UMA CAMPANHA IGNÓBIL
por Maria do Rosário Gama
In Público de 13 de Junho de 2013
“Considero ignóbil a convocação de uma greve de professores para o
primeiro dia de exames nacionais. É como se os médicos decidissem fazer greves
às urgências hospitalares. Incompreensível, indigno, inaceitável.”
Francisco Assis, Público (23.05.2013)
“É triste. E é sempre assim quando uma greve é convocada. Muito poucos
são os que conhecem os motivos da greve e se dão ao trabalho de considerar se
esses motivos são ou não justificáveis. Tudo quanto lhes parece interessar é o
transtorno que causam. E se se pergunta qual poderia ser uma alternativa a esta
forma de luta, percebe-se que apenas admitiriam uma que não causasse
transtornos a ninguém, ou pelo menos não a si próprios. De facto, o que esta
atitude revela é um mecanismo atávico, herdado dos tempos da ditadura, de
rejeição do direito à greve.
“O tecido social parece mais um mosaico de interesses estanques, do que
um povo unido por laços de solidariedade e partilhando uma história e destino
comuns. E é neste mosaico de interesses que o (des)governo encontra o terreno
fértil para semear a cizânia, cavar divisões e tirar delas partido.
“A greve de professores que agora se inicia e que, tudo indica,
conduzirá a uma greve aos exames, é uma espécie de “remake” da greve de 2005 e
contra ela, como então, está a ser movida uma campanha ignóbil em que se
apresentam concertados o Presidente da República, o Governo, o Ministro da
tutela, os já habituais campeões da “moderação” no campo da oposição (ei-lo, o
almejado consenso, conseguido à custa dos professores) as associações de pais e
os “opinion makers”.
“A encenação montada apresenta os professores como facínoras capazes de
comprometer o futuro dos alunos. O próprio ministro afirma que estas foram
feitas reféns pelos professores, como se de terroristas se tratasse. Alguém
acredita realmente que os alunos perderão o ano? É evidente que não. Mas convém
fingir que sim. O futuro da escola pública parece não suscitar preocupação. Mas
que possam ter que adiar as férias por uma meia dúzia de dias, isso sim. Não
que o admitam. Ele é a possibilidade de um ano perdido (e de chegarem atrasados
ao desemprego), a instabilidade dos alunos, a repercussão nos resultados. Só
quem não conhece o Ensino podia acreditar na seriedade destes argumentos.
“No fundo, todos os argumentos se reduzem a dois, por muito mascarados
que se apresentem. Ou se trata de apoio à política do (des)governo ou da defesa
de interesses particulares. Alguns alegam que apoiam os professores, mas não
esta greve aos exames. Não se percebe, claro, que a mesma preocupação se não
manifeste quando os alunos, por motivos idênticos, perdem aulas, tempos de
trabalho e de estudo. Enquanto o adiamento de uma prova provoque um tal
alarido. Hipocrisia, claro. Porque se apoiassem os professores pressionariam o
Governo a negociar com eles.
“A verdade é que o futuro duma escola pública de qualidade, e a
dignificação da profissão docente que é sua condição, não parece mobilizar
ninguém. Giga-agrupamentos que podem representar algumas magras poupanças mas
grandes prejuízos pedagógicos? Turmas a abarrotar? Professores a dar mais aulas
do que as que podem preparar com seriedade e tendo que corrigir mais trabalhos
do que os que podem comentar adequadamente? Precariedade dos postos de
trabalho? Instabilidade dos corpos docentes? Alterações curriculares que visam
exclusivamente a dispensa de professores? Nada disto preocupa os indignados,
com o Ministro a acusar os professores de fazerem dos alunos reféns, como se de
terroristas se tratasse. E variantes desta atoarda multiplicam-se, vindas de
todos os quadrantes.
“Ninguém parece ter em conta que sem professores motivados não será
possível assegurar uma escola pública de qualidade. Quem quer que tenha um real
conhecimento do ensino, sabe que um professor sério, com 4 turmas, 100 alunos,
trabalha muito, mas muito mais que 40 horas por semana. De borla! Toda a vida!
E a maioria tem 5 ou 6 turmas, mais de 150 alunos! Mas não chega. Baixam os
salários, cortam subsídios, aumentam o número de horas e, sobretudo, é preciso
despedir mais e obrigar os novos escravos pedagogos (gozando, porém, de
prestígio e estatuto bem inferiores ao dos seus antepassados) trabalharem mais
e mais para substituir os que forem mandados para as minas (os que tiverem
sorte).
“Não há dinheiro! E quando não houver educação e ensino de jeito? E
professores motivados para a assegurarem? A escola pública de qualidade é que
deveria ser considerada serviço mínimo e necessidade social impreterível, não a
realização dos exames na data aprazada!
“Por isso, se não vos interessa a educação dos vossos filhos e netos, a
qualidade do ensino que lhes é ministrado, o futuro da escola pública, o futuro
do país (será que pensam que à crise é alheia a qualidade do sistema
educativo?), mobilizem-se contra os professores e deixem à solta os coveiros da
escola pública. E valerá a pena? Por causa de uns dias de atraso na prestação
de exames? Da ida para férias uns diazitos mais tarde? Por causa de uma greve
que até poderia não ter lugar, acaso todos apoiássemos os professores?
“Apesar de já reformada, não me posso demitir da obrigação de expressar
aos professores a minha solidariedade. A luta deles contra o (des)governo é
também a nossa, dos reformados, bem como a dos jovens sem futuro, dos
desempregados, dos trabalhadores da administração pública e de todos cuja
confiança e segurança estão a ser destruídas.
Maria do Rosário Gama
Professora Aposentada
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