Os dias que rolam, numa visão plural, pessoal e parcial de um mundo em rápida mutação. À esquerda, provocador e politicamente incorrecto, mas aberto à diversidade...as Pedras Rolam...
Goste-se ou não,
apesar de todos os erros e do seu percurso controverso, devemos a Otelo a
liberdade e a democracia.
Como todas as grandes
personagens da história, existe um lado bom e outro menos bom na sua personalidade.
Personalidades como
Otelo são raras, pela forma genuína como se afirmam na vida, pelo entusiasmo
como assumem as convicções e pela forma como se retiraram do primeiro plano.
Para a história fica
o Otelo militar da Guerra Colonial, o Otelo do 25 de Abril, o Otelo da acção controversado Copcon e o Otelo das FP “25 de Abril”, este o momento
mais negro do seu percurso, apesar de ele sempre ter negado a ligação a este
grupo terrorista , ficando sempre a dúvida sobre o seu real envolvimento nessa lamentável
aventura.
Contudo, é bom
recordar que, apesar de o negar, acabou condenado por essa eventual ligação ao
grupo terrorista de extrema- esquerda, cumprindo 5 anos de prisão, antes de ser amnistiado.
O mesmo não se pode
dizer dos terroristas da extrema-direita, do ELP e do MDLP, com acções bem mais
violentas e prolongadas no tempo, acabando os seus actos por nunca serem
julgados, continuando muitos dos seus membros por aí, a vangloriar-se dos seus crimes,
alguns bem instalados em partidos da direita e assumindo, até, funções de
destaque na vida democrática.
Pessoalmente os meus
sentimentos em relação a Otelo foram-se modificando ao longo do tempo.
Primeiro
vendo nele o líder carismático de uma revolução genuína e utópica, depois reconhecendo
a ilusão dessa utopia e, finalmente, a desilusão pelo seu crescente
radicalismo, que o terá, no mínimo, aproximado dos terroristas das FP-“25 de
Abril”, acção que muito contribuiu para denegrir uma data libertadora.
De tudo, sem o esquecer
os seus erros e as ilusões que alimentou, ficará sempre o Otelo do 25 de Abril,
um dos muitos a quem devo a Liberdade e a Democracia
Neste mesmo dia, em Cuba, o poder reforça a repressão sobre os que
defendem essa liberdade de pensamento, prendendo e reprimindo manifestantes,
impondo a censura, desligando a internet.
Não podemos defender a liberdade (ou as “liberdades”) em Portugal e
tentar justificar ou defender que ela seja negada em Cuba, com as mais variadas
desculpas.
Uma das desculpas é a defesa dos “feitos” do regime a nível social,
principalmente na saúde e na educação, como contrapartida para uma “aceitável”
falta de liberdade .
Por cá, vimos, recentemente, no “congresso das direitas”, argumentos parecidos para desculpar o
salazarismo, enaltecendo os seus “feitos” económicos.
Claro que não podemos negar o efeito nefasto de um criminoso embargo de
60 anos, imposto pelos Estados Unidos ao seu vizinho, embargo que, mais do que
penalizar as elites dirigentes, penalizou o povo cubano, servindo ainda de
alibi para a retórica do regime.
Sabemos que muitos políticos norte-americanos e ocidentais usam dois
pesos e duas medidas, não negando o apoio a regimes autoritários e ditatórias,
muitos deles bem mais sangrentos do que o Cubano, como aconteceu no passado com
o apoio de Saddam Hussein ou a Ossama Bin Laden, antes de estes lhes fugirem do
controlo, ou, actualmente,à Arábia
Saudita e a Israel, entre tantas outras “ditaduras convenientes”.
Também não podemos negar a falta de credibilidade de uma oposição
dominada pelos extremistas de Miami, sedenta de vingança, muitos deles ligados
ao crime organizado e entusiastas apoiantes de Trump.
Tudo o que essa gente tem para oferecer, como alternativa, é o apelo a
uma intervenção militar norte-americana.
Esperamos que os Estados Unidos e o “Ocidente” tenham aprendido com a forma desastrosa
como intervieram militarmente do Afeganistão, no Iraque, na Líbia e na Síria, em
nome da “defesa da democracia e da liberdade”. O resultado está à vista.
Esperamos também que a preocupação ocidental em relação aos cubanos, se
o regime cair, não seja a mesma que
tiveram com a Rússia depois da queda da União Soviética, que foi a de humilhar
os “vencidos” em vez de os ajudar, e, assim, “criaram” um Putin.
Seja como for, têm de ser os cubanos, os que vivem em Cuba e os
exilados, a resolver o problema do seu país, devendo o Ocidente, em vez de
acicatar ódios, tentar mediar as partes, para conseguir ainda uma transição
pacífica para a democracia, que salve as bandeiras sociais do regime, como a
saúde e a educação, evitando uma política de “terra queimada”, o que conduziria
Cuba a uma nova tragédia.
Mas nada disso desculpa a forma como o regime Cubano trata o seu povo,
quando este exige liberdade, democracia e respeito.
Em último caso, a culpa pela desgraça de um povo ou de um país, é
sempre dos seus governantes, sejam eles legítimos ou não.
Esperemos que, antes de agravar a repressão ou provocar um banho de
sangue, o regime tenha um momento de discernimento para ouvir as justas reivindicações
do seu povo, porque, apesar de tudo, Cuba não é a Coreia do Norte.
Um dos desportos favoritos dos portugueses é fazer queixinhas, e,
então, se lhes puserem um microfone à frente, é ver o entusiasmo com que se
queixam, aproveitando bem os “15 minutos de fama” que as "queixinhas" lhes rendem.
Noutros tempos davam “bom uso” a esse “desporto”, transformando a “queixinha”
em bufaria, nos tempos da Inquisição ou da PIDE.
Agora sobra-lhes o espaço que a comunicação lhes dá, até porque a “queixinha”
dá audiência.
A mis recente “queixinha” dos “portugueses de bem” versa o tempo de
espera na fila das vacinas.
Os mesmos portugueses, que são capazes de, alegremente e em festa, acampar à porta e esperar em filas
intermináveis junto de bilheteiras, para adquirirem ingressos, pagos com
dezenas ou centenas de euro, para os
festivais ou para os jogos de futebol, são os mesmos que agora se insurgem, por
terem de esperar uns dois pares de hora para levarem uma vacina que pode salvar
a sua vida e a dos seus, e, a prazo, salvar a economia.
Ainda por cima, quando tivemos o vice-almirante Gouveia e Melo,
antecipadamente, e com um pedido de desculpas, a explicar porque eram
inevitáveis essas filas, neste momento, e que a alternativa seria atrasar o
processo de vacinação.
Se é grave e indecente o aproveitamento político dos “queixinhas”, principalmente pelos mesmo que, em tempos, mandaram médicos e enfermeiros emigrar e cotaram nos serviços de saúde, sem se ouvir, então, um protesto de uma ordem profissional, é
igualmente grave que, uma comunicação social, havida de audiências, promova os
queixinhas em figuras públicas.
Entre “perder” umas horas numa fila, para ser vacinado, ou perder umas
horas à porta da urgência de um hospital, ou dias em coma induzido nos cuidados
intensivo, seria bom que os “queixinhas” pensassem duas vezes, antes…de fazerem
“queixinhas”.
Mas...lá estou em, também...a fazer "queixinhas" dos "queixinhas" !!??
O tão propagandeado “congresso
das direitas” (mais “fel do que MEL”), pouco
mais serviu do que para revelar a
pobreza banal e bolorenta das ideias dessa família política portuguesa, incapaz
de mobilizar e inovar, mas revelador do seu
desespero perante a possibilidade de se verem arredados do poder nos próximos
anos.
Esse desespero terá contribuído
para o radicalismo de algumas comunicações, destacando-se, no meio da pobreza
geral, pela retórica cuidada,
inteligente e agressiva, a intervenção de Nuno Palma (ver reprodução em baixo).
Tratando de um tema interessante,
“as causas míticas da divergência económica portuguesa”, apresentou algumas
reflexões a considerar e que, caso orador não se tivesse deixado levar pelo
ambiente revanchista dominante, até podiam ter enriquecido evento tão medíocre.
O problema foi quando
começou a fazer comparações absurdas entre o Estado Novo e o Regime
Democrático.
Partindo de uma
verdade histórica, os níveis de crescimento económico observáveis na década de
60, até hoje inigualáveis, procurou extrapolar, de um simples gráfico
estrutural, baseado no PIB, sem a devida contextualização, uma certa “superioridade
moral” da economia do Estado Novo em relação ao actual regime.
Entusiasmado pela sua
aparente “descoberta” e “novidade” (há anos que Fernando Rosa e outros
historiadores falam do tema), e pela reacção da plateia, acabou a debitar uma
série de falácias, meias-verdades e bombásticas frases propagandísticas, que
fizeram estalar o verniz da aparente “objectividade cientifica “da sua “verdade”.
Sobre a correcta
análise e contextualização desse gráfico, já outros fizeram a desmontagem do “mito”
dessa comunicação de Nuno Palma ( José Pacheco Pereira , “A indústria de
falsificação do Estado Novo”, in Público de 5 de Junho de 2021; Fernando Rosas,
“O Milagre da economia sem política”, in Público de 20 de Junho de 2021; Luís Reis Torgal, “E se só a Ciência for
revolucionária”, in Público de 28 de Junho de 2021; António Barreto , “Sim, é
verdade”, in Público de 3 de Julho de 2021).
Como escreveu Pacheco
Pereira noutro texto, usando-se o mesmo estratagema também se conseguia facilmente
demonstrar a “superioridade” do modelo de “desenvolvimento económica” do regime
hitleriano em relação à República de Weimar ou do Stalinismo em relação ao
regime czarista ou da União Soviética em
relação aos primeiros anos de democracia Russa.
Como se sabe, usar a
evolução do PIB, a frio, sem contextualização, para comparar níveis de
desenvolvimento, é falacioso e tem sido motivo de debate aceso entre
economistas e historiadores. Hoje, aliás, têm sido ensaiadas outras formas de
medir o desenvolvimento, que distinga o mero crescimento do verdadeiro desenvolvimento
económico, que tem de ser também social, humano e cultural, como acontece com o
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)ou como o índice Gini, que mede a desigualdade económica.
Ambos esses índices
não estão isentos de críticas, como sucede com qualquer tipo de rating, que
analise situações macroeconómicas, pois, não se pode resumir as complexas
relações humanas e socias, a base do estudo histórico e social, a meros “campeonatos” estatístico.
Muitas vezes o PIB compara economias que "produzem ricos" com economias que produzem riqueza, não distinguindo a desigualdade na distribuição dessa riqueza ou os métodos,muita vezes desumanos e antisocias como ela é alcançada, o que, aliás, acontecia no Potugal doa anos 60.
Mas o mais grave e
falacioso da comunicação de Nuno Palma não foi só essa questão.
Uma das frases bombásticas
do orador, levado provavelmente pelo ambiente favorável de uma plateia rendida
ao radicalismo, foi a de dizer que “desde o 25 de Abril Portugal é um regime de
Esquerda”, considerando que, mesmo “a única excepção duradoura é a década de
Cavaco Silva com um programa até social-democrata” e que “a nível europeu isto
até é centro-esquerda”.
E começa aqui o
desfilar entusiástico e delirante de falácias.
Até Cavaco é de “esquerda”
(“social-democrata”) e assim arrumam-se, sem hipótese de argumentar, 48 anos de
democracia, ideia que pode ser facilmente desmontada consultando a lista e o
tempo dos governos, democraticamente eleitos, convém recordar, desde o 25 de
Abril.
Dando de barato que o
PS sempre governou “à esquerda” e que todos os governos provisórios liderados por Vasco Gonçalves (com ministros
do PSD e PS) foram dominados pela esquerda, contabilizamos 286 meses de governo
“à esquerda” e 272 à “direita”, mais 29 meses de governos “ao centro”,
considerando como centrista o 1º governo provisório, com Sá Carneiro como ministro,
o governo de Pinheiro de Azevedo, dominado pelo PSDe pelo PS, e os governos de Nobre da Costa,
Mota Pinto e Maria de Lurdes Pintasilgo, aquele argumento cai pela base.
Recorde-se, aliás,
que o “esquerdista” Cavaco Silva chefiou o governo durante 120 meses, grande
parte em maioria absoluta.
Recorde-se que a “direita”,
coligação entre CDS e PSD, governou também em “maioria absoluta”, 40 meses com
a AD e 77 meses com Passos Coelho…ah! mas esta gente, para Palma, é suspeita de
governar em “social-democracia” ou ao “centro-esquerda”!!
A única maioria
absoluta à “esquerda” aconteceu como o primeiro governo de Sócrates, cerca de
48 meses, um governo, aliás, muito bem recebido por alguns pensadores da
direita neoliberal, exactamente por tomar muitas das medidas antissociais
preconizadas pelos “Nunos Palma” da época…
A ideia de Palma é
quase tão absurda como a cassete das “políticas de direita” do PCP.
Mas Palma vai mais
longe nas suas atoardas. Em certo momento, tomado de delírio, vem em defesa do
Chega. Porque ilegalizar o Chega? (nós também não concordamos com essa
intenção). Segundo ele existem razões, sim, é para ilegalizar a “extrema-esquerda”,
o BE ou o PCP, por exemplo, até porque, ao contrário do Chega, “o PCP é um
partido anti-democrático” e insurge-se contra o museu do Forte de Peniche que ,
citando o programa da instituição, é “uma homenagem aos presos políticos que
lutaram pela democracia” o que para Palma são “os tais do PCP que lá estiveram
presos” (aplauso entusiásticos).
É provável que a
maior parte dos presos políticos no Estado Novo, nomeadamente os que estiveram
presos em Peniche, fossem do PCP, mas a afirmação ignorante e falaciosa de
Palma ignora tantos presos políticos, das mais variadas tendências, que por lá
passaram, bem como as razões do papel histórico do PCP no combate à ditadura, afirmação
grave feita por um professor universitário que se diz objectivo e contra “as
ideologias”.
A forma como ele
enfatiza esta parte da sua intervenção, e o entusiasmo que ela provocou entre a
assistência, demonstra que entre a assistência há muita gente que acha que, se
eram “comunistas”, então até mereceram a prisão!!
Outra afirmação de
Palma que mereceu aplausos entusiásticos da assistência: “a extrema-esquerda
controla a educação”.
E “extrema-esquerda”,
para ele, é o Bloco de Esquerda, o PCP e até sectores do PS, classificação tão absurda, dita por um professor
universitário, como classificar o PSD, o CDSou a Iniciativa Liberal como de “extrema-direita”.
E em que é que Palma
fundamenta a sua argumentação? na citação cirurgica de uma parte do programa oficial de
História do 12º ano : “…reconhecer que [o Estado Novo] …impediu a
normalização económica e social do país” e, outra falácia, como o
demostrarei mais à frente, uma sugestão de trabalho sobre o Holocausto, “associando
o Holocausto ao Estado Novo”, uma situação que, se fosse verdadeira, eu também
consideraria absurda.
Insurge-se ainda com
a bibliografia dominada por autores “marxistas”, como Hobsbawn e Fernando
Rosas.
Fiz aquilo que Palma
recomenda, fui consultar o programa disponível na página do Ministério da
Educação e…até eu fiquei espantado com a falta de seriedade das afirmações de
Palma!!!:
No Módulo 7, “Crises,
embates ideológicos e mutação cultural na Primeira Metade do Século XX”,o “conteúdo” 2.5 tem como título “Portugal: O
Estado Novo” refere, entre outros, um conteúdo especifico sob a seguinte
designação: “uma economia submetida aos imperativos políticos: prioridade à
estabilidade financeira; defesa da ruralidade; obras públicas e condicionamento
industrial; a corporativização dos
sindicatos; a política colonial”.
No final deste módulo
refere como “aprendizagem a reter”, reconhecer “ que, no Estado Novo, a defesa
da estabilidadee da autarcia se apoiou
na adopção de mecanismos repressivos e impediu a modernização económica e
social”.
Esta “prendizagem”
não se refere a todo o período do Estado Novo, mas à época antes do final da 2ª
Guerra. Palma interpretou-a como uma “aprendizagem” mais generalista porque, ou
lhe convinha a meia verdade, ou não reparou que o Estado Novo volta a ser
analisado no Módulo 8, referente agora ao período do pós guerra, onde se estuda
“Portugal do autoritarismo à democracia”, referindo-se no ponto 2.1 deste
capítulo o “imobilismo político e crescimento económico do pós-guerra a 1974”.
Repito : “CRESCIMENTO ECONÓMICO”!!!!
E neste ponto
indicam-se como “aprendizagens relevantes”, relacionar “ a fragilidade da
tentativa liberalizadora e da modernização económica do marcelismo com o
anacronismo da sua solução para o problema colonial” e “reconhecer a
modernização da sociedade portuguesa nas décadas de 60 e 70, no comportamento
demográfico, na modificação de estrutura da população activa e na relativa
aproximação a padrões de comportamento europeus”. Sublinho : “RECONHECER A
MODERNIZAÇÃO (…) NAS DÉCADAS DE 60 e 70”.
Em relação à sugestão
de trabalho sobre o Holocausto, esta, no documento, refere-se a outro tema do
módulo 7, apesar de estar referido na mesma página do conteúdo 2.5, situação
que se deve à organização das páginas, divididas em 3 tabelas, onde as duas
primeiras, “conteúdos” e “conceitos”, estão relacionadas entre si e a terceira,
com sugestões de trabalho, faz a listagem de todas as sugestões para todo o
módulo. Um professor/investigador não ter reparado nisto e ter feito disto tema
da sua comunicação é revelador da “competência” do mesmo em analisar
documentos.
Pelo contrário, nesse
documento, até surgem como sugestões de leitura, os discurso de Salazar.
Podemos discordar de certos conteúdos ou da ausência de outros, mas não existe no programa qualquer vestígio evidente do controle da educação pela "extrema-esquerda".
Por último, a infeliz
referência ao “domínios marxista” da Bibliografia: de facto vem indicadas 3 obras
de Hobsbawn, entre elas “A Era dos Extremos”, e 2 de Fernando Rosas, uma delas
o “Dicionário de História do Estado Novo” por ele dirigido, mas com a
colaboração de autores das mais variadas tendências, ao lado, aliás, dos 3
volumes do Dicionário de História de Portugal, relativos ao Estado Novo,
coordenados por António Barreto e Filomena Mónica. Nas dezenas de sugestões de
leitura também se incluem obras de “perigosos marxistas” como François Furet,
José Mattoso, José Carlos Espada,Nuno Valério, José Hermano Saraiva, Joaquim
Veríssimo Serrão, Braga da Cruz, A.H. de Oliveira Marques, Fátima Patriarca,
António José Telo ou António Costa Pinto, entre outros.
Quanto muito, podemos criticar uma certa desactualização dessa bibliografia, mas não existe, na que é porposta, qualquer sinal de "domínio marxista".
Pela reacção do público de "direita" a esta comunicação, ficámos a "saber" que, na falta de um projecto económico para Portugal, alternativo ao mítico "modelo socialista", só têm para oferecer um "modelo económico" como o do Estado Novo...sem Salazar (...eventualmente...sem ditadura!!), uma economia que "produz ricos", em vez de produzir riqueza, baseada na desigualdade na distribuição dessa riqueza, na perseguição aos sindicatos, na remessas da emigração provocada pela miséria das populações rurais, nos baixos salários e na negação de direitos sociais.
Dei-me, finalmente, ao penoso trabalho de assistir às duas
intervenções do Congresso do Movimento “Europa e Liberdade” que mais polémica
geraram, a de Maria Fátima Bonifácio e a de Nuno Palma.
A primeira, e menos interessante, a de Maria de Fátima Bonifácio,
que numa comunicação indigente, “relatou”, em tom monocórdico e cansado, como
se falasse para uma plateia de ignorantes, a “história” da consolidação do “Estado”
português, desde D. Afonso Henriques, uma história cheia de lugares comuns e de
interpretações forçadas, para nos conduzir ao elogio de “um tirano duro e
frio”, mas “inteligente e patriota”, que, mesmo “prendendo, deportando e
perseguindo”, impusesse “à estima do mundo um povo”, libertando-o de políticos
torpes e estúpidos, citando as palavras de Basílio Teles no final da
monarquia,palavras com as quais nos
conduziu, desta vez citando Fernando Pessoa, para justificar, com elas, “porque motivo o país estava a pedir um Salazar”,
o “salvador desse paíscativado pelo
Estado, e por um parlamento “eloquente e palavroso” , na “sua simplicidade,
dura e fria”.
“Esqueceu-se”, a eminente historiadora, que Fernando Pessoa
rapidamente se desiludiu com mítico “salvador”, ainda no início da construção
do Estado Novo. Ao que parece, para a sua mal preparado comunicação, não leu a
obra “Fernando Pessoa – Sobre Fascismo, Ditadura Militar e Salazar”, de José Barreto,
editado em 2015 pela Tinta-da-China, de onde transcrevemos este esclarecedor
poema:
“Poema
sobre Salazar
António
de Oliveira Salazar
Três
nomes em sequência regular...
António
é António.
Oliveira
é uma árvore.
Salazar
é só apelido.
Até
aí está bem.
O
que não faz sentido
É
o sentido que tudo isto tem
Este
senhor Salazar
E feito
de sal e azar.
Se
um dia chove,
A
água dissolve o sal,
E
sob o céu
Fica
só azar, é natural.
Oh,
c’os diabos!
Parece
que já choveu...
...
... ... ... ... ... ... ... ...
Coitadinho
Do
tiraninho!
Não
bebe vinho.
Nem
sequer sozinho...
Bebe
a verdade
E
a liberdade.
E
com tal agrado
Que
já começam
A
escassear no mercado.
Coitadinho
Do
tiraninho!
O
meu vizinho
Está
na Guiné
E
o meu padrinho
No
Limoeiro
Aqui
ao pé.
Mas
ninguém sabe porquê.
Mas
enfim é
Certo
e certeiro
Que
isto consola
E
nos dá fé:
Que
o coitadinho
Do
tiraninho
Não
bebe vinho,
Nem
até
Café
Fernando
Pessoa
ANTOLOGIA in Sobre
o Fascismo, a Ditadura Militar e Salazar,
de
Fernando Pessoa 5-4-1935
Do
painel onde participou a dita historiadora, salvaram-se as intervenções de
Jaime Nogueira Pinto e de José Miguel Júdice que, de forma indirecta, irónica e
respeitosa, desmontaram o essencial da comunicação de Fátima Bonifácio, facto
que a mesma parece não ter percebido.
À
segunda intervenção, a mais interessante, a de Nuno Palma, voltaremos a em próxima
ocasião.