Pessoa amiga, que conhecia alguém que frequentava uma “igreja” evangélica local, contou-me que esse alguém lhe contou que, no final da “missa”, o “padre” circulava pela “igreja”, com um cesto na mão, a apregoar: “quem tem põe [dinheiro], quem não tem tira”.
Até que, certo dia, alguém resolveu tirar dinheiro do cesto, sendo
imediatamente interpelado pelo “padre”, que, fixamente frente a essa pessoa ía
repetindo “quem tem põe, quem não tem tira!”, ao que essa pessoa replicou : “mas
eu não tenho (dinheiro), por isso estou a tirar!”.
Recebeu de imediato resposta do “padre”: “mas agora tem e por isso tem
de pôr o que tirou”.
É assim que eu, como pensionista, me tenho sentido em relação ao actual
debate sobre a actualização das pensões.
Tendo antecipado a minha reforma há 8 anos, depois de vários anos com
cortes frequentes no ordenado, por imposição da “troika” e do “brutal” aumento
de impostos do passos-coelhismo, recebi uma reforma que foi metade daquele que
me garantiram quando comecei a trabalhar, com a agravante de ter sido empurrado
para essa decisão, para não perder ainda mais e de, mesmo reformado, pagar de IRS
e ADSE muito mais do que estava previsto, de acordo com a lei que ainda estava em vigor nos
últimos anos da minha carreira.
Até, certo ponto, tudo bem, foi uma decisão minha, fiz contas ao que
podia cortar, mas acreditava que a lei iria ser cumprida e não ía, mesmo com o
rendimento mais baixo do que aquele que previa a poucos anos do final da
carreira, perder o poder de compra que essa pensão me garantia.
Infelizmente vivemos no país onde a lei só é cumprida para “tramar” os
cidadão e beneficiar o Estado e os poderosos, pois, quando essa lei beneficia o
cidadão comum ( o que trabalha ou vive da pensão), logo se arranjam mil e um
argumentos, ou para a não cumprir ou para mudar a lei, geralmente com efeitos
retroactivos, se for para tramar o cidadão.
Ora é isso que se passa com a situação da actualização das pensões.
Os cortes que sofremos nos cálculos das pensões, de acordo com a lei de
2005, são para toda a vida, mas a lei que calcula a actualização das
pensões já não conta para toda a vida.
Desde que me reformei, há 8 anos, a minha reforma nunca foi
actualizada, como previa a lei, com o recurso às mais variadas desculpas “económicas”.
A primeira vez em que havia possibilidade de cumprir a lei, como acontece agora, esta só é cumprida
pela metade, falando-se até na sua alteração para “beneficiar o infractor”.
Note-se que a desculpa para não cumprir a lei, que é a de seguir as
recomendações da União Europeia para não aumentar salários nem pensões de
acordo com a inflação, não é seguida no que respeita às carreiras dos funcionários
da União Europeia, como se lia ontem no artigo “A reforma encapotada da
segurança social” do economista Ricardo Cabral, no jornal Público:
“Sabe-se que a Comissão Europeia recomenda aos governos dos Estados-
membros que não indexem os salários dos funcionários públicos [ e as pensões] à
taxa de inflação, para evitar uma “espiral inflacionista”. No entanto, de
acordo com a revista Politico, os funcionários da Comissão Europeia (baseados
na Bélgica e no Luxemburgo) vêem os “salários ajustados anualmente para
compensar aumentos do custo de vida. Mas este aumento pode ocorrer duas vezes
por ano e ser aplicado retroactivamente, se a taxa de inflação sobe acima dos
3% no período de referência, que foi o que ocorreu (…). A indexação é corrigida
das alterações ao poder de compra de funcionários públicos em dez
Estados-membros da União Europeia”, que perderam 1,1% do poder de compra nesse
período (esses dez países não incluem Portugal). Assim, em Junho de 2022, os
salários dos funcionários da Comissão Europeia foram aumentados em 2,4%,
retroactivamente a janeiro de 2022. E serão aumentados de novo em dezembro de
2022”.
Assim é fácil à União Europeia pedir “sacrifícios” aos seus cidadãos e
apoiar o discurso ilegal dos governos em relação à reposição do poder de compra
dos trabalhadores e pensionistas.
Não sei porquê, mas tudo isto me faz lembrar a anedota com que comecei esta crónica.
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