Uma extensa reportagem publicada na edição de Sábado do jornal Público
revela uma série de e-mail comprometedores para Durão Barroso e para as suas
relações com a Goldman Sachs.
Ficamos também a saber que essa relação ainda vem dos seus tempos de
governante português, mas também que envolve muita gente na Comissão Europeia,
ao ponto de se confundirem os interesses daquele sinistro banco, responsável
pela aldrabice das contas gregas e pelas medidas de austeridade de que foi um
dos principais beneficiários, com as medidas financeiras que a própria Comissão
Europeia tomou, muitas por sugestão de responsáveis por aquele banco.
É caso para se dizer que a Comissão Europeia, pelo menos nos tempos de
Durão Barroso, funcionou como uma verdadeira sucursal do Goldman Sachs.
Ou seja, se as atitudes de Durão Barroso são eticamente condenáveis,
ele não está sozinho nessa atitude no meio dos burocratas de Bruxelas.
O problema é que Juncker não tem moral para acusar Barroso.
Por outro lado, quando Barroso tem de vir a público negar que aquele
banco é “um cartel de droga”, vem, implicitamente reconhecer o carácter mafioso
daquele banco, aliás bem evidente na reportagem que transcrevemos em baixo.
Também não pega e é repugnante que Durão Barroso venha agora fazer o
papel de virgem ofendida, que estaria a ser atacado por pertencer a um pequeno
país, o mesmo país que ele ajudou a afundar, primeiro como primeiro-ministro e
depois como presidente da Comissão europeias que, através da troika, destruiu a
vida de muitos portugueses, tudo para salvar os bancos e servir os objectivos
de Goldman Sachs…
É caso para dizer que…zangam-se as comadres e descobrem-se as verdades…do
funcionamento da União Europeia..:
“Arquivos da Comissão Europeia revelam que havia proximidade entre
Barroso e Goldman Sachs
Por Paulo Pena
In Público de 24/09/2016
“Os banqueiros faziam chegar “confidencialmente” ao gabinete de Barroso
sugestões de alteração às políticas da UE, que os seus conselheiros liam “com
grande interesse”. São emails e cartas que mostram como o Goldman se dizia
“encantado” com algumas posições de Barroso.
“No dia 30 de Setembro de 2013, Durão Barroso recebeu uma carta de
Lloyd Blankfein. “Caro Presidente Barroso”, escreveu o polémico CEO do Goldman
Sachs – o homem que numa entrevista comparou o seu trabalho de banqueiro ao “de
Deus”. “Muito obrigado por ter conseguido roubar tempo à sua agenda para vir ao
Goldman Sachs. Gostei muito da nossa discussão produtiva sobre as perspectivas
económicas mundiais.”
“Nessa mesma carta, Blankfein agradece ainda a Barroso por ter
participado numa reunião com os “senior partners” do banco. “Sei que eles
consideraram a sessão extremamente enriquecedora.” Estes encontros, que não
foram tornados públicos na altura, estão descritos num dos 11 documentos
(emails, cartas e mensagens) relativos à relação do gabinete do ex-presidente
da Comissão Europeia com o banco de investimentos norte-americano entregues ao
PÚBLICO depois de um pedido formal ao secretariado-geral da Comissão, em Julho.
“Nesse mês foi revelado que Durão Barroso passaria a desempenhar as
funções de presidente não-executivo do Goldman Sachs International, com funções
de aconselhamento sobre a estratégia para enfrentar a saída do Reino Unido da
União Europeia, o que gerou uma polémica internacional e acusações, ao mais
alto nível, na Comissão Europeia. O seu sucessor, Jean-Claude Juncker, anunciou
recentemente que Barroso deixaria de ser recebido como ex-presidente da
Comissão. Passará a ser um “representante de interesses”, ou seja, um
lobbyista. Ainda esta sexta-feira, Durão Barroso disse estar ser alvo de
"discriminação".
“Nos documentos do mandato de Durão Barroso arquivados na Comissão
Europeia não existe qualquer acta deste encontro na sede do banco
norte-americano. Não há, sequer, registos de uma visita ao imponente edifício
do n.º 200 da West Street, em Manhattan, nas agendas públicas do presidente da
Comissão, esclarece a responsável pelo departamento europeu de acesso a
documentos. Não se conhece outra deslocação do presidente da Comissão à sede de
um banco de investimentos, para uma reunião discreta e fora da agenda pública.
“Durão Barroso, numa resposta por escrito às perguntas do PÚBLICO,
contextualiza: “Fui presidente da Comissão Europeia durante os anos em que a
Europa e o mundo viveram uma das maiores crises financeiras da sua história.
Naturalmente, mantive contactos institucionais – transparentes e
convenientemente registados nos arquivos da Comissão – com as mais variadas
entidades políticas, empresariais, sindicais e financeiras. Entre estas
encontrei-me, como seria de esperar, com muitos dos principais bancos que operavam
no mercado europeu. Tratava-se não só de conhecer o sentimento dos mercados,
mas também de passarmos mensagens claras com a posição da Comissão e da União
Europeia.”
“Durão Barroso não quis, no entanto, especificar se visitou outros
bancos, nem se se reuniu com outros conselhos de administração.
“Os documentos do arquivo da Comissão dão conta de vários encontros de
Durão Barroso com representantes do Goldman Sachs (Lloyd Blankfein, Peter
Sutherland e Richard Gnodde) nos seus dez anos na presidência, e de alguns
outros encontros entre membros do seu staff e dirigentes daquele banco. Porém,
este arquivo não é exaustivo. Só a partir do final de 2014 passou a ser regra,
na Comissão, a publicidade de todos os encontros de comissários com
representantes de instituições ou interesses privados. Logo no primeiro email
deste conjunto que o PÚBLICO revela, uma funcionária pergunta se o email com um
pedido de reunião de Hank Paulson, então CEO do Goldman, deve ser registado,
para constar do arquivo. Uma outra funcionária (não identificada, uma vez que
os serviços da Comissão rasuraram os nomes de todos os participantes nesta
troca de correspondência que não fossem altos dirigentes ou titulares de cargos
políticos) remete a pergunta para um superior hierárquico, com a indicação de
que o conselheiro principal de Barroso “é desfavorável” ao arquivamento.
“Ao contrário de Paulson, que saiu do Goldman para secretário do
Tesouro de George W. Bush, nos EUA, os responsáveis europeus não doaram o seu
telemóvel a nenhum museu, nem tornaram público o registo de chamadas ou as
agendas de reuniões. A Europa divulga as reuniões “formais” e “informais” em
que participam os seus dirigentes, mas não existe nenhum registo para encontros
como o que juntou, lado a lado, Barroso e Peter Sutherland num jogo de futebol,
no estádio do Manchester United, a 13 de Março de 2007. O que torna impossível
detalhar a frequência dos contactos. Embora não a proximidade.
“Barroso desmente
“categoricamente” favorecimento
“Quando Durão Barroso visitou o Goldman Sachs em 2013, este não era um banco qualquer. Em 2010 tinha
sido acusado por fraude pela Securities and Exchange Commission (SEC, o
regulador do mercado de capitais norte-americano) e aceitara pagar, para ver o
caso arquivado, aquela que era, à data, a maior multa de sempre na história da
regulação dos EUA: 550 milhões de dólares. Mas além das responsabilidades
apuradas na crise de 2008 – que teria um efeito na crise das dívidas do Sul da
Europa –, havia um outro caso que, na altura, agitava Bruxelas. No debate
político na Grécia, e nos restantes países europeus, o nome “Goldman Sachs” era
tóxico.
“O ex-presidente da Comissão Europeia nega qualquer tipo de relação
preferencial com o Goldman Sachs. “É importante sublinhar que se enquadra
naturalmente nas competências e deveres do presidente da Comissão a realização
de contactos com entidades externas. Mas, ao singularizar-se uma determinada
entidade financeira, pode estar a sugerir-se que houve de algum modo uma
relação privilegiada. Desminto categoricamente qualquer contacto ou relação
especial com qualquer entidade financeira durante o exercício dos meus mandatos
na Comissão.”
“De uma forma inédita, o actual presidente da Comissão, Jean-Claude
Juncker, lançou, a 12 de Setembro, uma investigação que pretende apurar se
Barroso quebrou alguma norma europeia ao transitar da Comissão para o banco de
investimento. Juncker decidiu ainda que Barroso passaria a ser recebido nas
instituições europeias como um “representante de interesses” e não como um
ex-presidente.
“Estas decisões foram tomadas após a provedora europeia Emily O’Reilly
ter solicitado à Comissão um esclarecimento sobre a “aparente arbitrariedade”
que o estipulado período de cooling-off, de 18 meses, coloca. É um facto que
Barroso cumpriu esse tempo, entre ter deixado as suas funções públicas e ter
assumido as novas funções privadas, mas O'Reilly considera que “certos casos
não deixam de ser problemáticos apenas porque passaram 18 meses”.
“Além de Juncker e de O’Reilly, também o Presidente francês, François
Hollande, fala na necessidade de afastar qualquer dúvida sobre um possível
“conflito de interesses” nesta passagem de um responsável europeu para uma
instituição financeira: “Já tinha manifestado não apenas perplexidade em
relação à escolha profissional de Barroso como também a exigência de que as
regras éticas sejam respeitadas e qualquer conflito de interesses afastado”,
afirmou Hollande há poucos dias, mostrando agrado pela iniciativa de Juncker.
“Onde acaba o lobbying?
“Os documentos oficiais que o PÚBLICO consultou mostram que o Goldman
Sachs acompanhava de perto a actividade da Comissão Europeia. Lloyd Blankfein,
por diversas vezes, elogiou as medidas tomadas por Barroso: “Introduziu
importantes reformas que vão fortalecer a União Monetária, restaurar a
confiança na supervisão bancária da zona euro e separar os bancos do risco
soberano” (carta de Setembro de 2013). No entanto, outros dirigentes do banco
foram ainda mais longe. Lisa Rabbe, directora executiva do banco (actualmente
trabalha num banco suíço), já em Janeiro de 2005, pouco depois da posse da
Comissão, afirmava, num email para o conselheiro principal do presidente da
Comissão, Jean-Claude Thébault: “o Goldman Sachs está encantado” com algumas
políticas do “presidente Barroso” e “pronto a ajudar”.
“A “ajuda” podia ter várias formas. Lisa Rabbe, que tinha a seu cargo o
departamento de relações com governos na Europa, exemplifica: “O Goldman Sachs
tem contribuído com dados e ideias para a iniciativa da presidência holandesa
sobre a redução de barreiras a M&A [fusões e aquisições] de bancos na
Europa.”
“Noutro email, de Junho de 2008, a mesma responsável apresentava-se
como “antiga colega de António Borges” (que fora director do Goldman Sachs até
essa altura e tinha sido nomeado, em 2006, conselheiro de Durão Barroso). A
mensagem era dirigida a dois membros do gabinete do presidente da Comissão, o
português António José Cabral e o inglês Matthew Baldwin. Desta vez, a
representante do Goldman sugeria um encontro com um colega seu, do banco, para
falar de vários assuntos, entre eles como “as restrições nas políticas de livre
circulação de capitais, trabalho e tecnologia” estavam “a limitar o crescimento
da oferta”.
“A actividade de lobbying está regulamentada na União Europeia, e o
Goldman Sachs está acreditado na base de dados pública Transparency Register. O
banco declara que gastou, em 2015, perto de 1,3 milhões de euros em lobbying na
UE. Tem seis representantes registados.
“Um deles é Jenny Cosco, que tem credenciais para abordar deputados e
serviços do Parlamento Europeu. Porém, Cosco tinha, também, acesso directo ao
gabinete de Barroso. A 5 de Agosto de 2005, a representante do Goldman Sachs
enviou, “confidencialmente” (sic), para a presidência da Comissão um relatório
com sugestões sobre a legislação em matéria financeira, com a posição do banco
sobre as regras que limitam o short selling (venda a descoberto).
“Menos “confidencialmente”, Cosco enviou ainda as posições tornadas
públicas pelas associações que agrupam os interesses do sector financeiro
(Association for Financial Markets e ISDA) sobre produtos financeiros derivados
(CDO, CDS, swaps...). Em resposta, recebeu a garantia, de um funcionário do
gabinete de Barroso, de que aquelas posições seriam lidas “com grande
interesse”.
“Barroso argumenta que essas abordagens são comuns. “Foi sob a minha
liderança da Comissão Europeia que esta promoveu o maior programa de
regulamentação do sector financeiro de que há memória. Mais de 40 textos
legislativos, propostos pela Comissão, viriam a estabelecer regras e princípios
de responsabilização e transparência no sector financeiro, o qual, até então,
se encontrava em larga medida fora da regulamentação efectiva dos poderes
públicos europeus. É natural que os visados tenham de algum modo procurado transmitir
o seu ponto de vista sobre a legislação em preparação pela Comissão. Mas posso
garantir que nunca nenhuma entidade financeira me abordou sobre a matéria nem
chegou ao meu conhecimento qualquer démarche específica eventualmente feita
nesse sentido.”
“Nomeações polémicas de
banqueiros Goldman
“Esta troca de correspondência consultada pelo PÚBLICO termina em 2014,
com um convite dirigido por Barroso ao número dois de Blankfein, Richard
Gnodde, para um pequeno-almoço em Davos, a 24 de Janeiro, à margem do encontro
anual do Fórum Económico Mundial, naquela estância suíça. O mesmo convite terá
sido dirigido a outros representantes de outras empresas, assegura ao PÚBLICO
fonte próxima de Barroso.
“O seu mandato estava prestes a terminar. Ainda durante os previstos 18
meses de hiato, Barroso foi acumulando, com a concordância expressa da Comissão
Europeia, várias actividades profissionais. A 5 de Novembro, a Comissão
autorizou-o a assumir funções no Fórum Económico Mundial e nas universidades
Católica de Lovaina e de Genebra. Um mês depois, nova autorização, desta vez
para cargos especificamente não-remunerados: presidente honorário da Cimeira de
Negócios Europeia, membro da Fundação Jean Monet, professor honorário do
Politécnico de Macau, co-presidente do Centro Europeu para a Cultura, membro do
Conselho Internacional da Ópera de Madrid e do conselho consultivo da
associação Mulheres no Parlamento. A 16 de Dezembro de 2014, Barroso foi
autorizado a integrar os quadros do Instituto de Políticas Públicas de Belgrado,
o Conselho de Curadores do Europaeum, o Comité de Directores do grupo
Bilderberg, o conselho consultivo da McDonough School of Business da
Universidade de Georgetown e a presidência da Fundação UEFA para as crianças. A
15 de Abril de 2015, Barroso recebeu o último lote de autorizações da Comissão
para ser professor visitante da Universidade da Califórnia e presidente da
Fundação Palácio das Belas Artes em Bruxelas.
“A presidência não-executiva do Goldman Sachs International não carecia
de aprovação, por ser assumida mais de 18 meses após o final do mandato.
Curiosamente, Barroso passou a ocupar um cargo que fora de um homem por si
nomeado conselheiro: Peter Sutherland, que Barroso anunciou em Salzburgo, aos
jornalistas, em Janeiro de 2006, que iria ser um dos quatro membros de um
restrito painel de consultores especiais para a Energia, ao lado de António
Borges, que nessa altura era vice-presidente do Goldman.
“Porventura a mais polémica das nomeações de Barroso no universo de
quadros do banco foi a de Otmar Issing para o “Grupo de Alto Nível” que lançou
as bases da reforma europeia do sector financeiro. Num relatório de quatro ONG
(Corporate Europe, SpinWatch, Lobby Control e Friends of the Earth/Europe),
este “grupo de sábios” nomeado pelo presidente da Comissão Europeia é muito
criticado: “É composto por pessoas com ligações próximas à indústria
financeira, ou a instituições que, em maior ou menor medida, estão implicadas
na crise.” O alemão Otmar Issing, consultor do Goldman Sachs, era, nesse relatório,
acusado de estar numa situação de “conflito de interesses”, por aconselhar
políticas que afectavam directamente a actividade do banco para o qual
trabalhava.
“Barroso no entanto orgulha-se da legislação que fez aprovar e o
próprio CEO do Goldman não poupou elogios às suas “importantes reformas”. Nas
respostas que enviou ao PÚBLICO, o ex-presidente da Comissão recorda que,
apesar de tudo, o mundo financeiro não esgotava a sua actividade em Bruxelas:
“Para além do relacionamento político ao mais alto nível, nomeadamente com os
chefes de Estado do G8 e do G20, tive um elevado número de reuniões com as
principais associações empresariais europeias (como as da indústria) e com as
principais organizações dos sindicatos europeus e, estes contactos, que parecem
não suscitar o mesmo interesse mediático, foram com certeza muito mais
frequentes do que aqueles que a Comissão e eu próprio tivemos com entidades
financeiras em geral, ou com qualquer banco em especial.”
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