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quarta-feira, 25 de abril de 2018

Se o 25 de Abril se cumpriu…vamos cumprir o…26 de Abril! (3 "ensaios")


I
Neste texto não vamos ter a preocupação do rigor factual, procuramos antes reflectir sobre aquilo que, para nós, significa essa data e o que dela ainda permanece.

Se existe consenso generalizado sobre o 25 de Abril é o de que esse dia foi o dia do início da Liberdade que conduziu à construção da Democracia, o tal “dia inicial inteiro e limpo” de Sophia de Mello Breyner .

A partir daí começaram a separar-se as águas, pois o conceito de Liberdade e Democracia variava muito conforme as ideologias, a cultura e a experiência de cada um.

Para mim a liberdade só existe se, como canta Sérgio Godinho, houver “a paz, o pão, habitação, saúde, educação”  para todos, partindo de uma base mínima de condições de igualdade e dignidade.

Aliás, esses mesmos direitos estão consignados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, um documento fundamental para discutir os conceitos de Liberdade e Democracia.

Mas também não podemos esquecer que as próprias revoluções liberais dos séculos XVIII e XIX consignavam, em paralelo com a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade.

A liberdade de falar é a base, mas não é o limite nem o fim.

Também temos de ter presente aquela velha máxima segundo a qual a nossa liberdade termina onde começa a liberdade dos outros.

Hoje muita gente considera que a Liberdade está em risco. Parece-me uma preocupação legítima, face à forma como procuram impor aos portugueses, como inevitável, um caminho único de crescente empobrecimento, ou como a comunicação social é hoje controlada pelo poder financeiro.

A liberdade de imprensa é a base da liberdade de opinião nas sociedades modernas, mas hoje, quando só se consegue chegar e informar o público em geral através de meios de comunicação social que exigem gigantescos meios financeiros para subsistirem, meios esses que só são possíveis com o aval do poder financeiro e de grandes empresas, essa liberdade parece correr graves riscos.

É essa situação gravosa que está na base da construção do actual pensamento único neoliberal que procura condicionar qualquer alternativa às actuais opções económico-sociais que estão a conduzir ao alargamento das desigualdades, à perda de direitos sociais, ao empobrecimento generalizado, que se anuncia como programa de décadas e gerações.

Hoje, quem quiser fazer ouvir a sua opinião, com alguma influência, ou afina pelo diapasão que domina essa ideologia e a comunicação social assim controlada pelo poder financeiro, ou não consegue chegar a quase ninguém , por muita razão que tenha.

Nesse aspecto, e apesar da censura do Estado Novo, antes do 25 de Abril, embora com grandes riscos financeiros e pessoais, era possível lançar um órgão de comunicação social independente, como aconteceu com jornais como o “República”, o “Diário de Lisboa”, “A Capital”, a “Vida Mundial” ou o ”Expresso”.

Hoje não existe um órgão de comunicação social, com influência, que possa destoar totalmente da ideologia neoliberal que nos estão a impor, porque não obteria meios financeiros para sobreviver (mesmo o citado “Expresso”, fundado naquele tempo, já perdeu o seu carácter independente e é hoje mais um porta-voz bem-comportado desses interesses).

Claro que há liberdade de falar e escrever, mas a maior parte da comunicação social, cada vez menos jornalística e mais opinativa, enche as suas páginas ou os seus écrans com ideólogos dessa ideologia, mesmo com pequenas nuances de pensamento, para dar uns ares de “pluralismo” (aquilo que eu já chamei de "pluralismo do pensamento único"), ou convidando alguém que pensa de forma diferente, mas que está sempre em minoria e fica sujeito ao massacre ideológico dessa maioria de comentadores.

A Liberdade formal não está em risco, mas a liberdade de se desenvolver um pensamento desalinhado, inovador e criativo, com consequência na opinião pública, esse, de facto, está em perigo.

E, com o risco que corre a verdadeira liberdade, é a própria Democracia que corre riscos.

Claro que, também neste caso, a Democracia formal parece segura.

Mas também aqui existem divergências sobre o sentido da Democracia.

Se se entender a democracia como o mero acto de despejar o voto numa urna, então podemos dizer que a Democracia está consolidada.

Claro que a existência de Partidos e de Eleições livres é a base sem a qual não existe Democracia.

Mas esta não acaba aqui, nem termina com a divulgação dos resultados eleitorais.

Aliás, vendo a coisa por esse prisma, Yanukovich na Ucrânia, Putin na Rússia,  Maduro na Venezuela, Erdogan na Turquia, ou Órban na Hungria são “verdadeiros democratas”, para citar apenas os casos mais emblemáticos.

Pelo contrário, não deixa de ser paradoxal que uma União Europeia, que nasceu da democracia dos seus povos, tenha um presidente do Conselho, uma Comissão Europeia e um Banco Central ocupados por gente que nunca foi eleita para esses cargos pelo povo europeu, mas que são aqueles que de facto decidem sobre a vida das pessoas, e que a sua única instituição eleita, o Parlamento Europeu, não passe de um “verbo de encher”, sem grandes poderes.

Mas mesmo que se chegasse ao consenso, segundo o qual a democracia acaba no dia a seguir às eleições, nunca se podia admitir que um governo eleito desrespeitasse as promessas e o programa político com que foi eleito, com a desculpa que não conhecia o estado do país quando toma posse do governo, que é o que acontece com frequência em Portugal.

Para além de mentiroso, um governo que ignora o estado do país devia ser demitido no dia seguinte por se deslegitimar, pois, não só o compromisso eleitoral é para ser levado a sério, como não se pode admitir que, quem se apresenta para governar um país possa revelar tanta ignorância sobre o mesmo.

Por outro lado, os próprios partidos políticos, que estão na base da democracia, funcionam quase todos internamente de forma pouco democrática. Quase não existe debate interno, todos recorrem a purgas constantes dos indesejáveis e os seus dirigentes são escolhidos nos bastidores da intriga política antes de serem sufragados em congressos previamente preparados para a propaganda.

Se o 25 de Abril se fez para restituir a Liberdade e construir a Democracia, então é caso para dizer que ainda há muito 25 de Abril por construir.


II

A Liberdade foi o principal feito do 25 de Abril.

A partir dessa data, cada um pensou ser possível construir o país que imaginava, daí ser tão difícil a unanimidade sobre a interpretação desse acontecimento.

Penso que o espírito de Liberdade e Esperança que varreu o país nesses dias distantes de 1974 é muito difícil de explicar aos que não o viveram. Daí a dificuldade em encaixar e interpretar esses acontecimentos à luz de um qualquer modelo teórico histórico-sociológico pré formatado
O 25 de Abril foi um golpe de Estado, uma revolução, uma festa? É comparável à Tomada da Bastilha, à Revolução Russa, à libertação do pós-guerra, ao Maio de 68? Foi tudo isso e…nada disso!

O ponto de partida foi para encontrar uma solução para a Guerra Colonial, juntando-se, por influência de alguns militares mais esclarecidos, o objetivo de conquistar a liberdade e a democracia.

Mais tarde aplicou-se o objetivo dos três D’s: Descolonizar, Democratizar, Desenvolver.

A Descolonização nem sempre correu bem. Seria difícil fazer melhor, dadas as contingências da época. Devido à teimosia do Estado Novo, a partir da segunda metade dos anos 60 qualquer descolonização pecaria por tardia e enfrentaria a situação trágica que lhe ficou associada, para além dos interesse político-estratégico-económicos que a condicionaram. Internacionalmente vivia-se o mundo da “guerra fria” e os interesse em jogo eram gigantescos para uma pequena nação como Portugal. De qualquer modo é de louvar o modo como o país, no meio de uma revolução, conseguiu absorver, sem grandes tragédias, cerca de meio milhão de portugueses oriundos das colónias e mais o regresso apressado de milhares de militares.

…Além disso, as jovens nações lusófonas começam, a pouco e pouco, a encontrar o seu caminho e a ultrapassar as dificuldades, apesar dos tropeções .

A Democratização foi cumprida, embora se possa discutir o monopólio dos partidos na sua construção e a fraca intervenção cívica da população, problema que não será estranho à trágica situação atual, mas que é também uma herança do autoritarismo cultural e educativo do salazarista. Um dos grandes feitos dessa democratização foi o aprofundamento do Poder Local que tem sido uma das componentes mais dinâmicas da vida democrática no pós 25 de Abril, apesar dos muitos casos de corrupção e compadrio em que tem caído.

O Desenvolvimento não terá sido o que muitos almejavam, mas, comparativamente como os 48 anos anteriores, o país conheceu grandes avanços nos últimos 38 anos. Basta comparar todos os índices económico-sociais, nomeadamente em áreas como as da saúde, da educação e do bem-estar em geral. Quem tiver visão curta pode não se aperceber dessas melhorias, até porque a última década tem sido de estagnação, assistindo-se a uma crescente tentativa de destruir tudo o que se conquistou em termos socias, com o regresso em força de velhos interesses, herdeiros dos mesmos que sustentaram a ditadura salazarista durante quase meio século.

Hoje muitos se interrogam se será necessário um novo 25 de Abril. Para mim o essencial do 25 de Abril , com avanços e recuos, vai sendo cumprido, mas será aquilo que quisermos fazer dele, nomeadamente no aperfeiçoamento da democracia participativa e no combate à corrupção e às desigualdades que impedem o saudável desenvolvimento económico e social.

Hoje, para responder ao oportunismo contrarrevolucionário dos que defendem que se devia ir “além da troika” e as “reformas estruturais” (leia-se: redução dos direitos sociais, destruição do “Estado Social”, cortes nos salários e nas pensões, regresso à caridadezinha e à precariedade…)  nós, os que continuamos a acreditar na esperança e nas “portas que Abril abriu”, devemos responder-lhes, não com um novo 25 de Abril, mas contribuindo para construir um país… para “além de Abril”…

“Além de Abril” é respeitar a liberdade, defender o aperfeiçoamento da democracia e um desenvolvimento económico-social justo e sustentável, mantendo acesa a chama da esperança.

Só assim poderemos continuar a afirmar : “25 de Abril, Sempre”!


III

O essencial do 25 de Abril foi cumprido com êxito:

A DEMOCRACIA, associada à liberdade, foi o resultado imediato desse dia: acabar com a censura, extinguir a PIDE, libertar os presos políticos, permitir o regresso dos exilados, legalizar os partidos e convocar eleições livres.

Há quem defenda que, para haver “apenas” democracia, não seria necessária uma revolução, e, mais tarde ou mais cedo, ela seria “outorgada” pelo regime, que, tal como em Espanha, se reformaria por dentro.

Quem isso defende, revela um grande desconhecimento da História.

Entre 1945 e 1974, foram várias as ocasiões em que o regime, se o quisesse, podia enveredar pela reforma do sistema. Teve oportunidades, teve gente com vontade para o fazer, mas o resultado foi o que se viu: vejam o que aconteceu aos dirigentes do MUD, a Humberto Delgado, aos “liberais” do marcelismo...

Por sua vez a Espanha, que não tinha o problema colonial, só enveredou pela reforma, já depois de o PREC ter acabado em Portugal, tendo as elites dirigente do regime franquista, após a morte do “caudillo”, democratizado o regime, em parte devido à acção do monarca escolhido para dirigir o país, em parte por recearem um PREC espanhol, em parte por estarem frescos os horrores de uma guerra civil, e em parte, porque não dizê-lo, porque a elite franquista era mais inteligente que a elite salazarista.

Só por estupidez, ignorância ou má fé, se pode comparar o que não é comparável.

A DESCOLONIZAÇÃO foi a razão imediata para a acção dos militares: acabou-se com a guerra, deu-se a independência às colónias, manteve-se a ligação cultural com os países que resultaram dessa atitude.

Os horrores que algumas das novas nações de língua portuguesa conheceram após a independência devem-se à imaturidade das suas elites dirigentes, ao envolvimento das grandes potências de então e ao próprio drama endémico do continente africano, já não falando dos erros dos colonialistas.

Se tivesse havido vontade de fazer alguma coisa pelos povos africanos (e timorense), tinha-se feito aí pelos finais dos anos 50, início da década de 60. A atitude do Estado Novo, em relação ao “federalismo” preconizado por políticos e militares mais “liberais”, ligados ao regime, impediu um processo de transição pacífico. Quando se dá o 25 de Abril já era tarde demais para uma saída diferente.

O DESENVOLVIMENTO, ficou consagrado no combate aos grupos económicos que tinham florescido à sombra da ditadura, que também era uma ditadura económica e social, no acesso à educação, à saúde, à liberdade sindical, aos direitos sociais (reforma, subsidio de desemprego e de férias, direito ao descanso e ao lazer). As estatísticas aí estão para o comprovar.

Se continuamos na cauda da Europa em muitos indicadores, não é ao 25 de Abril que o devemos, mas exactamente ao desvirtuar de muitas das dinâmicas económicas e sociais levadas a cabo nos primeiros anos de democracia, permitindo o regresso de práticas económicas e sociais do antigo regime, como o desrespeito pelo trabalho, a aposta nos salários baixos, a valorização social na especulação financeira e do consumo, que têm vindo a agravar, nos últimos anos, a desigualdade social, a perde de direitos sociais, o empobrecimento generalizado.

O que falta cumprir não é, pois, o 25 de Abril, mas, parafraseando Eduardo Lourenço, o 26 de Abril:

É necessário Democratizar, os próprios partidos políticos.

A política tem de deixar de ser uma “profissão” ou uma “carreira”, para se transformar numa actividade cívica, na qual os cidadãos sintam vontade de participar activamente.

A democracia e a política precisam de uma “revolução ética” .

Para isso a Justiça tem de funcionar, as leis têm de ser claras, os inocentes devem ser inocentados de forma clara, sem ambiguidades processuais, e os criminosos e corruptos devem ser condenados, sejam eles poderosos ministros ou ex-ministros ou “simples” autarcas.

Só assim se pode restaurar a confiança perdida, nos últimos tempos, entre os cidadãos e a política democrática.

É necessário Descolonizar as nossas relações com os novos países de língua portuguesa, olhando para eles sem complexos, apoiando o seu desenvolvimento, fomentando as suas relações com a Europa, mas, igualmente sem complexos, denunciar, olhos nos olhos, os políticos criminosos e corruptos dalguns desses países.

Deixemos de ver a nossa relação com esses povos irmãos como um mero e lucrativo “negócio”, mas como um fraterno e prometedor relacionamento histórico-cultural.
E, de uma vez por todas, assumamos a prioridade no relacionamento cultural, político e económico com essas jovens nações, em paralelo com a importância que tem para nós a integração europeia.

É necessário, também Desenvolver o nosso país, combatendo as desigualdades, valorizando a educação a cultura e o património, experimentando novas formas de relacionamento entre empresas e trabalhadores, combatendo o enriquecimento ilícito e especulativo, apostando em soluções ambientais no desenvolvimento energético, industrial e agrícola.

É preciso aproveitar este momento de crise para questionarmos o tipo de desenvolvimento dos últimos anos, que assentou, quase exclusivamente nas obras públicas e na especulação financeira, e na litoralização à custa da desertificação do interior.

É preciso criar alternativas à macrocefalia “lisboeta- portista”, pondo em andamento uma verdadeira regionalização, cuja falta tem vindo a destruir, económica, cultural e socialmente o resto do país.

Acima de tudo, é preciso não desistir de Portugal.

Os “capitães” cumpriram o 25 de Abril. Cabe-nos a nós fazer cumprir “o dia seguinte” !

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