hearst-anos 30).

...Estas algumas opiniões sobre Charles Chaplin dadas por “ilustres” personalidades e organismos, cuja importância e ensinamentos na manipulação da opinião pública não pode ser negada.

Pois foi de tais personalidades e organismos e as suas influências que Chaplin teve de se defender.

E claro que Chaplin, inconformista e individualista de raiz, encontrava-se na lista negra de todos os totalitarismos e conservadorismos que dominaram a primeira metade do século XX, pronto a ser abatido ao mais pequeno deslize.

A primeira tentativa para abater Chaplin surge quando este, em 1931, se recusa a assinar um contrato de 600 mil dólares para fazer um filme falado. O filme “Luzes na Cidade”, cuja realização se iniciara nesse ano, sofreu as consequências dessa atitude, sofrendo um boicote sistemático à sua distribuição, levando Chaplin à beira da falência.

Mais uma vez Charles vem à Europa procurar salvar o filme e, deste modo, a sua independência em relação às exigências dos produtores e distribuidores Americanos, cada vez mais poderosos económica e politicamente. Percorre os principais centro culturais da Europa - Londres, Paris, Berlim, Viena, Veneza, Florença, Roma e Nápoles — partindo em seguida para o Japão, passando pela Índia, onde se encontra várias vezes com Gandhi, e por Singapura. O filme “Luzes na Cidade” é um êxito completo, saindo reforçada a independência pessoal e económica de Chaplin.

No ano seguinte escapa ileso de uma tentativa de homicídio perpetrada por William Randolph Hearst, rei da imprensa americana, e é Thomas Ince, “pai” do “Western”, que acaba por morrer por engano, em consequência desse mal esclarecido acto. Hearst consegue subornar as testemunhas e o caso é abafado pela imprensa (ver «Expresso» de 30 de Dezembro de 1977).

Em 5 de Fevereiro de 1938 estreia-se em Nova Iorque “Tempos Modernos”, um dos filmes mais importantes de Chaplin e no qual é violentamente criticado o capitalismo e focada a desumanização do tipo de trabalho imposta por este sistema económico. O filme obtém pouco êxito nos Estados Unidos devido à feroz campanha feita contra ele, sendo acusado de propaganda comunista, enquanto, por outro lado, a Alemanha e a Itália, já dominados pelo nazi-fascismo, proíbem a sua exibição. Porém, este filme obtém um êxito fabuloso em Londres, Paris e Moscovo.
Nesse ano Chaplin casa-se com Paulette Godard, em Cantão, na China, não tendo filhos deste matrimónio que durou 5 anos. Paulette Godard, pseudónimo de Paulina Levy, tinha interpretado um papel de garota em “Tempos Modernos” e o de Hannah em “O Grande Ditador”.

Esta última película começa a ser preparada em 1938, secretamente, e a sua realização inicia-se no ano seguinte.

Em Hollywood e em Washington, respectivamente o cônsul nazi e o embaixador alemão pressionam os produtores americanos, ameaçando-os de um boicote total aos filmes norte-americanos na Alemanha, se não impedissem Chaplin de fazer esse filme:
“Hollywood, receosa da perder as suas posições na Alemanha, onde tinha investido importantes capitais entes da subida de Hitler ao poder, não tardou em exercer forte pressão sobre Chaplin (com a aprovação tácita das entidades oficieis e o apoio da imprensa de Hearst) para que desistisse da realização da fita.
“Chaplin tentou resistir, mas algum tempo depois foi forçado a interromper as filmagens em virtude dos violentíssimos ataques dos isolacionistas de ambos os partidos, republicano e democrático. A ofensiva isolacionista partia de uma comissão parlamentar chefiada por Martin A. Dies, anteriormente criada para fiscalizar as actividades dos grupos existentes nos Estados Unidos, mas que passou a orientar a sua acção, declarada a guerra na Europa, contra todos os que manifestassem simpatia pela causa aliada".

Só “depois da queda da França, Chaplin retomou a realização de “O Ditador”, que concluiu em 1940” (Alves Costa, in “Memória do Cinema”). “O Grande Ditador” foi, aliás, a primeira película sonora de Chaplin, estreando-se em Nova Iorque em 16 de Outubro de 1940, sendo proibida na Argentina e em vários países da América Latina, mas obtendo grande êxito nos países anglo-saxónicos. É deste filme o célebre “discurso do ditador”.

Chaplin recusa o prémio da crítica concedido a este filme. Acerca desta película, e quando da sua estreia em Paris após á guerra, Chaplin afirmaria: “Os Ditadores actuais são fantoches que os industrias e financeiros manobram.

Após se ter divorciado de Paulette Godard, Chaplin casa-se com Oana O´Neill, a 16 de Junho de 1943, sendo esta, devido a este casamento, desertada pelo seu pai, o dramaturgo Eugenfe O’Neill. Deste casamento nascem Geraldine (1944); Michael (1948); Josephine (1949); Victoria (1951); Eugene (1953); Jane-Cecil (1957) e Christoph-James (1962).

Em 1947 Chaplin abandona a personagem tão característica de Charlot e metamorfoseia-se num homem elegante, frio, calculista, o oposto em todos os sentidos a Charlot: nasce “Monsieur Verdoux”, baseado numa ideia de Orson Welles. Neste filme Chaplin desmascara uma sociedade hipócrita, dita defensora de certos valores  de certa conduta social, tendo como único feito, melhor levar a aceitar uma sociedade repressiva, autoritária, castradora e frustrante, necessária à manutenção da desigualdade e da injustiça. Mais uma vez Chaplin vê-se alvo das mais violentas campanhas contra este novo “Monsieur Verdoux” (“o Barba Azul”), que vinha incomodar a consciência de muito “boa” gente bem instalada na vida. Para além das ameaças recebidas de particulares a quem os seus filmes perturbavam, Chapim teve de enfrentar a “Liga da Decência”, os “trusts” financeiros e a “comissão contra as actividades antiamericanas» numa altura em que o senador Mac Carthy lançava o terror entre os meios intelectuais, com a sua campanha de “Caça às bruxas” e aos “comunistas” (e de comunistas eram apelidados liberais como Chaplin).

No seu discurso final Monsieur Verdoux afirmava: “Um assassinato faz um criminoso, milhões de mortos podem fazer um herói. Se me sujei de sangue, o mundo encorajou-me: Não é ele que fabrica as armas de destruição com que se exterminam os homens, matando mulheres e crianças indefesas? Nós seremos destruídos pelo excesso do Bem ou do Mal. E se me dizem que demasiado Bem não pode fazer mal, eu pergunto como podemos sabê-lo, se do Bem nunca tivemos bastante”.

Com o terror maccarthyista a expandir-se pelo na maior potência do ocidente, Chaplin apercebia-se do cerco que se apertava sobre ele e todos aqueles como ele que não aceitavam um novo tipo de obscurantismo e puritanismo neofascista. Afirmava Chaplin, nos inícios da década de 50: “talvez um dia destes eu venha a ser declarado indesejável neste país: para mim seria apenas a prova de que já vivemos numa democracia”.

Tal não demorou a acontecer.

Quando em Setembro de 1952 partiu no Queen Elizabeth para Inglaterra em gozo de férias recebe a notícia de que o secretário da justiça lhe tinha retirado o seu visto de regresso aos Estados Unidos. Para o rever tinha de se submeter a um inquérito para provar a sua valia moral. A imprensa norte-americana acusa-o de comunista por ele, durante a guerra, ter exprimido simpatia pelas forças soviéticas que combatiam o nazismo. A tal acusação respondeu Chaplin: “durante a guerra senti simpatia pelos russos que estavam a aguentar a frente. Devemos estar-lhes gratos. Eu não sou um político e não sou russo, sou um cidadão do mundo”, acrescentando : “Fui sempre um internacionalista, e apenas isso”.

Quando chegou à Grã-Bretanha foi recebido entusiasticamente e o escritor católico Graham Green dirige uma carta aberta ao famoso cineasta onde se podem ler as seguintes passagens:
“...Com espanto e pesar nosso, Chaplin rendeu a mais alta homenagem possível aos Estados Unidos ao instalar-se dentro das fronteiras norte-americanas. Agora sentimos desgosto, mas não espanto, por ver a paga que lhe é dada, não pelo povo americano em geral, mas por aquelas autoridades que parece receberam ordens de homens como Mac Carthy. Ao ser invadida a Rússia, o senhor falou em sua defesa numa reunião pública, em San Francisco, a pedido do Presidente dos Estados Unidos. A ocasião não era para meias palavras nem para frases de duplo sentido, e as suas palavras foram tão claras como as de Churchill ou Roosevelt. Mas o senhor teve o atrevimento — dizem agora — de se dirigir ao público empregando a palavra “camarada”. Eis a maior acusação que lhe fazem. E eu pergunto: o que estaria fazendo Mac Carthy naqueles dias?
“Recordando as épocas de Titus Oates e do terror na Inglaterra, queria pensar que os católicos norte-americanos, corpo poderoso, lhe concederão s sua simpatia e o seu apoio. Sem dúvida, um semanário católico dos Estados Unidos não ficará calado. Refiro-me ao “Commonwealth”. Mas...e o cardeal Spellman? E todo o resto? Agora me recordo que Mac Carthy também é católico...”
“...A desgraça de um aliado é a nossa desgraça, e ao atacá-lo a si os “caçadores de bruxas” mostraram que não se trata de um assunto meramente nacional. A intolerância, em qualquer parte, fere a liberdade em todos.”

No dia em que completava 64 ano (16 de Abril de 1953), Chaplin apresentou-se perante o cônsul dos Estados Unidos em Lausanne e diz-lhe: Chamo-me Charles Chaplin. Vivi quase 40 anos nos Estados Unidos, donde saí em Setembro passado. Deram-me um visto de regresso, mas não penso utilizá-lo. Aqui o tem. Entrego-lhe pedindo que o envie ao seu Governo. Passe V. Ex.‘ muito bem, Senhor Cônsul”.

E assim se encerrava o capítulo mais agitado da vida de Charles Chaplin. Agora a idade iria a começar a pesar na sua vida, na sua obra e mesmo no seu inconformismo.

CHAPLIN CEDE À MORTE

Tudo o que é espontâneo, criativo, inconformista, é vida. A vida é isso mesmo. A capacidade de transformar, de ser consciente, de ser diferente e, ao mesmo tempo, solidário para com os outros seres humanos e  a natureza. Tudo o resto não passa de sobrevida ou sobrevivência, de morte ao relanti.

Enquanto inconformista, enquanto criador, Chaplin viveu, por isso foi tão importante para a humanidade, por isso nunca será esquecido: “O que reste após a morte é a consequência dos nossos actos”.

Mas os anos o a glória pesam, a defesa da “prestígio” (mas o que é isso?) e o poder mágico do dinheiro também. E o primeiro a ser atingido é o inconformismo. Com a perda desse inconformismo mais facilmente se é devorado por esto tipo de sociedade que não admite desvios ao seu quotidiano (reprodutor da determinado sistema económico) tais como a criatividade, a espontaneidade ou a imaginação.

Como um último grito de revolta contra essa tal sociedade a sufoca-lo e a engoli-lo, contra esse quotidiano diariamente assumido e onde reina o consumo de objectos, de homens e da natureza, Chaplin realiza em 1957, em Londres, “Um Rei Em Nova Iorque”, o seu primeiro filme rodado fora dos Estados Unidos “ no qual ele encarna o rei Shaklov. Este filme seria cortado pela Censura norte-americana e estreado em Londres, em Setembro, num pequeno cinema de segunda categoria devido a pressões norte-americanas.

Chaplin fecha-se depois para o mundo, em Corsier-Sur-Vevey, na Suíça, escrevendo dois livros: “Autobiografia”, editado em 1964, e “A Minha Vida em Imagems”, em 1974.

Entre estes dois livros, dá-se a confirmação da “derrota” de Chaplin, perante a aproximação da morte, é-nos dada com o péssimo filme “A Condessa de Hong-Kong”, estreado em Janeiro de 1967.

Este filme é o pretexto para os senhores de Hollywood, muita “arrependidos” pela perseguição que lhe tinham movido durante décadas, resolverem homenageá-lo, procurando assim transformá-lo numa inofensiva peça de um museu do cinema.

Em Janeiro de 1972 Chaplin declara aos Jornalistas: “Hoje nade há a perdoar (…). Hoje, sinto-me demasiado velho para algo que me force a regressar à America”.

Mas Hollywood acena-lhe com um “óscar” especial da academia.

Chaplin, de 83 anos, cansado e conformado não resistiu e compareceu em Hollywood em 4 de Abril de 1972 para receber a estatueta, uma espécie de “óscar póstumo” à sua criatividade.

“Tenho um grande afecto pelos Estados Unidos. Afinal, foi um pais onde passei 45 anos da minha existência e do qual possuo recordações muito agradáveis. Quanto às coisas desagradáveis já nem as recordo. Aliás, deixaram de ter para mim qualquer significado válido”, afirmou Chaplin nessa ocasião, acrescentando: “só posso dizer obrigado pela honra que me deram ao convidar-me”.

Como se teria divertido Charlot à custa das afirmações desse “velhinho” que dava pelo nome de Charles Chaplin. Mas nem o próprio Chaplin conseguiria destruir Charlot e toda a mensagem humana da sua obra de juventude.

E foi Já sem qualquer surpresa que vimos Chaplin, ao festejar o seu 85º aniversário ao ar livre, na sua casa de campo, com champagne, convidar o presidente do município e o chefe da polícia da vila de Corsier-Sur-Vevey. Quantos pastéis de nata não teria lançado Charlot à cara de tão ilustres convidados.

E foi num dia de Natal, 25 de Dezembro de 1977, que a morte o veio buscar, aos 88 anos.
Quando do seu enterro e segundo notícias dos jornais: “um dos raros visitantes admitidos na vivenda foi um petiz de Çorsier, trazendo uma grande rosa que entregou, a soluçar, ao guarda encarregado de atender os forasteiros”.

Não resistimos, para terminar, em transcrever uma passagem do livro de Alves Costa “Memória do Cinema” (uma das obra que nos serviu de referência para este artigo):

“Mais ou menos Charlots todos nós somos. Mas Charlot não é só a nossa caricatura, é também e nossa vingança (sobretudo desde Charlot no Music-Hall até ao “Peregrino”). Ele, ao menos, no meio dos seus infortúnios, pode deitar um gelado no decote da grande dama da “alta”; ele, ao menos pode retribuir os pontapés no rabo que todos nos recebemos dos valentões, dos prepotentes e dos polícias. Não é muito mais corajoso do que qualquer de nós. Mas o seu engenho, a sua malícia, a sua argúcia, a sua irreverência dão-lhe uma ousadia que gostaríamos de ter. Na sua solidão, na sua inadaptação ao meio, apesar dos maus tractos que a vida lhe dá, tem artes a tem força pana deitar de cangalhas, pelo ridículo, convenções, preconceitos, vaidades, hierarquias e todas as formas de felsa moral, de falsa caridade, de falsa superioridade, de falso poder”

Morreu Charles Chaplin, viva Chartot.

Venerando António