Anda por aí uma grande polémica sobre uma projecto governamental que, grosso modo, pretende colocar limites à autonomia das ordens profissionais.
O decreto é do PS, mas já se sabe que o PSD se vai abster na sua
votação e que a Iniciativa Liberal vai ainda mais longe, ao propor a extinção
de 11 das 20 ordens existentes (ler em baixo).
Vê-se assim que esta questão não é uma questão de “esquerda ou “direita”.
Aliás, esta tentativa de retirar o poder, não democrático, detido pelas corporações profissionais, fazia parte do programa inicial da Troika, mas os executantes desse programa, desejando "ir além da Troika", preferiram fazer as "reformas" poupando os poderosos e falando de alto aos "fracos", não se atrevendo a mexer nesse assunto.
De facto, quanto a mim, as ordens profissionais não passam de reminiscências
medievais, recuperadas pelo fascismo, um movimento corporativista, e copiado
para Portugal pela ditadura Militar e pelo Estado Novo, que não tem lugar numa
democracia estável, ou, quanto muito, não faz mais sentido que uma Maçonaria ou
uma Opus Dei.
De facto, a primeira ordem profissional, a dos advogados, foi criada em
12 de Junho de 1926, uma das primeiras medidas acordadas pelo novo regime
político, iniciado pela Ditadura Militar, instaurado poucos dias antes daquela
data, em 28 de Maio de 1926.
O papel das ordens profissionais na construção do Estado Novo, criado
em 1933 a partir dessa ditadura, tornou-se evidente quando iniciou funções, em
1935, um dos pilares do regime ditatorial, a Câmara Corporativa, seguindo o modelo do
fascismo italiano, na qual tinham lugar os representantes da ordens
profissionais.
Com o estabelecimento do regime democrático em Portugal, a partir de
1974, não houve coragem para acabar com essa excrescência corporativista num
regime democrático.
Talvez o facto de algumas dessas ordens, em determinados momentos da
sua história, terem tomado posição contra o regime e na defesa dos presos
políticos, como aconteceu com a poderosa Ordem dos Advogados, tenha levado o
novo regime a “fechar os olhos” a essa realidade, limitando-se a regulamentar
as suas funções.
Diga-se, em abono da verdade, que muitas das ordens se souberam adaptar
ao novo regime democrático e desempenham, hoje, um verdadeiro serviço público,
como acontece, por exemplo, com a ordem dos Psicólogos, ou junto dos seus
profissionais.
Contudo, nos últimos tempos, temos visto três das mais poderosas
corporações profissionais, a do Advogados, a dos Médico e a dos Enfermeiros
(aos quais se parece juntar agora a dos Arquitectos), abandonarem as suas
funções meramente profissionais para se substituírem às funções de sindicatos, de
associações patronais e de partidos políticos, e virem a terreiro fazer
campanha politico-ideológica, trasvestindo-se muitos dos seus líderes em
comentadores políticos, ao mesmo tempo que usam todos os meios para controlar e
travar o acesso à profissão por parte dos mais novos e protegem associados com
actividades muitas vezes eticamente duvidosa, alguns a enfrentar problemas com
a justiça.
Como cidadão, não me esqueço de uma Ordem dos Médico que, ao mesmo
tempo que se queixa da falta de médicos , (sem que a tenha visto preocupada com
isso quando a Troika e o “ir além da Troika” obrigaram muitos profissionais de saúde
a emigrar), critique a abertura de novas escolas médicas e de mais vagas, como
se houvesse grande diferença de vocação entre um aluno que entra na faculdade com
17, 18 (ou mesmo 16) valores e outro com 19 ou 20.
Mais do que os valores com que se entra numa universidade, o importante
é a qualidade de ensino ministrado nessa universidade.
Também não me esqueço de uma conversa a que assisti numa rádio pública,
no inicio da pandemia, quando vários enfermeiros brasileiros que estavam em
Portugal se ofereceram para ajudar, e a presidente da Ordem dos Enfermeiros
veio opor-se, de forma violenta, ao reconhecimento desses profissionais, mesmo
que a título provisório, como se um enfermeiro brasileiro não estivesse habilitado
a enfrentar situações muito mais complicada no país de origem do que aquelas
que existem em Portugal. Aliás, essa líder da Ordem, militante do PSD e
admiradora do líder do Chega, tem vindo a tornar essa ordem num verdadeiro
sindicato, desvirtuando aquilo que devia ser uma Ordem Profissional.
Também seria interessante perguntar ao sr. Provedor da Ordem dos
Advogados o que tem feito para combater o papel de escritórios de advogados na
organização de fugas de impostos para off-shores e em muitas outras negociatas,
senão ilegais, pelo menos eticamente reprováveis, levadas a cabo por associados
seus, alguns até já tendo exercido importantes funções nessa Ordem.
Por mim, devem ser as Universidades, nalguns casos as escolas
profissionais e os politécnicos, a qualificar os profissionais, a lei a julgar do cumprimento das regras inerentes
a cada profissão e o Estado, através de órgãos de controle democrático, a
fiscalizar essa qualidade e esse cumprimento.
Não vejo, pelo menos tendo em conta a acção pública dos provedores das
ordens acima referidas, qual a utilidade da existência, ou da manutenção do
poder social, das referidas ordens, num regime democrático.
“Iniciativa Liberal propõe extinção de 11 ordens profissionais
Por Leonardo Ralha
In O Jornal Económico de 11 de Outubro de 2021
“Um projeto de lei da Iniciativa Liberal propõe a extinção de 11 ordens
profissionais, o que seria mais de metade dos 20 atualmente existentes, sendo
esse número algo que o partido considera ser “algo inédito e incomparável em
países desenvolvidos da União Europeia”. Entre as entidades que desapareceriam
caso essa iniciativa legislativa fosse aprovada incluem-se a Ordem dos
Economistas, a Ordem dos Contabilistas Certificados, a Ordem dos Despachantes
Oficiais e a Ordem dos Revisores Oficiais de Contas.
“Segundo a Iniciativa Liberal, existe uma diferença entre as ordens
existentes “nos casos em que a natureza da profissão exige uma prática
continuada séria e certificada, relacionada diretamente com os direitos
fundamentais dos cidadãos”, e aquelas que o partido considera terem sido
constituídas “sem lógica nem critério, a não ser por motivos eleitoralistas de
alguns partidos presentes na Assembleia da República”.
“No primeiro grupo encontram-se algumas das principais ordens
profissionais portuguesas, como a Ordem dos Advogados e a Ordem dos Médicos. No
entanto, mesmo nesses casos o partido advoga mais limites. “Muitas ordens
profissionais cuja existência é justificada têm abandonado o seu papel-base e
têm-se transformado em corporações de defesa dos interesses instalados nestas
profissões, para prejuízo dos novos profissionais e, sobretudo, dos
consumidores”, defende a Iniciativa Liberal, que por isso mesmo propõe a
revogação da norma que estipula que a cada profissão regulada corresponda
apenas uma única associação pública profissional.
“Também é proposta no projeto de lei da Iniciativa Liberal a abolição
de regras profissionais que resultem num “obstáculo desproporcional e
desnecessário” à livre prestação de serviços, à liberdade de escolha de
profissão e à iniciativa privada. Até porque foi permitido na transposição da
diretiva comunitária para a legislação portuguesa que os estatutos das ordens
profissionais pudessem estabelecer entraves às sociedasdes multidisciplinares.
Algo que o partido considera configurar “uma desvantagem competitiva dos
profissionais portugueses face aos seus homólogos europeus”.
“A lista total das ordens profissionais que os liberais pretendem ver
desaparecer inclui as dos Biólogos, Contabilistas Certificados, Despachantes
Oficiais , Economistas, Médicos Veterinários, Notários, Nutricionistas,
Revisores Oficiais de Contas, Solicitadores e Agentes de Execução,
Fisioterapeutas e Assistentes Sociais”.
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