Quando li esta crónica de António
Lobo Antunes, na revista Visão, há umas semanas atrás, senti que já não tinha
mais palavras para lavrar o meu protestos contra esta gente que conduz o país
para o desastre.
Está tudo dito, com a enorme
lucidez de um Lobo Antunes.
Depois desta crónica, não há
muito mais para dizer sobre esta gente e os seus “muchachos” (…os banqueiros, os comentadores de serviço e
os economistas, que lhes cobrem as costas largas da incompetência, da
desumanidade e da ignorância, com a propaganda que largam nas páginas dos
jornais e nos debates televisivos para nos convencerem da bondade dessa gente…).
Está lá tudo, preto no branco,
com a ironia corrosiva que só um grande senhor das letras consegue.
Os monstros que nos governam e
seus muchachos da propaganda passarão à história, mas este texto ficará como
uma imagem desta época negra:
“Perguntam-me muitas vezes por que motivo nunca falo do governo nestas
crónicas e a pergunta surpreende-me sempre. Qual governo?
É que não existe governo nenhum. Existe um bando de meninos, a quem os
pais vestiram casaco como para um baptizado ou um casamento.
Claro que as crianças lhes acrescentaram um pin na lapela, porque é
giro.
- Eh pá embora usar um pin? que
representa a bandeira nacional como podia representar o Rato Mickey.
- Embora pôr o Rato Mickey? mas
um deles lembrou-se do Senhor Scolari que convenceu os portugueses a encherem
tudo de bandeiras, sugeriu: - Mete-se antes a bandeira como o Obama e, por
estarem a brincar às pessoas crescidas e as play-stations virem da América,
resolveram-se pela bandeirinha e aí andam, todos contentes, que engraçado, a
mandarem na gente.
- Agora mandamos em vocês durante quatro anos, está bem? depois de
prometerem que, no fim dos quatro anos, comem a sopa toda e estudam um
bocadinho em lugar de verem os Simpsons.
No meio dos meninos há um tio idoso, manifestamente diminuído, que as
famílias dos meninos pediram que levassem com eles, a fim de não passar o tempo
a maçar as pessoas nos bancos, de modo que o tio idoso, também de pin.
- Ponha que é curtido, tio para
ali anda a fazer patetices e a dizer asneiras acerca de Angola, que os meninos
acham divertidas e os adultos, os tontos, idiotas. Que mal faz? Isto é tudo a
fazer de conta.
Esta criançada é curiosa.
Ensinaram-me que as pessoas não
devem ser criticadas pelos nomes ou pelo aspecto físico mas os meninos
exageram, e eu não sei se os nomes que usam são verdadeiros: existe um Aguiar
Branco e um Poiares Maduro. Porque não juntar-lhes um Colares Tinto ou um
Mateus Rosé?
É que tenho a impressão de estar
num jogo de índios e menos vinho não lhes fazia mal.
No lugar deles arranjava outros pseudónimos: Touro Sentado, Nuvem
Vermelha, Cavalo Louco. Também é giro, também é americano, pá, e, sinceramente,
tanto álcool no jardim escola preocupa-me.
A ASAE devia andar de olho na venda de espirituosas a menores.
Outra coisa que me preocupa é a
ignorância da língua portuguesa nos colégios. Desconhecem o significado de
palavras como irrevogável.
Irrevogável até compreendo, uma coisa torcida, e a gente conhece o amor
dos pequerruchos pelos termos difíceis, coitadinhos, não têm culpa, mas quando,
na Assembleia, um deles declarou: - Não pretendo esconder nem ocultar apesar da
palermice me enternecer alarmou-me um nadita, mau grado compreender que o termo
sinónimo seja complicado para alminhas tão tenras.
Espíritos tortuosos ou manifestamente mal formados insinuam, por pura
maldade, que os garotos mentem muito, o que é injusto e cruel.
Eles, por inevitável
ingenuidade, não mentem nem faltam às promessas que fazem: temos de levar em
conta a idade e o facto da estrutura mental não estar ainda formada, e entender
que mudar constantemente de discurso, desdizer-se, aldrabar, não possui, na
infância, um significado grave.
A irrealidade faz parte dos cérebros em evolução e, com o tempo, hão-de
tornar-se pessoas responsáveis: não podemos exigir-lhes que o sejam já, é
necessário ser tolerante com os pequerruchos, afagá-los, perdoar-lhes.
Merecem carinho, não crítica, uma festa na cabecinha do garoto que faz
de primeiro-ministro, outra na menina que eles escolheram para as Finanças e
por aí fora.
Não é com dureza desnecessária e
espírito exageradamente rígido que os educamos.
No fundo limitam-se a obedecer a uns senhores estrangeiros, no fundo,
tão amorosos, que mal fazem eles para além de empobrecerem a gente, tirarem-nos
o emprego, estrangularem-nos, desrespeitarem-nos, trazerem-nos fominha,
destruírem-nos?
São miúdos queridos, cheios de
boa vontade, qual o motivo de os não deixarmos estragar tudo à martelada?
Somos demasiado severos com a infância, enervam-nos os impetuosos que
correm no meio das mesas dos restaurantes, aos gritos, achamos que incomodam os
clientes, a nossa impaciência é deslocada.
Por trás deles há pessoas crescidas a orientarem-nos, a quem tentam
agradar como podem à custa daqueles que não podem.
Os portugueses, e é com mágoa
que escrevo isto, têm sido injustos com a infância.
Deixem-nos estragar, deixem-nos multiplicar argoladas, deixem-nos não
falar verdade: faz parte da aprendizagem das mulheres e homens de amanhã.
Sigam o exemplo do Senhor Presidente da República que paternalmente os
protege, não do senhor Ex-Presidente da República, Mário Soares, que de forma
tão violenta os ataca e, se vos sobrar algum dinheiro, carreguem-lhes os
telemóveis para eles falarem uns com os outros acerca da melhor forma de nos
deixarem de tanga.
Qual o problema se há tanto sol neste País, mesmo que não esteja lá
muito certo de o não haverem oferecido aos alemães?
E, de pin no casaco que nos fanaram, isto é, de pin cravado na pele (ao
princípio dói um bocadinho, a seguir passa) encorajemos estes minúsculos heróis
com um beijinho, cheio de ternura, nas testazitas inocentes."
António Lobo Antunes
Nov.2013, Visão
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