Foi premonitória essa manhã do passado Sábado 15 de
Setembro.
Tendo-me deslocado ao centro da cidade cruzo-me com um
conhecido economista, comentador, ex-ministro das finanças e ex-administrador
do Banco de Portugal (BP), personalidade com quem me cruzo várias vezes pelas
ruas e eventos da cidade, visto que tem casa num condomínio de luxo dos
arredores.
Vejo-o entrar num descapotável desportivo vermelho de luxo,
ao princípio pareceu-me um Ferrari, mas depois vi que era um Lotus. Aliás, como
tenho visto quando circulo pela marginal de Cascais, o Ferrari, de estar tão
vulgarizado entre os ricos, tem vindo a ser substituído por outras marcas, com
a Lotus, a Maseratti e outras do género.
Os contribuintes pagam-lhe uma pensão de 8 mil euros que
recebe pelos anos que exerceu no BP, reforma que lhe foi concedida aos 45 anos
de idade e que, actualmente, recebe por
metade, por estar a acumular como
professor universitário.
Essa mesma personagem, para além ter sido um responsável pelo
sector financeiro que nos levou a esta crise, tem ainda assento como
comentador em várias televisões e nas páginas dos jornais de referência, onde
defende, com veemência, as actuais medidas de austeridade (aliás, desempenha um
alto cargo de nomeação deste governo, que exerce gratuitamente, mas da qual
beneficiará de algumas vantagens pessoais).
Por isso parece-me afrontoso o exibicionismo do luxo em que
vive, muito à custa do lixo para onde essa gente nos procura atirar com as
medidas que defendem ou executam. Mais tarde na manifestação, li um cartaz que
me recordou o meu sentimento dessa manhã: “Um Dia os Pobres Terão de Comer os
Ricos por Falta de Opção”.
Se não fosse dos primeiros e dos que há mais tempo, usando
das tribunas que a comunicação social lhe disponibiliza, vem defendendo as atuais politicas de austeridade baseadas
nos cortes salariais, na destruição de direitos sociais e no ataque aos
funcionários públicos, nada me movia a escrever este texto.
Não tenho nada a haver com o que cada um faz com o dinheiro
que ganha, mas eles também não têm de se meter na minha vida.
E é exactamente porque muita desta gente se anda a meter na
minha vida e na vida dos cidadãos e dos trabalhadores deste país há tempo de
mais que mais me senti motivado a ir à manifestação dessa tarde em Lisboa.
A manifestação de 15 de Setembro foi uma grande prova de
civismo do povo português, o que trabalha, o que estuda, o que produz, o avô e o neto, o desempregado e o funcionário público, pobres, remediados e ricos, pequenos e médios empresários, e que se cansou de viver na resignação de um
futuro desesperançado.
Uma palavra de apreço pelo comportamento da polícia, ela
também vítima das medidas de austeridade, e para a comunicação social em geral,
apesar de algumas excepções onde se tentou enfatizar algumas isoladas situações
de violência, colando-as à manifestação.
O momento foi o mais oportuno, depois de todos os números
conhecidos mostrarem a falência das actuais medidas impostas pela Troika e de
ficar a nu o projecto ideológico de destruição executado pelo actual governo, o
tal “ir além da troika”, do qual a trapalhada da TSU foi apena a ponta do
iceberg.
A manifestação foi pacífica, em clima de festa, mas também
de muita raiva contida, demonstrando que os portugueses, estando fartos das
políticas dos últimos anos e dos últimos governos, ainda não perderam
totalmente a paciência, dando uma última oportunidade aos políticos de
arrepiarem o caminho anti-social e afrontoso que têm desenhado nos últimos
tempos.
A manifestação reuniu gente das mais diversas tendências,
dos monárquicos aos anarquistas, dos comunistas e socialistas aos bloquistas, mas,
não haja dúvida, para atingir esta dimensão, teve de incluir muitos eleitores
do PSD e do CDS.
Se o governo de Passos Coelho foi o principal alvo da
manifestação, Cavaco Silva não foi esquecido como naquele bem humorado cartaz
onde se podia ler: “Cavaco – Cultiva Tomates no Farmville, estão a fazer-te
falta”. Mas , muitos cartazes recordavam também a responsabilidade do último governo do
Partido Socialista pela actual situação. Muita gente comentava ainda a responsabilidade da esquerda que, pelo seu facciosismo,
continua a dificultar um entendimento
para criar alternativas.
Esta manifestação, que só terá sido comparável ao 1º de Maio
de 1974, foi um último aviso aos nossos políticos.
Em 1974 foi a esperança no futuro que uniu os portugueses.
Hoje á a falta de esperança que os volta a unir.
Em 1974 ainda se gritava que “O Povo Unido Jamais Seria
Vencido”. Agora gritou-se que “O POVO UNIDO JÁMAIS SERÁ VENDIDO”.
A batata quente está agora do lado deles, principalmente do
governo e do Presidente da República.
Contudo , o seu silêncio sobre a manifestação está a
tornar-se demasiado ruidoso e não augura nada de bom.
Talvez fosse bom levarem
em linha de conta um cartaz onde se lia: “Basta! Acabou o Recreio”.
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