Conhecendo-se a personalidade de António Guterres, a sua vitória
“cristalina” na corrida para secretário geral da ONU não é a derrota de
ninguém. Mas existem…derrotados.
António Guterres é um humanista, um homem sem rancores, uma referência
ética, um homem dialogante e tolerante e um grande conhecedor do melhor e do
pior da humanidade, um homem que conhece bem o funcionamento das instituições
da ONU.
Não se acredite, contudo, que vai ter vida fácil, num dos momentos
mais críticos da história da humanidade dos últimos anos, onde se cruzam
conflitos de grande gravidade e desumanidade, crescentes e agravados problemas
ambientais, um agravamento das desigualdades e da miséria social, um crescimento
do terrorismo e um agravamento das condições de vida da maior parte da
população.
António Guterres não é manipulável e está legitimado por um processo
eleitoral que, pela primeira vez na história da ONU e da eleição para o cargo,
foi um processo transparente.
Leio, contudo, com estranheza que há quem compare a eleição de Guterres
para o cargo de secretário geral da ONU, com a eleição de Durão Barroso para
presidente da Comissão Europeia. Essa comparação é, no mínimo, ofensiva para
Guterres.
Guterres foi “apenas” o melhor primeiro-ministro de Portugal após a
adesão à democracia.
Durão Barroso iniciou o descalabro do país, agravado por Sócrates e
diligentemente executado por Passos Coelho.
Guterres destacou-se, na política internacional, enquanto primeiro-ministro,
como o homem que resolveu, contra ventos e marés e contra a própria vontade de
quem dominava a ONU na altura, o grave conflito de Timor-Leste.
Durão Barroso ficou conhecido na política internacional como o cicerone
de Bush e Blair na cimeira que conduziu o Médio-Oriente ao desastre actual e
que tem como consequência, no nosso tempo, o grave problema humanitário dos
refugiados e a criminosa guerra da Síria.
Guterres é o homem que encarou a política como uma forma de transformar
o mundo para melhor.
Durão Barroso é o exemplo pior do carreirismo e oportunismo na vida
política.
Guterres foi eleito para secretário geral da ONU num processo límpido e
transparente, e que teve de enfrentar os velhos métodos de golpadas de
bastidores, que a Comissão Europeia e a Alemanha tentaram impor.
Barroso foi escolhido para dirigir a Comissão Europeia num processo
opaco, como “prémio” pelo seu papel na tenebrosa cimeira do Açores e como uma
peça ao serviço da estratégia da Alemanha e do poder financeiro europeu para dominar
a União Europeia e destruir direitos socias, num processo que agora, felizmente
sem êxito, a mesma Alemanha e a mesma Comissão Europeia pretenderam impor na
ONU com a fantochada da candidatura de Kristalina Georgieva.
Se para Guterres não existem derrotados com a sua eleição, existem de
facto processos e políticos que, perante a opinião pública e a humanidade,
saíram derrotados.
Durão Barroso está do lado dos derrotados, embora tenha a sua vida
futura garantida com o confortável “tacho” da Goldman Sach.
Merkel também está do lado dos derrotados, pela atitude que tomou neste
processo, embora vá continuar a dominar a União Europeia e a virar o norte conta
o sul e o leste contra o oeste. Mas a sua derrota arrasta a própria Alemanha que pretendia, com essa
golpada, ganhar influência a apoios para se tornar membro permanente do
Conselho de Segurança.
Juncker é outro dos derrotados, pela forma como alinhou na golpada
“Kristalina” , embora esteja já a prepara a vingança, avançando como os cortes
estruturais contra Portugal. Com a sua derrota arrastou, não só a Comissão
Europeia e o politburo de Bruxelas, mas a própria imagem internacional da União
Europeia.
Obviamente, entre os derrotados está a própria Kristalina Georgieva, ao
alinhar na golpada, viu a sua carreira política abalada, sendo derrotada em toda a
linha, e sendo mesmo ultrapassada, na votação final, por outra candidata a quem
“passou a perna”, a sua compatriota Irina Bokova, que conseguiu uma votação
honrosa.
Derrotado ainda foi o “Grupo de Visegrado” que procurou impor uma idéia
absurda, recuperada da Guerra Fria, como
critério de escolha para um futuro secretário geral da ONU, a de “Europa de
Leste”. A tal “Europa de Leste”, não passa de um mito, um grupo de países
historicamente falhados, que funcionaram e têm funcionado, ora como “espaço vital” da
Alemanha, ora como “satélites” do derrotado poder soviético e que hoje
representam o que de pior existe no seio da Europa, governos corruptos, antissociais,
xenófobos e, cada vez mais, antidemocráticos e antiliberais.
No geral, saiu derrotado um processo de escolha para liderar
instituições internacionais, baseado no desrespeito da vontade das populações e
nas grandes negociatas nas costas dos cidadãos, como tem sido apanágio na União
Europeia nos últimos tempos.
Guterres tem muito trabalho pela frente, começando por alterar
profundamente o funcionamento da própria ONU, a começar pelo próprio Conselho
de Segurança.
A lista de membros permanentes e o seu poder precisa de ser rapidamente
revisto.
É necessário que a África e a América Latina passem a ter
representação. Será igualmente importante que tenham assento permanente países
asiáticos que façam o contra ponto com a influência da China e seria até
importante que desse grupo fizesse parte um país com população de maioria
muçulmana.
Depois é necessário reforçar a influência e a legitimidade de outras
instituições que emanam da ONU (Unesco, OMS, UNICEF, OIT…) e aumentar o
controle sobre o poder do FMI.
Há ainda que combater a muita corrupção que circula pelos corredores
daquelas instituições.
À escala global, é urgente resolver a crise dos refugiados e a Guerra
na Síria, e, noutro âmbito, a gravidade da situação ambiental, o combate à
pobreza infantil e a desregulação económica e social em que o mundo foi lançado
durante as últimas duas décadas em que a influência da ONU foi fortemente
reduzida.
António Guterres é a última oportunidade para melhorar o funcionamento
da ONU e, assim, melhorar a dramática situação mundial.
Guterres é o homem certo no lugar certo e no momento certo.
Desejamos-lhe Boa Sorte, porque a sua "sorte" também será a nossa...
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