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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

SOMOS (...e estamos) TODOS GREGOS...

…ou como se repete a História da destruição de um país pelos mesmos piratas financeiros de há um século…



A revista francesa bimestral Histoire(s) de la Dernière Guerre, na sua edição de Janeiro/Fevereiro de 2012, conta-nos uma história passada nos anos 30 que revela a forma como a actuação das agências financeira, visando a destruição da economia e da democracia de um país, tem precedentes históricos.

Esse país foi a Grécia e a agência envolvida a “nossa” conhecida Moody’s, uma das célebres agências de pirataria financeira que tanto tem contribuído para a crise financeira actual.

O artigo, da autoria de Xavier Tracol, intitulado “Moody’s et la Grèce [une histoire datant de 1931]” recorda que a actual prática criminosa dessa agência ( e de outras que lhe seguem na peugada), ao baixar o rating da Grécia de A1 para Ca, contribuindo para arruinar a economia e as finanças de um país que, entre 2000 e 2007, era uma das economias mais dinâmicas da zona euro, com um crescimento de 4,2%, teve um precedente nos anos 30, envolvendo a mesma agência e o mesmo país.

A Europa sofria então os efeitos da crise bolsista de 1929. Contudo a Grécia, então uma das raras e das mais dinâmicas economias da Europa, vivendo em Republica e democracia desde 1924, tomou um conjunto de medidas para reformar a economia, reduzindo o peso do Estado e aumentando os investimentos para relançar o consumo.

Para a agência Moody´s, fundada em 1909, esse não era o caminho (tal como hoje, os sectores financeiro de então defendiam uma maior austeridade, a redução dos salários e a redução do consumo…o resultado foi o que se viu…)e assim resolveram descer o rating da Grécia, provocando uma reacção em cadeia nesse país: - as taxas de juro subiram, provocando a fuga de capitais, o dracma desvalorizou-se, subiu o deficit nacional e os bancos estrangeiros (então dominados pela banca italiana) não conseguiram recuperar o seu investimento e , no principio de 1932, o país abriu falência (ou “défaut” como hoje se diz).

Para a população foi o início de uma longa e forte inflação e o governo, presidido pelo herói nacional Elefthérios Venizélos, que tinha conduzido o país a um período de prosperidade democrática, perdeu as eleições de 1932 para os partidos monárquicos e nacionalistas, que restauraram a monarquia em 1935.

Pouco tempo depois, em 1936, o rei entrega o poder a Ioannis Metaxas, que liderava um pequeno movimento neo-fascista, o “Partido da livre opinião”. Este, em 4 de Outubro, decretou o Estado de Sítio e dissolveu o parlamento.

Metaxas instaurou um regime inspirado no fascismo italiano: saudação fascista, instauração de organizações juvenis, à imagem das Juventudes fascistas, fascínio pela antiguidade, censura, proibição da greve e prisão para os opositores políticos (mais de 15 mil foram presos durante os cinco anos em que o regime durou).

Como vimos um dos principais reflexos da crise financeira provocada na Grécia pela atitude da Moody´s, para além de contribuir para acabar com o regime democrático grego, foi colocar em dificuldades o investimento dos bancos estrangeiros, principalmente os italianos. Ora foi exactamente com o pretexto de ser reembolsado pelas somas perdidas pelos seus bancos em 1932 que Mussolini invadiu a Grécia em 1940.

As dificuldades que Mussolini enfrentou para dominar a Grécia obrigaram a uma intervenção militar do seu aliado do eixo, a Alemanha nazi de Hitler, que nesse país cometeu as maiores barbaridades, ainda hoje presentes na memória do povo grego.

A título de curiosidade refira-se que há quem defenda que foi a urgência da intervenção do exército nazi na Grécia, para salvar Mussolini, que evitou a invasão de Portugal pelos alemães, uma medida preventiva que estava programada para acontecer associada à intenção nazi de conquistar Gibraltar.

Recorde-se que a Alemanha ainda tem por pagar à Grécia pesadas indemnizações de Guerra, pagamento que seria adiado até à unificação das duas Alemanhas, divida que tem sido “convenientemente” esquecida, quer pela Alemanha, quer pelos políticos gregos que se têm prestado a assumir o seu papel como capatazes dos interesses alemães…

A relação entre a actuação da Moody’s e a destruição da democracia na Grécia dos anos 30 foi então tão evidente que aquela agência se comprometeu…a não voltar a classificar os países pela sua dívida…também esta decisão voltou a cair no esquecimento... as consequências do regresso a essa política estão à vista de todos.

Hoje a Grécia é governada por um primeiro-ministro não eleito pelo povo (um dos responsáveis pelo descalabro financeiro do país quando ocupou funções em instituições financeiras gregas, ajudando no célebre episódio da aldrabice das contas apresentadas para “enganar” a União Europeia), apoiado por partidos políticos desgastados, que expulsam “democraticamente” os militantes e deputados que se opõem à austeridade, que tem como único programa político mais austeridade em cima da austeridade que se tem acentuado naquele país desde há cinco anos, cumprindo as ordens do eixo Berlim- BCE- FMI, tendo como resultado um milhão de desempregados, um nível incomportável de juros a pagar e 1/3 da população vivendo no limiar da pobreza.

Vergonhosamente, cá por Portugal, que pode ver reflectido o seu futuro no que se está a passar na Grécia, políticos e comentadores, revelando muita ignorância e má-fé, tudo para justificar as políticas de austeridade por cá, procuram culpar os Gregos pela sua situação, criticando qualquer solidariedade devida àquele país e tentando alinhar no discurso moralista dos alemães, que culpam os povos “preguiçosos” dos sul pela sua desgraça.

Mas então vamos a números:

A idade média da reforma, na Grécia (61,9), ao contrário do que se diz, é ligeiramente inferior à da Alemanha (61,8) (apenas entre as mulheres existe alguma diferença favorável à Grécia); o número de feriados na Grécia (6) é cerca de metade dos portugueses (13) e inferior aos da Alemanha (10); os dias de férias nos contractos colectivos na Grécia (23) são inferiores aos da Alemanha (30); o horário médio de trabalho na Grécia (42,2) é superior ao de Portugal (39,1) e ao da Alemanha (35,6);

Apenas no salário mínimo existe uma diferença significativa entre a Grécia (863 euros mês) e Portugal (554), diferença menos evidente quando se fala de salário médio: em Portugal é 16 463 dólares ano, na Grécia 19 514.Na Alemanha, que não tem salário mínimo, o salário médio é de… 27 221 dólares ano.

Alguns destes números, que se baseiam no cruzamento de várias informações publicadas nos últimos meses nas páginas do Público, do Expresso e da Visão, tendo por fonte dados oficiais de várias proveniências, podem estar já dessactualizados, mas, se o estiverem, será para acentuar ainda mais a gravidade e a disparidade de situações registadas.

É ao valor do salário mínimo que muitos dos nossos ignorantes e irresponsáveis comentadores se agarram para aplaudir o novo pacote de austeridade na Grécia, como se o problema fosse o salário dos Gregos e não os salários baixos em Portugal, como se o elemento de comparação não devesse ser a média da União e a evidência das grandes disparidades existentes no seio dos países do euro em termos fiscais, financeiros, salariais, produtivos, sociais e económicos, provocando diferenças e desequilíbrios incompreensíveis, em vez da comparação entre países que ocupam a cauda dos piores indicadores sociais do espaço europeu...

“Nivelar por baixo” parece ser o lema dessa gente (geralmente bem paga para debitar tão brilhantes opiniões…).

Mas há mais nesse discurso ignorante.

Argumentam que a Grécia está a ser penalizada por, “ao contrário de Portugal”, o aluno “bem comportado”, não ter feito o “trabalho de casa”!

Então, mais uma vez, vamos aos números:

A Grécia já tinha reduzido a massa salarial da Função Pública em 15%, estes não recebem subsidio de Natal e Férias desde 2010, o IVA já foi aumentado para 23%, isto para falar apenas nalguns desses “trabalhos de casa” feitos pelos gregos e que reduziram imenso o poder de compra destes, nalguns casos para níveis que roçam a indigência.

Agora, entre as novas medidas propostas, está o despedimento de 150 mil funcionários públicos ( e não 15 mil como por aí se anuncia, pois este número é “apenas” para este ano…), cortes nos subsídios de Natal e Férias no sector privado, 15% de cortes nas já de si degradadas pensões de reformas e um corte no salário mínimo que, sendo superior ao de Portugal, e embora já tenha descido anteriormente de 863 para 751 euros, vai sofrer um novo corte de 22%...claro que há uma medida benéfica…mas apenas para os empresários (obviamente!)… a descida da Taxa Social Única em 2%.

Ainda por cima, o dinheiro assim “poupado” visa apenas pagar os juros agiotas a que os empréstimos gregos estão sujeitos e a salvar… a banca alemã.

É caso para dizer que, nestes dias tristes da Europa… somos todos (trabalhadores, produtores, contribuintes e cidadãos europeus) gregos, até porque vemos, na “tragédia grega”, o nosso futuro.

Por mais “sacrifícios que façamos”, os agiotas dos mercados estão mais insaciáveis do que nunca.

Se não reagirmos, vamos acordar um dia na miséria mais absoluta ou numa nova guerra em solo europeu.

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