O milhão do contra
Por Miguel Esteves Cardoso
“Com que então o Chega obteve um
milhão de votos?
Ficámos assim a saber que há um
milhão de portugueses que são do contra.
É deprimente? É. Um milhão é
muita gente. Mas é um erro tentar apanhar esses votos. São votos do contra. São
votos anti-sistema. Só passarão para o PSD ou para o PS no dia em que o PSD ou
o PS se transformem em partidos do contra. Que será nunca.
Para o milhão de portugueses que
votou no Chega — e para o próprio Chega – os votos obtidos pelo Chega foram uma
desilusão e uma derrota.
Queriam ganhar as eleições. Ou
ser o segundo maior partido. Não queriam ter menos de 25 por cento. Queriam ir
para o governo. Não queriam ficar de fora.
Não tiveram nem 25 nem 20 por
cento: só tiveram 18. Desses 18, muitos são abstencionistas que, insatisfeitos
com o mau resultado, voltarão para a abstenção e tão depressa não cairão
noutra.
A verdade é que o Chega nunca
mais terá uma oportunidade como esta. Ver-se-á aflito para segurar o milhão do
contra.
São estas as contas que os
partidos com inveja dos votos do Chega têm de fazer. É escusado ir atrás dos
eleitores do contra. Eles não estão apenas zangados: são mesmo do contra. E
agora estão mais zangados ainda: votaram para ganhar. E perderam.
Contra os 20 por cento do Chega,
há os 80 por cento que votaram nos partidos que são contra o Chega. Todos os
votos em partidos que não são o Chega são votos contra o Chega. E todos os
votos do Chega são votos contra os outros partidos.
Contra esses 20 por cento, há os
60 por cento da AD e do PS: o bipartidarismo vale três vezes mais. A moderação
vale três vezes mais. O centro vale três vezes mais.
Imagine-se se a AD e o PS se
recusavam a formar governo e calhasse ao Chega tentar formar governo. Que
poderia fazer um partido só com um milhão de votos, isolado e odiado pelos
outros partidos e pelos outros eleitores?
Quem é que poderia querer
aliar-se a um tal governo? Ninguém.
Os partidos do contra só sabem
ser do contra. Não servem para mais nada”.
(in Público de 12 de Março de 2024)
Sem comentários:
Enviar um comentário