Fui hoje apresentado a um velho militante comunista, natural de uma
aldeia do concelho de Torres Vedras, mas que saiu deste concelho poucos anos
depois do 25 de Abril, tendo vivido num concelho do Alentejo, no qual chegou a
desempenhar o cargo de vereador.
Não vou aqui identifica-lo, nem a ele nem à aldeia onde se passou a saborosa história que ele me contou, e que
vou tentar reproduzir aqui.
Ele e os irmãos já eram comunistas antes do 25 de Abril e, na sua noção
muito peculiar de comunismo, procuraram contribuir para melhorar as condições
de vida dos habitantes de uma aldeia que vivia isolada, no topo de uma serra,
das muitas que enxameiam este concelho, sem estrada, sem àgua e sem luz.
Para isso estiveram na origem da criação de uma Comissão de
Melhoramentos ( já que no regime anterior não se podiam designar pelo “revolucionário”
nome de Comissão de Moradores) e tentaram tomar várias medidas para atenuar a
dureza do isolamento dos aldeões, homens do campo que trabalhavam nas terras
das quintas próximas.
Começaram por construir a sede da Comissão, equipada com uma televisão,
que funcionava com gerador, para que os seus habitantes, que não tinham luz em
casa, pudessem ter alguns momentos de lazer no intervalo da sua dura labuta
diária.
Depois tentaram melhorar os caminhos de acesso, quer à então vila, quer
à aldeia sede de freguesia vizinha, para facilitar a deslocação para o trabalho
e para a escola, levar a àgua à aldeia, nas difíceis condições de uma aldeia situada
num sitio bastante alto, trabalho que encontrou uma situação mais favorável após
o 25 de Abril, altura em que se tornou também possível fazer chegar a
iluminação à aldeia.
Conhecendo o carácter dinâmico dos irmãos comunistas, e apesar de não
professar das suas ideias, uma prima deles, devota da Nossa Senhora padroeira
da aldeia, pediu-lhes que usassem os seus conhecimentos e a sua capacidade de
trabalho para salvarem a capela que corria sérios riscos de derrocada.
Estes prontificaram-se a ajudar, em parte porque ajudar os vizinhos
estava na sua noção se “comunismo”, em parte para desmentir a ideia que muitos faziam
do seu comunismo, e, em parte, porque tinha circulado a notícia, talvez falsa,
segundo a qual uns comunistas do norte do país tinham deitado a baixo uma outra
capela.
Contudo, eles propuseram que não fossem eles a surgir publicamente como
autores da iniciativa, porque, por um lado muitos desconfiavam dos irmãos “comunistas”,
e, por outro, para salvar a capela e construir um muro de protecção, era preciso derrubar umas
árvores e construir um muro na propriedade de um rico proprietário local, pouco
dado a colaborar com comunistas.
E foi assim que propuseram à prima que, juntamente com a esposa do
irmão que nos contou a história e outras duas devotas da aldeia, formassem uma
comissão de mulheres da Igreja que angariassem fundos para obra e se
deslocassem ao tal proprietário a pedir
para que ele deixasse cortara as árvores, cujas raízes estavam a destruir as
paredes da capela, e permitisse a construção do muro que evitasse a queda
eminente do edifício.
O tal proprietário foi convidado a visitar a capela. Este, ao entrar, e
depois de se ajoelhar perante a imagem da Santa, anuiu em fazer tudo o que
pudesse para “salvar a Nossa Senhora”.
Após conseguirem o apoio do dono das terras junto à capela, os quatro
irmãos comunistas angariaram materiais e voluntários, arrancaram as árvores que
estavam a arruinar a capela e construíram um grande muro para proteger um dos
raros monumentos da aldeia, símbolo da sua identidade.
Foi com apreensão que esperaram pelo inverno pois, se algo corresse mal
e a capela, apesar da obras que eles conduziram, sofresse alguma ruina, diriam
sempre que foram os “comunistas” que não fizeram nada para a salvar ou, pior
ainda, tinham sabotado a obra.
Para alegria de todos, a capela, não só sobreviveu a esse inverno, como
hoje, 40 anos depois, e para orgulho do meu interlocutor, continua de pé sem a
mais leve beliscadura.
O “irmão comunista” que hoje, à mesa de um café, me contou esta
história, conta reunir esta e outras histórias da sua aldeia, mas não resisti a
antecipar-me e contar este pequeno episódio.
(Parte da História que contámos pode ser vista AQUI)
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