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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

A Venezuela e o jornal "Observador" : a manipulação e a mentira é o pior remédio



A jornalista da peça baseou-se em dois filmes caseiros, tecnicamente mal feitos, mas reais, feito por moradores que vivem nas proximidades do local onde se realizou aquela manifestação, apoiantes da oposição, e numa opinião de outro oposicionistas publicada nas redes sociais sobre a veracidadade de um edifício à esquerda da fotografia em causa.

As normas do bom jornalismo exigiam que a jornalista que escreveu o texto começasse, em primeiro lugar, por observar com atenção a fotografia e depois cruzá-la, cuidadosamente, não só com aqueles filmes como com outras fontes minimamente credíveis, tiradas naquele mesmo sitio e naquele mesmo evento.

Foi isso que nós fizemos, recorrendo a várias fotografias que encontrámos na net, em fontes credíveis, tendo posteriormente comparado todas as fotografias obtidas, entre as quais aquela referida na reportagem, com a única que encontramos devidamente identificada, localizada e datada naquele local e momento,  e que nos mereceu confiança, publicada nos jornais espanhóis El País e Publico (foto em baixo).

(Fonte: Agência EFE, El País e Publico esp.)


Se o El País não indica a fonte dessa fotografia, o Público identifica-a como sendo da agência EFE.

Assim, comparando essa fotografia com a referida no “Observador” como “manipulada”, o que encontrámos foi muitos pontos em comum entre ambas, o que mostras que, embora de ângulos diferentes, ambas foram tiradas no mesmo sitio, no mesmo dia e na mesma manifestação.

Encontrámos em comum nessas duas fotografias, garantindo que foram tiradas no mesmo sitio e na mesma altura:

- cores, forma e posição de cartazes em vários locais das fotografias;
- a estrutura de TV ao centro;
-a ponta do cartaz que desce do edifício cor de tijolo escuro à direita;
- as ordem das bandeiras da direita;
- a posição de vários grupos e pessoas.

Fotografia em causa, assinalando a vermelho o que é comum à foto da EFE:

Fotografia da agência EFE de 2 de Fevereiro de 2019, assinalando a vermelho elementos visíveis em comum com a foto de cima, provando que foram ambas tiradas no mesmo dia e na mesma data:



Só essa comparação era suficiente para se concluir que, se aquela fotografia é manipulada, então também a é a publicada pelo El País e pelo Publico, sendo a agência EFE responsável pela manipulação, e portanto todos eles “mentem” e é o “Observador” que diz a verdade. Ou então é a jornalista do “Observador” que não fez o trabalho que, profissionalmente devia ter feito, deixando-se dominar pelos seus preconceitos ideológicos.

Bastava aliás, depois de feito o trabalho, confrontar a agência EFE com essa “descoberta”.

Por sua vez os filmes não servem para por em causa a veracidade ou não daquela fotografia.

Antes de tirar conclusões, era importante saber se os filmes foram feitos no inicio, no auge ou no momento de dispersão daquele evento.

E já agora, se, como se viu, qualquer amador conseguia filmá-lo de um dos edifícios envolventes, porque o não fizeram os profissionais, até porque essa era uma alternativa ao impedimento a que eles estavam sujeitos de não poderem assistirem à manifestação, a acreditar na mesma notícia do “Observador” (afirmação que não é totalmente verdadeira, como veremos mais em baixo).

Vendo bem os filmes, um é filmado do lado oposto da manifestação, no topo contrário da gigantesca avenida, dando para ver que a manifestação se começa a concentrar no fim de um prédio comprido à direita (vendo de trás para a frente da manifestação) e que, a partir daí, até ao palco que mal se vê dessa perspectiva, estão os manifestantes.


Comparação entre a fotografia e a parte de um dos filmes que mostra a rectaguarda da manifestação (a azul o "prédio Comprido" e a preto o fim da manifestação):



No outro filme, feito a partir de um prédio de uma avenida paralela àquela onde se realizou a manifestação, dá para perceber que a maior concentração de manifestantes se dá até ao mesmo prédio acima identificado e até, do lado contrário, ao tal edifício de cor de tijolo.

 Contudo, se a jornalista estivesse atenta, via que, nesse filme,  o prédio que aparece à direita da referida fotografia apresenta a mesma coloração, embora escurecido no filme devido à má qualidade do mesmo, mas desmentindo, involuntariamente, a argumentação do já referido comentário da rede social sobre esse prédio, para tentar desacreditar a veracidade da fotografia.

Resumindo e concluindo, cruzando todos aqueles dados, tanto a fotografia em causa como os filmes revelam-se verdadeiros,  a diferença está no ângulo em que são obtidos e, eventualmente, na hora.

Toda a gente sabe que, se quisermos dar uma idéia que está mais gente numa manifestação do que a que lá está, basta fotografar ou filmar mais em baixo, apertando o enquadramento, ou, se pelo contrário, quisermos dar a idéia que está menos gente do que aquela que se apresenta, basta registar imagens mais de cima, de longe e com um enquadramento mais aberto.

São duas formas de manipulação, mas não permitem negar a veracidade, quer dos filmes, quer da fotografia.

Quanto muito, Maduro faltou à verdade quando afirmou na sua habitual exuberância retórica e demagógica,  que a Avenida estava cheia “de ponta a ponta”.

Mas isso não põe em causa a veracidade da fotografia.

O que é possível confirmar é que aquela Avenida, enorme, estava cheia de manifestantes até ao inicio do prédio em tijoleira, à direita e até ao principio do prédio comprido à esquerda, embora o ângulo da fotografia possa dar ilusão de estar mais gente. Mas essa situação tanto é verdade para aquele caso como o pode ser para as manifestações dos opositores.

Outra meia-verdade da peça jornalística é dizer-se que não estavam presentes testemunhos independentes nessa manifestação e que os jornalistas estrangeiros foram impedidos de assistirem a ela.

Contudo, como se pode ver consultando o jornal argentino “Clarin”, insuspeito de simpatizar com Maduro (como, aliás, o já referido El País), estavam presentes jornalistas das agências internacionais Reuters e AFP (para além da já referida EFE),que tiraram fotos do evento, e os nomes desses fotógrafos, não sei se venezuelanos ou não, mas creditados por essas credíveis agências internacionais, são referidos naquele jornal: Manaure Quinten da Reuters e Yuri Cortez da AFP.

Bastava à jornalista do “Observador” consultar essas agências para confirmar a veracidade dessa fotografia.

Não digo que não tenha havido, e continue a haver, manipulação. Vi fotografias  de apoio a Guaidó de 23 de Janeiro serem referidas como de 2 de Fevereiro (talvez porque esta teve menos gente do que aquela) e vi fotografias de outras manifestações “chavistas” tiradas no mesmo local da de 2 de Fevereiro como se fossem desta data (pois eram comprovadamente maiores, como as de 2013 e 2017 que mostro em baixo).

Manifestação de 11 de Abril de  2013


Manifestação de 19 de Abril de  2017


Ou seja, nenhum dos argumentos usados na peça do “Observador” provam, com fundamento, que a referida fotografia é falsa.

Diga-se que nunca simpatizei nem simpatizo com o chavismo e, muito menos, com Maduro.

Tenho respeito pelo PCP, concordo com esse partido nalguns pontos, mas desaprovo a sua defesa de regimes corruptos e ditatoriais.

Mas é caso para dizer que “não havia necessidade”, até porque a razão não se mede pela quantidade de manifestantes que vão para a rua defender uma causa.

Enfim, à ética e ao trabalho de informação e esclarecimento que se pede a um jornalista, o “Observador” preferiu  a eficácia propagandística e o preconceito ideológica .

É caso para se dizer: Assim se vê… a força da manipulação do “Observador”.

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