Nos idos de 74, quando apareceu o CDS, para o pessoal das esquerdas,
entre os quais me incluía ( e incluo), sendo que estão era tudo de “esquerda” , não existindo nenhum
grupo político que não incluísse alusões ao “socialismo” ou, no mínimo, ao
“social”, aquele partido surgiu como o partido mais à direita, mesmo que o
pretendesse disfarçar com o tal “Social” (Centro Democrático Social).
Apesar do “disfarce” do “Social”, nós, os “esquerdistas”, não tínhamos
ilusões, e todos o encostávamos à “extrema-direita” (com os seus concorrentes
directos, o PDC [Partido Democrata-Cristão], o Partido Liberal e, algum tempo
depois, os clandestinos e terroristas do ELP e do MDLP) .
Quem na altura olhasse para os líderes locais e nacionais desse
partido, aquela classificação do CDS como a “direita da direita” era confirmada
por nele se encontrem, em grande maioria, os “órfãos” do Estado Novo e da União
Nacional.
Com a evolução da nossa democracia e com o atenuar da intolerância e do
radicalismo ideológicos que marcaram os primeiros tempos da democracia,
fomos-nos habituando a integrar aquele partido na esfera democrática, tendo para
isso contribuído a então muito discutível atitude de Mário Soares de formar um
governo de coligação com o CDS.
Pessoalmente, perdi os complexos em relação àquele partido, por um lado
quando a ele se ligaram alguns amigos meus e, em especial num determinado
momento, aí pelos idos de 80, quando assisti a uma aula de Adriano Moreira, uma
das melhores a que assisti, tendo convivido com ele durante um almoço que se
seguiu àquela aula.
Hoje, se lermos as opiniões de lideres históricos daquele partido, como
Freitas do Amaral ou Bagão Félix, para além do acima referido Adriano Moreira,
soa-nos ridícula a classificação do CDS como partido da extrema-direita, tão
ridículo como chamar ao PCP ou ao Bloco de Esquerda partidos de
extrema-esquerda.
Isso não quer dizer que o CDS não esteja nos antípodas políticos dos
nossos valores de esquerda, nem que os seus militantes neguem o seu
posicionamento politico à direita.
Talvez porque a deriva direitista do PSD tenha sido tão acentuada com a
presidência de Passos Coelho, muitas das propostas programáticas que o CDS
aprovou no congresso do passado fim-de-semana acabam por o colocar mais à
“esquerda” do que o passos-coelhismo, recuperando algumas das preocupações
sociais que eram apanágio, apesar da prática contrária dos seus governos, da
história do PSD, prática essa destruída por Passos Coelho e que agora, com
imensa dificuldade, Rui Rio procura recuperar.
As próprias questões fracturantes, que anteriormente muito distinguiam a
direita da esquerda, como as questões de género ou das opções sexuais , deslocaram-se hoje para o interior do CDS.
Não sei se foi a direita que, perante o trauma da “troika”, virou “à
esquerda” para disfarçar o seu colaboracionismo, se foi a esquerda que se “centrou”
com a “geringonça”, mas é um facto que o CDS aprovou neste congresso muitas
propostas que até podiam ser subscritas pela esquerda, como as preocupações com
o ambiente ou a defesa de uma regionalização que combata a desertificação do
interior.
Deve-se, aliás, a Assunção Cristas uma das frases mais emblemáticas do congresso e
que até podia ser subscrita por qualquer homem ou mulher de esquerda, ao recusar responder
a mais “questões sobre como concilio trabalho e família, até ao momento em que
a questão seja colocada aos homens que são pais e têm uma vida profissional e
pública activa”.
A prestação de Assunção Cristas neste congresso até quase fez esquecer
as responsabilidade do CDS e da própria Cristas no descalabro social provocado
pelo governo “troikista” liderado por
Passos Coelho ou o facto de, nesse governo, ao ser solidário com ele, ter
abandonado à sua sorte o eleitorado que sempre reivindicou, o da classe média
e dos pensionistas, os mais atingidos
por esse governo.
Ao contrário do PSD, o CDS soube demarcar-se da herança desse ignóbil
governo, surgindo assim como alternativa “credível” de direita ao próprio PSD,
ainda desorientado pelo que lhe aconteceu e continuando preso àquela trágica herança.
Foi pena que a esquerda à esquerda do PS se tivesse prestado ao triste
espectáculo de recusar o convite para assistir ao congresso. De uma vez por
todas, seria importante que a esquerda deixasse de diabolizar o CDS e, para
melhor o combater, o começasse a levar a sério.
Mais do que com Rui Rio, a esquerda tem agora um adversário de peso no
CDS e é bom que não se deixe adormecer à sombra dos êxitos da “geringonça”.
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