Se há tema que se presta à mais boçal e reles demagogia é o dos
salários e pensões.
A estratégia de troika e do governo anterior foi ampliar essa demagogia, lançando assalariados do privado contra assalariados do público, trabalhadores precários contra trabalhadores com contrato estável, trabalhadores desqualificados contra trabalhadores qualificados, trabalhadores jovens contra trabalhadores mais velhos, trabalhadores no geral contra pensionistas, desempregados contra quem trabalha (e vice-versa), sempre jogando com a argumentação das diferenças de salários, de horários ou de regime de pensões.
O objectivo era justificar os
constantes cortes nos salários, nos direitos socias e nas pensões e o aumento
“brutal” dos impostos pagos pelos assalariados, tudo para se poder salvar um
sector bancário corrupto e especulativo.
À frente dessa “cruzada” demagógica, para além dos burocratas da troika
e de Bruxelas e dos governantes de então, encontrava-se todo um enxame de
“gobelzinhos” bem pagos na comunicação social para propagandear até à exaustão os
“princípios” dessa gente (com os comentadores de economia à cabeça). Alguns
foram premiados com a direcção de jornais de referência (como aconteceu
recentemente no Diário de Notícia e agora no Público).
Era igualmente frequente vermos todos os dias nas televisões , como
comentadores ou como participantes activos em colóquios vários, a maior parte
dos nossos banqueiros e gestores da banca e de grandes empresas, defendendo
diariamente esses cortes nos salários, nas pensões e nos direitos sociais
(destacando-se o célebre “bando” do “compromisso Portugal”, hoje substituído
pelo “Fórum para a Competitividade”).
O argumento usado era o de que os portugueses, principalmente os
assalariados e os pensionistas, viviam “acima das suas possibilidades” e até
houve um banqueiro que teve o desplante de considerar que os portugueses
aguentavam ainda mais cortes (a célebre frase de Ulrich do “Aguenta,
aguenta!!!”).
Por estes dias ficámos a saber quem é que de facto, em Portugal, vive
acima das possibilidades do país, os mesmos banqueiros que exigiriam que
aguentássemos, e que beneficiaram com os empréstimo da troika que todos estamos
a pagar e com os sacrifícios de todos com cortes nos salários e nas pensões e
com o “brutal” aumento de impostos.
Mas, se a questão dos salários e das pensões se presta à mais boçal
demagogia e ao mais perigoso populismo, a questão do salários e pensões dos
banqueiros foge ao âmbito desse rótulo. Neste caso estamos mesmo no reino da
mais legitima indignação.
Os salários que essa gente aufere roça o nível da corrupção ética.
Contudo, pessoalmente, nada tenho contra os salários pagos pelo privado
aos seus gestores, desde que essas empresas cumpram os requisitos que o
jornalista José Vitor Malheiro enumerava em crónica recente (ler AQUI):
“As empresas cumprem o seu papel social e assumem a sua
responsabilidade social quando cumprem as leis, quando pagam os seus impostos
sem usar subterfúgios, quando criam emprego e promovem a formação profissional,
quando tratam e remuneram com decência os seus trabalhadores, quando apostam no
desenvolvimento sustentável, quando tentam oferecer aos seus clientes os
melhores produtos e serviços, quando assumem responsabilidade pelos seus erros
e os corrigem, quando apostam na investigação e desenvolvimento”.
Ora quando falamos de bancos não é disso que falamos.
Para além disso, a maior parte da banca tem recebido do Estado várias
ajudas nos últimos tempos e a maior parte delas à custa do bem-estar dos
cidadãos contribuintes, pois são estes que têm de pagar o “processo de
ajustamento” desses bancos. Ou seja, a maior parte da banca portuguesa recorreu
a ajudas estatais para sobreviver e para pagar as aventuras especulativas em que
se envolveu, e a conta é paga pelos cidadãos através dos cortes nos salários e
nas pensões e pelo “brutal” aumento de impostos sobre o trabalho, bem como
através da destruição do “estado social” e da perda de “direitos socias”.
Para além disso, esses bancários são os mesmos que opinam, para
criticar, os aumentos dos salários mínimos e das pensões mais baixas, para além
de defenderam a continuidade de medidas de austeridade.
Há ainda que não esquecer os estratagemas que essa mesma banca e esses
mesmos gestores usam para escapar ao pagamento de impostos, recorrendo ao
serviço de paraísos fiscais.
Por isso, o salário dos gestores desses bancos não é um mero assunto de
“moral”, ou mesmo de populismo e demagogia, mas é um assunto que diz respeito a
todos os cidadãos, principalmente os que pagam os seus impostos e sofreram
cortes no seu rendimento.
A situação é ainda mais escandalosa quando se fala da situação de
gestores de empresas públicas, e não colhe a desculpa da necessidade de ´para
que os bens públicos sejam bem geridos, ser necessário pagar bem, pois o mesmo
argumento podemos usar para pagar aos professores, aos médicos e a outros
profissionais da administração pública.
Tenho por mim que o Estado, neste caso, deve dar o exemplo, limitando
os salários em qualquer função àquilo que se passa nas carreiras públicas.
A referência primeira devia ser o salário do Presidente da República e
a referência segunda, o que se passa com a carreira dos professores
universitário. Um Professor catedrático no topo da carreira e em regime de
exclusividade recebe um salário de 5mil e quatrocentos euros, descontando à
cabeça mais de 1/3 deste valor para impostos vários.
Não há função mais exigente do que a de catedrático do ensino superior,
por isso parece-me uma referência justa.
Mas o mais estranho disto tudo é o silêncio demasiado ruidoso de
comentadores e políticos, que se revelaram tão preocupados com o aumento do
salário mínimo e das pensões mas que, sobre este tema, nada dizem, a não ser
para justificar a “excepção”.
A mesma admiração é extensível a instituições como a Troika, o FMI, o BCE
ou a Comissão europeia, que tão preocupados se mostraram com o “grande aumento”
do salário mínimo e das pensões ou com a reversão de algumas medidas de
austeridade.
Haja decência!!!
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