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quinta-feira, 9 de julho de 2009

Um País...Quatro Manifestos...

Manifesto "Parar é sacrificar o futuro"

Portugal necessita de investimento público estratégico
1. Portugal confronta-se com uma dupla crise.
Uma, de natureza conjuntural, é a tradução, no plano interno, da crise económica internacional. Outra, de natureza estrutural, é a expressão da incapacidade revelada pela economia portuguesa em se ajustar atempadamente às novas dinâmicas resultantes da globalização económica, em geral, e da sua plena integração na economia europeia, em particular.
As manifestações da crise económica internacional têm uma tradução evidente na deterioração dos principais indicadores macroeconómicos: contracção do produto, quebra do investimento, aumento do desemprego, aumento do défice e da dívida pública, deterioração das contas externas e consequente disparo da dívida externa.
A própria queda da inflação, se bem que podendo ter efeitos atenuadores pela via da manutenção ou mesmo do aumento do poder de compra dos estratos com emprego e rendimento estável, não pode deixar de ser vista como um reflexo da brutal desaceleração da actividade económica e da quebra da procura global.
As manifestações da crise estrutural, por sua vez, são menos imediatas, na medida em que se estendem por um período mais longo de tempo, que se arrasta há mais de três décadas, praticamente desde que o País se confrontou com a necessidade de fazer face, simultaneamente, ao choque da integração europeia e às pressões da abertura à economia global.
Com efeito, olhando retrospectivamente a evolução da economia portuguesa no pós 25 de Abril, e depois de um período de crescimento durante a segunda metade dos anos 80 até à crise de 1993, em boa parte induzido pela entrada de fundos comunitários e pela boa conjuntura económica internacional, constata-se uma progressiva perda de dinamismo e de capacidade competitiva, que se transforma em quase estagnação e em divergência com a Europa, a partir da crise de 2003 e até aos nossos dias.
As causas da crise económica de expressão conjuntural transcendem a economia portuguesa e situam-se no plano mais vasto da economia global.
São um resultado da acumulação de disfunções no sistema e de desequilíbrios no funcionamento da economia internacional, estimulados pelas políticas, hoje reconhecidamente irresponsáveis, de desregulação financeira e do laissez-faire das instituições de governança mundial.
As causas da crise estrutural são mais específicas e residem nas debilidades endémicas da economia portuguesa.
Estando interligadas e condicionando-se reciprocamente, ambas as crises não deixam, no entanto, de exigir atenções específicas.
A resposta à crise conjuntural exige uma coordenação a nível europeu e mundial, bem como uma conjugação de políticas de contenção dos impactos mais negativos no plano económico e social e de ajuda à retoma, as quais não poderão deixar de se repercutir, como está a acontecer, na deterioração do défice interno e externo.
A crise estrutural, por seu turno, impõe respostas mais profundas e de natureza estratégica, que devem privilegiar a diminuição das vulnerabilidades que têm vindo a ser evidenciadas pela economia portuguesa e pelo seu tecido empresarial: exige o reforço da coerência e da competitividade do seu aparelho produtivo interno e o aumento da sua capacidade de integração com sucesso nas novas dinâmicas da economia europeia e global.
2. É precisamente neste perspectiva que os projectos estratégicos de obras públicas – o novo aeroporto e as ligações ferroviárias de alta velocidade, bem como a sua articulação com renovadas infra-estruturas marítimo-portuárias – devem ser considerados e avaliados.
Uma economia como a portuguesa, pequena, aberta e periférica no contexto europeu, é fortemente tributária do investimento público e do papel estratégico do Estado para a criação de um contexto atractivo e das condições favoráveis ao desenvolvimento da iniciativa empresarial interna e externa.
Esta, da qual depende em larga medida a produção de bens transaccionáveis, será cada vez mais sensível à qualidade da envolvente económica geral e à fluidez das ligações logísticas entre Portugal e o exterior. Por terra, pelo ar e pelo mar.
A proposta de suspensão e reavaliação dos investimentos públicos em infra-estruturas viárias e aeroportuárias pode colher uma fácil adesão, na actual conjuntura de crise e de restrições económicas acrescidas. Mas, na realidade, revela uma atitude demissionista e de impotência relativamente ao que pode e deve ser feito no sentido de melhor preparar o País para a recuperação sustentada da economia portuguesa.
Na prática, parar os grandes projectos depois de anos e anos de estudos, de sucessivas decisões por parte de diferentes governos e dos custos já envolvidos, significa continuar a hipotecar o futuro do País a uma visão conservadora que recupera o essencial do pensamento económico que esteve na base do nosso atraso estrutural.
Esta atitude não passa de um sofisma para continuar a pôr em causa todas as decisões que já foram tomadas: na altura própria surge sempre um argumento de oportunidade que faz com que tudo volte ao princípio.
Não nos podemos esquecer de como se andou a discutir a construção de Alqueva durante penosos 40 anos!
Pelo contrário, a aposta num projecto integrado e coerente de modernização e criação de novas infra-estruturas estratégicas – dirigidas aos meios terrestre, aéreo e marítimo - justifica-se, pelo menos, por três ordens de razões.
Em primeiro lugar, porque irá permitir reforçar e dar maior coerência ao tecido económico e empresarial, superando constrangimentos fundamentais, valorizando as condições de atractividade do investimento externo de qualidade e criando uma efectiva capacidade de absorção e difusão no tecido empresarial dos efeitos directos e indirectos da presença do capital externo e da integração da economia portuguesa na União Europeia.
Em segundo lugar, porque constituirá uma excelente oportunidade de valorização e integração das novas apostas nos campos tecnológico, energético e ambiental, onde as empresas portuguesas têm vindo a demonstrar um especial dinamismo e uma saudável visão de futuro.
Em terceiro lugar, porque Portugal não pode alienar ou adiar a sua participação nas redes logísticas internacionais nem malbaratar a qualidade singular de um dos seus maiores recursos - a posição geoestratégica.
É fundamental valorizar e potenciar as relações com as Américas, a África e o mundo lusófono, transformando-as num factor de competitividade externa, num ambiente de preocupação acrescida com a segurança de abastecimentos e de diversificação de dependências.
A aposta num projecto integrado e coerente de infra-estruturas estratégicas justifica-se sobremaneira num contexto de crise económica e de pessimismo generalizado, como é o actual, onde importa injectar confiança nos agentes, fornecendo um quadro claro e de longo prazo para o desenvolvimento da actividade empresarial, geradora de emprego e riqueza.
3. A saturação do aeroporto da Portela é uma evidência, ainda que momentaneamente mitigada por um decréscimo no tráfego aéreo.
A breve trecho, a sua incapacidade de responder às necessidades da procura tornar-se-á flagrante, não se vislumbrando quaisquer hipóteses de expansão ou de combinação virtuosa com uma aerogare de segunda categoria, conhecidas como são as restrições aeronáuticas no espaço aéreo da grande Lisboa e a lógica operacional das companhias de aviação civil.
A percepção de que a Portela tinha um prazo de validade limitado tem mais de 40 anos.
Ainda antes do 25 de Abril, foi identificada a necessidade de construção de um novo aeroporto. As vicissitudes do processo democrático iniciado em 1974 acabariam por protelar o projecto, arrastando-o num carrossel de interesses e desinteresses, estudos e reformulações, a que as frequentes descontinuidades governativas e os objectivos político-partidários de curto prazo não foram alheios.
O desafio, mais do que incremental, é estratégico. As infra-estruturas aeroportuárias são essenciais, quer para o desenvolvimento turístico quer para o tráfego internacional de mercadorias, e Lisboa possui as condições certas para se transformar num dos principais hubs entre a Europa e o Atlântico Sul.
Perderam-se dezenas de anos a discutir localizações e interesses (como se eles não estivessem sempre presentes em qualquer situação, inclusive no status quo!), enquanto os nossos vizinhos espanhóis foram robustecendo a sua rede aeroportuária, atónitos perante a indecisão portuguesa.
Esperamos que o novo aeroporto não chegue tarde demais.
4. No caminho-de-ferro, o panorama é semelhante.
Lisboa e Madrid deverão estar ligadas por TGV. Não por imperativo estético, mas pela absoluta necessidade de não ficarmos de fora da rede europeia de alta velocidade, a bem da mobilidade dos cidadãos (a actual ligação demora nove horas!) e da fluidez no transporte de mercadorias. Além do mais, é provável que a procura supere as previsões correntes.
O TGV é hoje um caso de sucesso em toda a Europa, designadamente em Espanha, onde se verificaram surpreendentes externalidades positivas ao nível do desenvolvimento regional e do descongestionamento das grandes urbes.
O Norte de Portugal, onde se concentra grande parte da actividade empresarial do País, não pode deixar de beneficiar desse potencial de desenvolvimento. O trajecto ferroviário Lisboa-Porto, com as suas inadmissíveis 2.45 horas de duração, é um constrangimento de peso. Não existe nenhum outro caso na Europa ocidental onde as duas principais cidades estejam ferroviariamente tão afastadas no binómio tempo-distância.
Sendo certo que as questões fulcrais e visivelmente irresolúveis residem no actual traçado e no transporte de mercadorias, as quais afectam negativamente aquele binómio, a maior ou menor potência das locomotivas é um problema secundário.
Do que não duvidamos é que urge aproximar Lisboa do Porto e o País, como um todo, da Europa.5. É certo que as apostas estratégicas devem ser reflectidas em todas as suas vertentes e tendo em conta todas as suas implicações, entre as quais a componente do financiamento e da sustentabilidade financeira a longo prazo.
Sem dúvida que os montantes envolvidos implicam encargos avultados ao longo de muitos anos. Mas não é menos verdade que os mesmos têm como contrapartida activos de importância capital que serão deixados às futuras gerações, tornando Portugal melhor e mais competitivo.Como todas as apostas estratégicas, também estas devem ser sujeitas, no seu desenvolvimento e execução, a um rigoroso escrutínio, não só de carácter técnico e económico, mas também político, através da Assembleia da República e demais órgãos competentes.
Admitimos, inclusive, que o seu desenvolvimento integrado, suportado por um sistema de coordenação eficaz, possa ser objecto de reajustamentos técnicos e de um faseamento ordenado, face às disponibilidades orçamentais e à evolução da situação financeira do País. Mas não aceitamos a discussão permanente e a indecisão.
Por tudo isto, sentimos o dever de dizer presente neste debate tão essencial para a construção do futuro de Portugal.
Porque pensamos que o progresso não se consegue apenas com apelos à prudência e à parcimónia.
Porque pensamos que é necessário ter a coragem e o arrojo de ir mais além na criação de oportunidades de desenvolvimento do País.
Parar é sacrificar o futuro.
Alípio Magalhães
Almerindo Marques
Aníbal Campos
António Mendonça
António Romão
Carlos Correia da Fonseca
Emídio Rangel
Fernando Freire de Sousa
Filipe Soares Franco
Francisco Murteira Nabo
Ivo de Pinho
João Abel de Freitas
João Carvalho
João Confraria
João Figueira de Sousa
João Pargana
Jorge Armindo
Jorge Landeiro Vaz
José Consiglieri Pedroso
José Maria Brandão de Brito
José Penedos
Júlio Rendeiro
Luís Nazaré
Manuel Ennes Ferreira
Manuel Farto
Manuela Silva
Miguel Henriques
Norberto Pilar
Sérgio Figueiredo
Sérgio Palma Brito
Victor Martins

Um País...Quatro Manifestos...

UMA CULTURA PARA O SÉCULO XXI

1. A atenção dispensada ao sector da cultura pela agenda política e governamental tem-se em geral caracterizado, desde o 25 de Abril de 1974, pelo menosprezo e pela inconsistência, apesar dos imperativos claramente expressos na Constituição. Ao longo dos últimos 35 anos, dificilmente se conseguirá identificar um programa de actuação planeado, coerente e capaz de dignificar a cultura portuguesa de acordo com um projecto claro e sustentado. A única tentativa de o levar a cabo de forma consequente ocorreu entre os anos de 1995 e 2000, sendo ainda hoje a solitária excepção à regra.

2. Foi também esse o período em que a cultura portuguesa assumiu uma vincada marca de cosmopolitismo, simultaneamente direccionada para o intercâmbio com os demais países de expressão lusófona e com os nossos parceiros da União Europeia, vindo este último movimento a traduzir-se na criação de um Plano Operacional da Cultura que então triplicou as habituais dotações orçamentais da UE para esta área, sendo assumido como um eixo decisivo de um programa de desenvolvimento equilibrado para o nosso país. O período de vigência desse plano concluiu-se em 2006, e lamentavelmente o POC foi extinto. Entretanto, as ambições do QREN que lhe sucedeu - 2007-2013 -pareceram esgotar-se na miragem de um horizonte tecnológico.

3. Nos últimos 10 anos tem sido sucessivamente prometido como horizonte realista para o financiamento do sector da Cultura a meta de 1% do Orçamento Geral do Estado. No entanto, essa meta nunca foi cumprida e está hoje mais distante e inatingível do que em finais do século passado. Como inevitável consequência de tal estado de coisas, as políticas e estratégias para a cultura desceram ao nível zero, apesar do dinamismo e da qualidade dos agentes no terreno. Do programa de governo publicado há quatro anos destacam-se excelentes propostas que nunca foram cumpridas; da acção do governo nesta área destaca-se o episódico anúncio de iniciativas nunca antes propostas. A decepção é geral.

4. Com efeito, o decréscimo de investimento na área da Cultura, não gerando qualquer poupança significativa aos cofres de um estado que se mostra pródigo e perdulário perante outros sectores económicos, como exemplos recentes demonstram, aumenta significativamente os custos da ignorância, da insociabilidade, do isolamento e do correspondente atraso estrutural. Pois a Economia da Cultura raramente é discutida, ou sequer pensada, nas suas mais óbvias e elementares consequências: quanto custa o desprezo pelo património, a indefinição de uma política museológica, a insegurança das carreiras artísticas, a indecisão de objectivos e prioridades, a errância das políticas?

5. A Cultura não é decoração ou ornamento. É produção de saber e de sentido, é formação da percepção e da sensibilidade, é a condição e o resultado da Educação. É ao mesmo tempo um penhor do passado, uma via para o futuro e um diálogo entre todos os tempos. É factor de dinamização e de coesão social. É aquilo que estrutura os valores e a identidade nacional – uma identidade que é necessariamente forjada no contacto, por vezes até no conflito, com outras identidades, e que tem portanto de ser permanentemente reinventada. É esse o contínuo labor de quem trabalha nesta área, onde a ideia de serviço público encontrará porventura a sua melhor expressão.

6. Não cabe ao mercado suprir as funções do Estado. Sem uma intervenção responsável do Estado, que seja simultaneamente estrutural e estratégica, não pode existir uma política cultural digna desse nome: a defesa do património, o apoio à criação e à internacionalização, a garantia da diversidade, o direito à plena fruição cultural, não podem ser deixados ao sabor das flutuações ou constrangimentos do mercado. E, sobretudo, não podem confundir-se os produtos do mercado com a salvaguarda e dinamização de uma cultura identitária e criativa. Sem uma estratégia para a Cultura, não há uma estratégia para o país.

7. A Cultura é por isso demasiado importante para que possa ser impunemente entregue à casuística e às decisões tomadas ao sabor das circunstâncias. Uma política cultural digna desse nome tem de ser orientada por princípios de racionalidade e por uma estratégia independente das contingências eleitorais. Por conseguinte, as propostas políticas para o sector da Cultura não deveriam ser gizadas com vista a uma mera disputa eleitoral. Elas têm de ser orientadas por objectivos mais abrangentes, públicos e visionários.

8. Uma política cultural digna desse nome deve – até por imperativo constitucional – permear todas as restantes áreas de acção do Governo. Não pode reduzir-se a intervenções casuísticas relacionadas com o Turismo ou a Economia, e muito menos estar subordinada à lógica destas. Exige, pelo contrário, uma articulação persistente e ágil, especialmente com o sector da Educação, cujas batalhas nunca serão ganhas sem a participação plena da Cultura em todos os graus de ensino e de aprendizagem.

9. Acresce que, especialmente em épocas de crise, a Cultura pode ser uma área prioritária de investimento. Para tal, o país dispõe de excepcionais recursos humanos, acrescidos todos os anos, e que estão subaproveitados e desalentados. Dispõe também de uma rede de equipamentos recentes que devem promover a descentralização, o multiculturalismo e a internacionalização. O que falta é uma orientação sagaz, actual e determinada, que corrija os retrocessos dos últimos anos e entenda a pertinência estratégica desta área com uma visão prospectiva e capacitante. Caso contrário, todos os magros factores de riqueza se transformarão quotidianamente em desperdício.

10. No campo do cinema e do audiovisual, por exemplo, o que sempre persistentemente se exigiu aos diferentes governos foi a implementação de políticas activas no sector que, no campo da produção, defendam a natureza e especificidade da criação portuguesa e, na distribuição, os interesses dos espectadores portugueses, os quais devem ter acesso a uma imagem diversificada do que é a produção internacional nesta área. No presente, isso passa inevitavelmente pelo reforço da sustentação financeira do sector, reequacionando o papel da televisão pública e do sector das telecomunicações, também ele distribuidor cinematográfico. Uma articulação estratégica dos sectores da cultura e da comunicação é, hoje, um imperativo incontornável.

11. No campo do livro e da leitura, face às profundas alterações do mercado, é urgente respeitar a periodicidade da revisão das leis do Preço Fixo do Livro e da Cópia Privada, reavaliar a questão do Porte Pago dos livros e da incidência fiscal sobre os mesmos, criar condições para que a exportação de livros para os países de língua portuguesa se torne praticável, internacionalizar as obras dos autores portugueses mantendo o programa de apoio à tradução de autores portugueses para línguas estrangeiras e reforçando a presença da DGLB e do Instituto Camões nas principais feiras do livro internacionais com a indispensável articulação com os organismos do Ministério da Economia, fortalecer o orçamento e a acção do Plano Nacional de Leitura e da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas, e apoiar decisivamente a modernização e o alargamento da rede livreira tradicional e das livrarias independentes, também, nestes últimos objectivos, em conjunção estreita com as outras responsabilidades nestes sectores, nomeadamente o Ministério da Educação, o Ministério dos Assuntos Parlamentares, as Autarquias, o Ministério das Finanças e o Ministério da Economia.

12. No campo do património e da museologia, o Governo multiplicou-se em intenções tão variadas como discricionárias, de resto inexplicavelmente repartidas por várias tutelas, sem inscrição nem no programa do governo nem numa política adequada ao sector, assistindo-se, também aqui, a uma desorçamentação cada vez mais grave, que ilude a noção de que os museus têm de continuar a ser lugares de elaboração de saber, científico, museológico e educativo. Por outro lado, a reorganização de serviços e competências gerou novos e graves problemas, como no caso da dissolução das responsabilidades da extinta Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais entre o IGESPAR e as várias delegações regionais de cultura. O Estado está a perder os contributos de uma geração de técnicos altamente capacitados e demorará décadas a repor esta alienada capacidade de planeamento, gestão, fiscalização e acompanhamento operacional. O meritório esforço de diversas autarquias esbarra assim na incapacidade do Ministério da Cultura para articular e superiormente representar as dinâmicas em presença, quer em relação à Rede Portuguesa de Museus, quer à salvaguarda e valorização dos patrimónios edificados e dos centros históricos. Nem os monumentos consagrados como Património Mundial pela Unesco têm escapado a este generalizado demissionismo. Agora, com a alteração proposta de um novo Regime Geral dos Bens do Domínio Público, entregam-se aos privados desmesuradas responsabilidades na gestão da salvaguarda de bens patrimoniais classificados, competências e garantias que são, e deverão continuar a ser, estruturalmente do Estado.

13. O panorama não é mais animador no campo das artes performativas, sistematicamente suborçamentadas e dependentes de orientações erráticas e inconsequentes, mas agora também sujeitas a uma inédita burocratização de processos – em tudo contrária, de resto, à desburocratização apregoada pelo governo para outros sectores. Continua ainda por definir um estatuto das carreiras artíticas que concilie a precariedade e a mobilidade inerentes a essas actividades com o reconhecimento de um estatuto profissional adequado e um são relacionamento com a Segurança Social. Mas as artes precisam de mais: carecem de uma intervenção estratégica que as conceba como lugares de invenção e experimentação – com todos os riscos que isso comporta –, mas que o mesmo tempo entenda o seu valor na formação, na educação, na coesão social. A sua circulação e divulgação, particularmente nos demais países lusófonos, nunca foi tão escassa, é urgente contrariar este estado de coisas.

14. E entretanto nunca se convocou, desde 2000, o Conselho Nacional de Cultura, instrumento indispensável de governação competente e democrática, prevista na lei orgânica do ministério e onde estão representados os consumidores, as fundações, e as autarquias, além de diversas e eminentes personalidades da cultura portuguesa.

15. É assim urgente que seja considerado um imperativo nacional, naturalmente trans-partidário, que a Cultura tenha no seu Ministério o exemplo da sua indiscutível dignidade. É exigível que se redefina e se dê finalmente conteúdo a uma verdadeira Política Cultural, que se estabeleçam objectivos, clarifiquem funções, assumam responsabilidades e metas. E que o discurso politico, em vez de as fomentar – pela sua gaguez ou pelo seu excesso retórico – estanque o cíclico uso e abuso de “novidades” e de “anúncios” que apenas desresponsabilizam em relação à necessária maturação dos meios de produção, de criação, de circulação e de consumo culturais.

16. Desafiamos pois os partidos e as organizações políticas a que, no período eleitoral que se avizinha e nos programas que venham a apresentar a sufrágio, avancem propostas claras sobre estes temas, que necessitam de ser pensados, não sob a pressão de circunstâncias efémeras, mas com uma autêntica visão de futuro.

17. Os signatários, unidos por estes princípios e preocupações, animados por um genuíno pluralismo e pela convicção da crescente importância das actividades culturais no actual contexto de crise financeira, económica e de valores, irão suscitar o debate público em torno destes problemas, procurando alargar a reflexão acerca deles e tendo em vista a refundação das políticas culturais do Estado Português.

SIGNATÁRIOS:

Adolfo Luxúria Canibal, cantor
Ágata Mandillo, actriz
Alberto Seixas Santos, realizador
Alice Vieira, escritora
Amílcar Dias, compositor
Ana Maria Pereirinha, editora
Ana Tostões, arquitecta
António Escudeiro, realizador
António Pinho Vargas, compositor
António de Sousa Dias, compositor
Antonino Solmer, actor e encenador
Ângela Pinto, actriz
Artur Fernandes, músico e compositor
Beatriz Batarda, actriz
Carlos Alberto Augusto, compositor
Carlos da Veiga Ferreira, editor
Carlos Pimenta, actor e encenador
Catarina Alves Costa, realizadora
Catarina Mourão, realizadora
Catarina Portas, empresária
Cristina L. Duarte, socióloga
Eduardo Pitta, escritor
Elvis Veiguinha, músico
Emanuel Frazão, gestor das artes /compositor
Emília Silvestre, actriz
Fernando Lopes, realizador
Fernando Mora Ramos, actor e encenador
Fernando Pêra, gestor das artes
Fernando Pinto do Amaral, escritor
Fernanda Fragateiro, artista plástica
Gabriel Gomes, músico e compositor
Gastão Cruz, escritor
Graça Morais, pintora
Hélder Teixeira e Sousa, gestor das artes
Inês Pedrosa, escritora e directora da Casa Fernando Pessoa
Isabel Soveral, compositora
João Botelho, realizador
João Brigola, Universidade de Évora
João Canijo, realizador
João Fiadeiro, coreógrafo
João Henriques, técnico de voz e de elocução
João Madureira, compositor
João Mário Grilo, realizador
João Paulo Cotrim, jornalista e escritor
João Reis, actorJoão Rodrigues, editor
João Salaviza, realizador
Joaquim Benite, encenador
Jorge Custódio
Jorge Pereirinha Pires
Jorge Pinto, actor
Jorge Salavisa, director do Teatro Municipal São Luiz
José Aguiar, presidente do ICOMOS
José Carlos Almeida de Sousa, compositor
José Carlos Alvarez, teatrólogo
José F. Pinheiro, realizador
José Luís Ferreira, compositor
José Miguel Rodrigues, Fac. de Arquitectura da Univ. do Porto
Luís Miguel Cintra, actor e encenador
Luís Raposo, arqueólogo
Luís Represas, cantor
Luís Soares Carneiro, Fac. de Arquitectura da Univ. do Porto
Manuel Alberto Valente, editor
Manuel Rosa, editor
Margarida Cardoso, realizadora
Maria João Mayer, produtora
Maria João Seixas, jornalista
Maria do Rosário Pedreira, editora
Mário Barradas, encenador
Mário de Carvalho, escritor
Miguel Azguime, compositor
Né Barros, coreógrafa
Nuno Júdice, escritor
Nuno M. Cardoso, encenador
Nuno Peixoto de Pinho, compositor
Olga Roriz, coreógrafa
Patrícia Reis, escritora
Patrícia Sucena, compositora
Paula de Castro Guimarães, gestora das artes /compositora
Paulo Branco, produtor
Paulo Ferreira-Lopes, compositor
Paulo Ribeiro, coreógrafo
Paulo Rocha, realizador
Paulo Trancoso, produtor
Pedro Abrunhosa, músico e compositor
Pedro Amaral, compositor
Pedro Caldeira Cabral, músico e compositor
Pedro Carneiro, músico e compositor
Pedro Rebelo, compositor
Pedro Rocha, compositor
Pedro Tamen, escritor e tradutor
Perseu de Azevedo Mandillo, realizador
Raquel Henriques da Silva, historiadora
Ricardo Pais, encenador
Rita Blanco, actriz
Rui Jorge Garcia Ramos, Fac. de Arquitectura da Univ. do Porto
Rui Pereira, gestor das artes
Rui Penha, compositor
Sara Carvalho, compositora
Serge Tréfaut, realizador
Sérgio Godinho, cantor e compositor
Suzana Borges, actriz
Teresa Gafeira, actriz
Teresa Villaverde, realizadora
Tomás Henriques, compositor
Vera Mantero, coreógrafa
Violeta Barradas, economista e gestora das artes
Walter Rossa, Fac. de Arquitectura da Univ. de Coimbra

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Mau Humor com Bom Humor se Paga...ainda a "boca" da Ministra.

(Com a devida vénia ao blog do Antero Valério, o "anterozoide" ( http://antero.wordpress.com/ ))

A "lição" surrealista da srª Ministra da Educação

Comentando os resultados dos exames, o Ministério da Educação, pela voz da Ministra, revelou mais uma vez toda a arrogância surrealista que tem sido a sua marca de água ao longo destes quatro anos.
Justificando a radical descida dos resultados médios da Matemática A, comparativamente com os mesmos resultados do ano anterior, aquela responsável governativa veio a público culpar a comunicação social pelo sucedido, por esta ter difundido a “ideia de que os exames eram fáceis” , levando os alunos a investir menos no trabalho e no estudo.
Valter Lemos acrescentou ao rol mais “culpados”: a Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM), liderada por Nuno Crato, e “partidos e pessoas com responsabilidades políticas”, que terão contribuído, com as suas críticas, para desincentivar o “estudo e o trabalho”.
Ou seja, segundo o ministério, na sua visão surrealista do mundo escolar, os alunos lêem avidamente as páginas dos jornais de referência e as comunicações da SPM, condicionando a qualidade do seu estudo pelas opiniões aí expressas.
Esta equipa ministerial, sempre rápida em vangloriar-se de qualquer pequeno êxito (geralmente apenas através de manipulação estatística), procurando apresentá-lo como resultado da sua política educativa, revelou agora uma avidez em encontrar responsáveis e descartar-se de responsabilidade própria, numa tentativa desesperada de escamotear o modo como esses resultados revelam o falhanço dessas mesmas políticas.
A preocupação em desviar as atenções do que aconteceu no ano passado com as notas médias de matemática, essa sim uma situação anómala, fez com que aqueles responsáveis se tenham esquecido de um argumento que até lhes podia ser favorável, que é o facto de, pela primeira vez, a média a matemática, consecutivamente neste três últimos anos, ter deixado de ser negativa, passando a positiva.
Discutir dois valores a mais ou a menos e procurara responsáveis externos para essas variações, não só revela a obsessão estatística desta gente, como o desnorte que reina pela 5 de Outubro.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Romale - Projecto fotográfico de João Paulo Barrinha

Está patente ao público, na Cooperativa de Comunicação e Cultura, em Torres Vedras, a exposição fotográfica de João Paulo Barrinha, dedicada ao projecto "Romale".
João Paulo Barrinha é um dos mais criativos fotógrafos nacionais, que só tem um defeito, que é o de viver em Torres Vedras, longe das luzes da ribalta.
Se quiserem confirmar o que eu digo, consultem o seu blogue, "abllau", onde podem ver a apresentação daquela exposição, mas também outros trabalhos fotográficos da sua autoria:
http://abllau.blogspot.com/2009/07/romale.html

Na despedida de Michael Jackson

Das muitas fotografias publicadas pela imprensa mundial nos últimos dias, referantes às muitas homenagens prestadas pelos fãs de Michael Jackson ao seu ídolo falecido, seleccionamos as cinco seguintes, neste dia em que o mundo se despede do musico:
(Arard Wiegmann/Reuters)

(Reuters)



(John Snierciak/AP)


(Seth Wenig/AP)



(AP)


segunda-feira, 6 de julho de 2009

Há 80 anos - Primo de Rivera elabora uma Constituição para a sua ditadura

Notícia da instauração da ditadura por Primo de Rivera (Setembro de 1923)


Instaurada em Espanha a 13 de Setembro de 1923, a Constituição da Ditadura de Primo de Rivera foi elaborada pelo ditador espanhol em 6 de Julho de 1929, passam hoje 80 anos.
A propósito dessa efeméride divulgamos hoje um estudo, publicado por nós na revista História, em 1998, sobre as “Relações Luso-espanholas durante a Ditadura de Primo de Rivera”, que durou entre Setembro de 1923 e Janeiro de 1930.
É objectivo deste texto fazer um balanço do que se conhece àcerca das relações entre Portugal e Espanha durante o período em que durou essa ditadura .
Grande parte das obras que se têm escrito àcerca das relações entre Portugal e Espanha ao longo deste século, debruçam-se geralmente sobre o período que em Portugal corresponde ao regime do "Estado Novo" e principalmente à fase da guerra civil de Espanha.
Com raras excepções, as referências a essas relações no período em que vigorou a ditadura de Primo de Rivera (1923-1930), são analisadas ou de forma superficial, ou esbatendo-se no estudo mais geral dessas relações, ora centrando-se no período republicano, ora no período da ditadura militar portuguesa instaurada em 28 de Maio, dividindo quase sempre o relacionamento com a ditadura de Primo de Rivera em dois períodos descontínuos, "antes e depois" do 28 de Maio.Apenas no estudo de Hipólito de La Torre Goméz, citado na bibliografia anexa, o período referido é abordado em bloco.
Baseando-se exclusivamente em fontes secundárias, pretende-se aqui fazer um ponto da situação sobre as relações luso-espanhola no período referido, procurando relançar algumas questões em aberto para a sua compreensão e encontrar, numa época que correspondeu em Portugal ao final de um regime e ínicio de outro, o modo como a situação política interna portuguesa marcou ou não rupturas ou continuidades nesse relacionamento.


OS ANTECEDENTES - RELAÇÕES LUSO-ESPANHOLAS ENTRE O FINAL DA MONARQUIA PORTUGUESA E A INTAURAÇÃO DA DITADURA EM ESPANHA.

No início do século XX uma das principais preocupações da diplomacia portuguesa centrou-se na crescente aproximação entre a Espanha e a Inglaterra, revelada ao mais alto nível quando Afonso XIII e Eduardo VII se encontraram em Cartagena no ano de 1907.
Tal situação motivou a insistência do governo português junto do inglês para que este confirmasse os seus compromissos históricos com Portugal.
A Inglaterra confirmou a Portugal que o entendimento com Espanha visava apenas "manter o "statu quo" na região do Mediterrâneo ocidental - era Marrocos e a possível penetração alemã que estavam em causa- sem que se tivesse estabelecido entendimento algum entre a Espanha e a Grã-Bretanha que prejudicasse Portugal" (FERREIRA, Medeiros, ob.cit., p.24).
Contudo a preocupação portuguesa era fundamentada, pois hoje sabe-se que o almirantado britânico defendia que a aliança mais importante era com a Espanha : "As pretensões alemãs sobre Marrocos estavam então bem presentes e o Norte de África revelou-se bastrante mais importante para as potências europeias do que a África Negra" (FERREIRA, Medeiros, ob.cit., p.24).
Entre 1907 e 1913 a diplomacia espanhola desenvolveu uma série de iniciativas de aproximação aos países da "Entente", destacando-se o acordo hispano-francês de 1912 e, no ano seguinte, a visita triunfal de Afonso XIII a Paris.
Estabelecendo "as mesmas alianças extra-peninsulares " de Portugal, a Espanha contribuiu para a "desvalorização da posição estratégica e política de Lisboa", face a Paris e Londres.(FERREIRA, Medeiros, ob. cit., p.24).
A proclamação da República portuguesa em 1910 foi outro factor que contribuiu para a aproximação da Espanha e da Grã-Bretanha, tendo o monarca espanhol efectuado, entre 1910 e 1912 , "inúmeras viagens a Londres para discutir a possibilidade de uma intervenção espanhola em Portugal, com o pretexto da anarquia em Lisboa" (FERREIRA, Medeiros, ob.cit., p.27).
A partir daquela data o monarca espanhol vai passar a intervir, mesmo que de forma indirecta, na política interna portuguesa, apoiando e protegendo os monárquicos portugueses que, refugiados em território espanhol, prepararam as incursões monárquicas de Outubro de 1911 e Julho de 1912.
Contudo o fracasso das tentativas restauracionistas, as desavenças internas dos monárquicos portugueses e as próprias pressões inglesas junto do governo espanhol, terão contribuido para diminuir a hostilidade espanhola em relação à República portuguesa: "o reconhecimento da República por parte da Inglaterra, após as eleições para as constituintes republicanas, no verão de 1911, veio facilitar a melhoria nas relações entre Lisboa e Madrid, pois seria a partir do reconhecimento formal do regime britânico, a 11 de Setembro de 1911, que logo, e de imediato, "precipitaram" outros actos formais de reconhecimento por parte de uma série de potências europeias : Espanha, Alemanha, Áutria-Hungria, Itália" (OLIVEIRA, César, Cem Anos..., p.21).Londres temia principalmente a instabilidade política da península.
A acção do embaixador de Portugal em Madrid, José Relvas, terá sido igualmente determinante, tendo conseguido que o governo espanhol pusesse "termo às facilidades permitidas" aos "exilados monárquicos em Setembro de 1912, obrigando mesmo muitos a abandonar o território espanhol" (FERREIRA, ob.cit., p.28).
Tal melhoria no relacionamento entre os dois estados não obstou a que Afonso XIII espreitasse uma oportunidade para intervir em Portugal.
A entrada de Portugal na 1ª Guerra ao lado dos aliados permitiu uma aparente recuperação do peso de Portugal, face à Espanha, no relacionamento com a Grã-Bretanha.
Para tal situação não contribuiu apenas o intervencionismo português mas, talvez principalmente, o conjunto de condições impostas por Espanha para intervir na guerra ao lado dos aliados.Pedia este país, como compensação, Tânger, Gibraltar e "Mão livre em Portugal", de acordo com um documento datado de 1917 do Foreign Office inglês: "(...) as exigências de Afonso XIII, nomeadamente a de ter as mãos livres em relação a Portugal, terão levado o governo inglês a prescindir da colaboração espanhola durante a 1ª Guerra Mundial e a preferir a neutralidade de Madrid" (FERREIRA, Medeiros, ob. cit., p.33).
Contudo, a conferência de Paz, iniciada a 28 de Abril de 1919, depressa se revelou frustrante para Portugal.Começou logo quando o presidente dos Estados Unidos propôs a nomeação da Espanha como um dos quatro membros do Conselho Executivo da Sociedade das Nações, motivando os protestos do representante português a essa conferência, Afonso Costa.
Outra reivindicação portuguesa em relação à Espanha era a recuperação de Olivença, mas também esta pretensão nunca foi aceite."Portugal que fora beligerante não consegue readquirir Olivença à Espanha e não faz parte do Conselho Executivo da Sociedade das Nações!" (FERREIRA, Medeiros, ob.cit., p.38)
Mas não se ficou por aqui o "vexame" de Portugal.Os aliados revelaram igualmente preferência pela Espanha no domínio dos investimentos económicos, beneficiando a modernização do porto de Vigo com capitais norte-americanos, ameaçando os interesses portugueses neste domínio.
"O tratamento dado pelas grandes potências vencedoras (...) a Portugal e a Espanha foi favorável a este último país e pôs termo, quiçá de forma súbita e inesperada para os paladinos republicanos que advogaram as vantagens e benefícios da participação portuguesa na Guerra, às pretensões de hegemonia portuguesa na representação ibérica junto das potências vitoriosas"(OLIVEIRA, César, Cem Anos..., p.25).
Se aparentemente, no pós-guerra, a Espanha bateu Portugal no plano das relações internacionais, foi a partir de 1919 que o nosso vizinho ibérico abandonou definitivamente a vontade de intervir em Portugal, iniciando uma política de respeito, amizade e aproximação, iniciando-se, nas palavras de Torre Goméz, "um abrandamento positivo" no estado de tensão entre as nações ibéricas.(GÓMEZ,Torre,ob.cit., p.11)
Para tal situação muito terá contribuido a derrota definitiva do sonho de restauração monárquica, na "guerra civil", provocada pela instauração da chamada "Monarquia do Norte", entre 19 de Janeiro e 13 de Fevereiro de 1919.
Aliás, esses acontecimentos marcaram a última tentativa séria de intervenção espanhola na política interna portuguesa, tendo aquele país procurado aproveitar a sua posição privilegiada na Sociedade das Nações para obter luz verde numa acção dessas, "tendo em vista assegurar a estabilidade e, eventualmente, a restauração da Monarquia" (OLIVEIRA, César, Cem Anos...,p. 26).
Mas também as crescentes preocupações político-militares com que a Espanha se confrontava no Norte de África, cuja situação se agravou a partir de 1920, contribuiu para essa nova postura. Entre procurar salvar o que tinha nesse território e meter-se numa aventura em Portugal, de efeitos imprevisíveis, os espanhóis optaram pelo caminho mais seguro.
Não se pode igualmente pôr de lado, para explicar a mudança de atitude do nosso vizinho ibérico, o facto de a Espanha se sentir agora mais segura, face a Portugal, na esfera internacional, após as vitórias obtidas na conferência de paz.
Por sua vez a Espanha podia substituir as suas pretensões de domínio político-militar sobre Portugal por uma mais subtil tentativa de domínio económico, bem patente na entrevista concedida pelo monarca espanhol, em Setembro de 1922, ao "Diário de Notícias", onde, depois de sugerir vários temas para uma discussão entre as duas nações (vias férreas, pescas, problemas cambiais, tratado de comércio, melhoria das ligações ferroviáris), lançava a ideia de um grande empréstimo espanhol a Portugal (entrevista citada por Medeiros Ferreira, ob. cit, pp.34-35).

A DITADURA DE PRIMO DE RIVERA

Em 13 de Setembro de 1923, por golpe de Estado, o general Primo de Rivera instaurava em Espanha uma ditadura militar.
Filomeno da Câmara, um dos militares que mais se destacou no conjunto de iniciativas militares para instaurar uma ditadura militar em Portugal, que culminaram no 28 de Maio, explicava, do seguinte modo, a origem daquele regime, em prefácio datado de Agosto de 1926, para a obra de António Ferro "Viagem à Volta das Ditaduras" :
"A agitação comunista de Barcelona, as aspirações separatistas da Catalunha, o movimento republicano e o problema de Marrocos, tornavam um conjunto de graves problemas nacionais, para cuja resolução impertinentemente se revelavam incapazes os desacreditados partidos do constitucionalismo liberal e parlamentarista, a cuja sombra, senão por agência, medrava a corrupção administrativa" (Viagem à volta..., pp. 33 e 34).
Situação comum à que se passava na maior parte das nações europeias desse período, era o receio das classes médias perante o exemplo da revolução bolchevique de 1918 e a incapacidade das democracias parlamentares em enfrentar a crescente agitação social "que promovia o crescimento das forças operárias que viam na Revolução Russa vitoriosa e duradoira um exemplo a seguir" (OLIVEIRA, César, Cem Anos..., p.24).
As consequências da guerra sobre a economia de todas as nações europeias, mesmo entre as que se haviam mantido neutrais, explicam em parte as graves tensões sócio-económicas que então se registaram, tendo atigido um ponto alto em Espanha com a greve geral de 1917, que na Catalunha gerou um clima pré-insurreicional, unindo republicanos e nacionalistas catalães.Toda a Espanha, de 1917 a 1923, viveu num clima de instabilidade crescente.Em cerca de sete anos foram empossados 13 governos diferentes.
Mas uma outra causa terá tido um peso significativo: O conflito no Norte de África, no territótio do Rif, em Marrocos, onde, desde 1920, as populações resistiam militarmente, e de forma organizada, ao domínio espanhol, unidos à volta de Abd-el-Krim, que em 1921 conseguiu infligir ao exército espanhol uma pesada derrota em Annual (o chamado "Desastre de Annual").
"As tribos de Abd-el-Krim causaram mais de 12.00 baixas e apoderaram-se de 14.000 fusis. 1.000 metralhadoras e 115 peças de artilharia. Em poucos dias perderam-se 5.000 kilómetros quadrados e a própria Melilla esteve em perigo".(PANIAGUA,Javier, ob.cit., pp.66 e 67)
Essa tremenda derrota abalou o poder político de Madrid e dividiu os militares sobre a solução a seguir.
A historiadora espanhola Genoveva Queipo de Llano acentua o peso da questão marroquina como causa do golpe de Estado de Primo de Rivera, o qual, na sua opinião, não "foi produzido por medo da revolução, mas pela incapacidade do próprio sistema parlamentar, num momento em que a derrota de Marrocos dava uma especial relevancia ao Exército" (QUEIPO DE LLANO,Genoveva,ob.cit., p.4).
Quanto aos apoios do ditador, António Ferro, no seu modo peculiar, resumia-os do seguinte modo:
"Primo de Rivera tem a Espanha a seu lado, a Espanha disciplinada, a Espanha solarenga da província, a Espanha que não lamenta a ausência da liberdade porque nunca abusou dela...A Espanha que precisa de assunto para conversar nos cafés não gosta de Primo de Rivera(...)"(FERRO,António, Viagem à volta..., p.227).
O novo regime foi, no seu início, apoiado por vários sectores de Espanha:"Na imprensa madrilena dos dias imediatamente posteriores ao 13 de Setembro é bem perceptivel uma clara popularidade de Primo de Rivera, exceptuando na de tendência republicana, que mostra algumas reticencias. Nenhum político destituido pelo golpe o condenou de forma imediata. Os socialistas apareceram em posição expectante, e não mostraram qualquer apoio à classe política que havia sido afastada. Quanto ao restante movimento operário, os comunistas naquele momento tinham uma força muito reduzida, e os anarquistas por causa do terrorismo, tinham uma força escassa. Entre o mundo intelectual, que com o passar do tempo se converteria na mais clara oposição ao regime primorriverista, apenas Unamuno, Azaña e Pérez de Ayala se mostraram desde o principio de forma inequívoca contra o ditador"(QUEIPO DE LLANO,Genoveva, ob.cit., p.6).
Não é nosso propósito analisar a evolução da ditadura espanhola, mas apenas contribuir para perceber a sua origem e encontrar nela, não só algumas razões para o relacionamento que teve com Portugal, como o fascínio que exerceu sobre alguns sectores polítio-sociais e intelectuais portugueses.
Nesta perspectiva penso ser ainda de abordar uma última questão que o assunto suscita- a inevitável comparação entre o regime de Mussolini, que tinha chegado ao poder no ano anterior, e o de Primo de Rivera.
O ditador espanhol era admirador de Mussolini, mas desde logo se revelou diferente na sua acção e no seu estilo.
Mesmo os simpatizantes portugueses desses dois regime se aperceberam desde logo das diferenças.
Para Filomeno da Câmara, no texto acima citado, a ditadura de Primo de Rivera não era um "movimento popular contra-revolucionário como o da Itália, no qual o exército regular não tomou parte. Daí a falta de atmosfera, a indiferença duns e a hostilidade de outros, que o golpe de Estado encontrou no seu início.
"Primo de Rivera não é um homem espectaculoso nem foi em qualquer fase da sua vida jornalista incendiário ou orador subversivo como Mussolini"(ob.cit., p.34).
Para António Ferro "Primo de Rivera, amado pela Espanha, é uma figura popular que não tem popularidade...o ditador confunde-se demasiado com a turba, anda poucas vezes de automóvel, dança no Ritz, janta no Palace, frequenta os teatros baratos, os teatros do povo..." (FERRO, Viagem..., p228).
Nota a historiadora Genoveva Queipo de Llano que os verdadeiros fascistas espanhois consideravam a ditadura demasiado prosaica e pouco moderna (ob.cit., p.12).

AS RELAÇÕES DA DITADURA ESPANHOLA COM A REPÚBLICA PORTUGUESA(1923-1926)

Quando Primo de Rivera assumiu o poder, em Portugal era Presidente da República Manuel Teixeira Gomes, recentemente eleito pela câmara dos deputados, a 6 de Agosto de 1923, tendo derrotado Bernardino Machado, o candidato apoiado pelo recém criado (em Abril desse ano) Partido Nacionalista.
Manter-se-ia no cargo até renunciar em 11 de Dezembro de 1925, sendo substituido pelo seu rival Bernardino Machado, último presidente da Primeira República.
Teixeira Gomes era um diplomata experiente, tendo sido nomeado nosso representante junto do governo de Londres, logo em 1911, ainda pelo governo provisório, cargo que ocupou até ser demitido, e preso à sua chegada a Portugal, por Sidónio Pais , em Janeiro de 1918.
Após a derrota da "Monarquia do Norte" volta a ser nomeado para uma missão diplomática, desta vez como ministro português em Madrid, cargo que exerceu por pouco tempo, entre Fevereiro e Abril de 1919, sendo de novo transferido para Inglaterra e tendo feito parte da delegação portuguesa à Conferência de Paz e à Sociedade das Nações.
No meio da instabilidade geral em que o país viveu entre 1923 e 1926, tendo conhecido 9 governos nesse período, perante uma agitação social crescente, várias tentativas insurreccionais de tendências diversas, mas que davam aos militares uma influência cada vez maior na vida política, o facto de Teixeira Gomes ter permanecido no seu posto quase até ao fim deste período terá contribuido para alcançar um certo prestígio junto das autoridades espanholas, evidente no teor da correspondência diplomática transcrita por Torre Goméz na obra citada.
Não terá sido igualmente estranha a experiência diplomática do próprio presidente, que incluiu até uma estadia, mesmo que curta, em território espanhol, usando Teixeira Gomes um espanhol fluente nos encontros que mantinha com o representante de Madrid em Lisboa.
Por ocasião da visita que Teixeira Gomes realizou a Londres, no início do seu mandato, o embaixador espanhol na capital britânica, em correspondência enviada para Madrid, referia-se em termos elogiosos ao seu encontro com o presidente português: "Continuou o Presidente eleito observando que,embora pela sua formação política se opusesse a todo o acto de força, não pode pelo menos deixar de reconhecer que todos os povos se acham sedentos de ordem e autoridade no seu Governo e Administração, pelo que formula votos sinceros de êxito para o regime que em Espanha se acaba de instaurar, já que tudo o que sucede no nosso país é seguido com a maior atenção em Portugal, revestindo para esta Nação a maior importancia pela sua proximidade com a nossa e similaridade de raça e língua. De nenhum modo, declarou, se fixa na forma de governo, estimando que cada país é livre para escolher a que mais lhe convenha, seja Monarquia em Espanha ou República em Portugal, nem uma das Nações pode criticar o regime da outra simplesmente porque é diferente, nem deve influenciar na política que cada uma deve seguir em relação à outra. Como exemplo prático deste seu critério assegurou-me que sempre o manifestou em Portugal, inclusive aos emissários republicanos espanhois em Lisboa(...)" .(excerto da carta do embaixador de Espanha em Londres para o subsecretário de Estado espanhol, datada de Londres de 24 de Setembro de 1923, transcrita por Torre Gómez na obra citada,pp.215 e 216. e aqui traduzida de forma adaptada).
O próprio Primo de Rivera, em entrevista concedida a António Ferro reafirma o desejo de um relacionamento entre as duas nações baseado no respeito mútuo pelas suas diferenças políticas :
"Sou partidário duma política fraternal com Portugal. É bom, porém esclarecer este ponto. Eu sou um grande amigo de Portugal mas um inimigo, muito sincero, do Iberismo. Irmãos, sim, mas vivendo em casas diferentes...Nem desejo saber como Portugal se governa. A Espanha não tem que se meter onde não é chamada" .E logo na ocasião, em Fevereiro de 1924, revelava a vontade de visitar Portugal, "talvez ainda este ano..."(FERRO,Viagem...,pp.234 e 235).
Em Dezembro de 1924, provando a crescente aproximação entre os dois Estados, teve lugar em Madrid, nas instalações da Biblioteca Nacional, uma importante "exposição camoneana", para cuja inauguração o município dessa cidade convidou o governo português, a Câmara Municipal de Lisboa, as Universidades e outras agremiações a fazerem-se representar. A delegação portuguesa seria recebida pelo soberano espanhol que assistiu, na companhia de toda a família real, à inauguração dessa exposição ("As Festas de Camões em Madrid", in ABC, nº 232, de 25/12/1924).
Esta política de aproximação entre as duas nações durante o período da ditadura espanhola e a chamada "política de lealdade para com Portugal" é reafirmada pelos estudos de Torre Goméz sobre as relações peninsulares nesse período, concluindo que "a partir de 1923, existe um ditador em Espanha que, desde o princípio do seu mandato e portanto, muito antes de os portugueses caírem também sob um regime de "ordem", declara e demonstra com factos respeitar as instituições, a soberania e até a sensibilidade nacional do povo vizinho" ( GOMÉZ, Torre, ob. cit., p.12).
Mas se esta era a realidade no bastidores dos gabinetes diplomáticos e governamentais, o reflexo dos acontecimentos espanhois junto da opinião pública portuguesa evidenciava velhas desconfianças.
A opinião pública republicana tinha-se habituado durante treze anos a identificar o "perigo espanhol" com o "perigo da reacção monárquica", não sendo de estranhar "que quando a monarquia vizinha cai em poder de um Directório Militar, surjam certas apreensões que davam como iminente uma intervenção espanhola em Portugal" (GOMÉZ, Torre, ob.cit.,p.109).
Vai nesse sentido o teor da informação enviada a partir de Tuy pelo cônsul de Portugal para o Ministro dos Negócios Estrangeiros português que, baseando-se apenas em rumores e boatos alertava para o facto de " na Côrte de Madrid se pensar a sério n'uma intervenção armada em Portugal"(Documento transcrito por Torre Gómez, ob.cit., p.218).
Também houve quem visse nos conflitos pesqueiros dos verões de 1924 e 1925 uma prova das dificuldades de relacionamento entre as duas nações. Contudo, não só os dois Estados procuraram uma solução apaziguadora para a resolução desses casos, como as dificuldades pontuais de relacionamento entre dois estados não anularam, só por si, a vontade de melhorar o relacionamento entre eles.
Aponta-se ainda o facto, comprovado, de o governo espanhol ter tido conhecimento das conspirações militares contra a República portuguesa, nomeadamente em relação à intentona de 18 de Abril de 1925, para tentar provar a má fé do regime espanhol.
Mas o conhecimento desses factos não comprova o envolvimento desse Estado.A atitude da representação diplomática espanhola em Lisboa, em relação aos conspiradores que procuraram refúgio naquela delegação, revelou, pelo contrário, a vontade espanhola de não desagradar ao governo português. O representante espanhol em Lisboa, em carta enviada a Primo de Rivera, datada de 21 de Abril de 1925 escrevia que o facto de ter aceite o pedido de refugio (e não asilo) solicitado pelos militares envolvidos na falhada intentona, não significava que quisesse "intervir na vida política portuguesa", mas apenas defender esses oficiais de possíveis represálias que pusessem em causa a sua integridade física, frisando mesmo ter o governo português "agradecido sinceramente o meu procedimento no que respeita aos oficiais portugueses " (transcrito por Torre Gómez, ob.cit., p.225).
Para o historiador espanhol o "desenlace reaccionário" foi um processo próprio da política interna portuguesa, servindo o caso espanhol apenas de exemplo
E aqui reside a posição de outra parte da opinião pública portuguesa, a opinião conservadora, em crescimento, e que via na ditadura espanhola uma possível aliada para os seus intentos:"(...) o interesse da imprensa portuguesa pelos acontecimentos de Espanha, se não assumia frontalmente a necessidade de em Portugal se seguir o exemplo dado pela iniciativa de Primo de Rivera mostrava, contudo, a importância que a solução escontrada pelo Exército espanhol não poderia ser ignorado num Portugal envolvido num ciclo permanente de crises políticas, de instabilidade, de agitação social e de desentendimento partidário" (OLIVEIRA, César,Portugal e a II República...,p.45).
Grande parte das interpretações sobre o relacionamento entre o regime de Primo de Rivera e a República Portuguesa baseia-se quase sempre numa dessas duas visões : ora na desconfiança dos republicanos face a Espanha e ao regime ditatorial; ora na identificação dos sectores mais conservadores e reaccionários com esse regime, apontando-se até todo um conjunto de encontros ibéricos após o 28 de Maio para acentuar a diferença de tratamento que a ditadura espanhola teria dado aos dois regimes portugueses.
Contudo, e na opinião de Torre Gómez, o relacionamento com Portugal no pós 28 de Maio foi a continuidade das boas relações oficiais entre os dois estados anteriormente iniciadas.
Existe um outro factor, que geralmente é esquecido, para explicar porque é que o bom relacionamento só começa a ter marcas visiveis após o 28 de Maio. Referimo-nos à questão marroquina que só seria resolvida em 1926, mais precisamente com a rendição de Abd-el-Krim, ao exército francês, a 26 de Maio de 1926, isto é, dois dias antes do golpe militar em Portugal.
Até essa altura, toda a prioridade nas relações externas espanholas ía para a resolução da questão marroquina.
O facto de os guerrilheiros marroquinos, julgando o território espanhol controlado, terem, em 1925, atacado as posições francesas do norte de África, aproximou a Espanha da França, que procuraram coordenar esforços para combater o inimigo comum, situação que contribui para a solução do problema em 1926.
Só então o regime espanhol estava em condições para se virar a sério para a resolução dos diferendos que mantinha com Portugal, num momento em que neste país começava a vigorar um regime que, teóricamente, lhe era políticamente mais favorável.

Há 80 anos - Primo de Rivera elabora uma Constituição para a sua ditadura

Primo de Rivera com membros do seu governo,

Retrato oficial de Primo de Rivera


Primo de Rivera reunido com o rei Afonso XIII.


Notícia da instauração da ditadura.



O rei Afonso XIII, conivente com a ditadura.

Há 80 anos - Primo de Rivera elabora uma Constituição para a sua ditadura

AS DITADURAS IBÉRICAS E AS RELAÇÕES PENÍNSULARES(1926-1930)

A 28 de Maio de 1926 um golpe de estado instala em Portugal uma ditadura militar que estaria na origem, poucos anos depois, do "Estado Novo" salazarista.
Refere Torres Gómez que a "mudança de regime seria recebida pela ditadura espanhola com uma natural e indisfarçada satisfação. Havia nisso elementares razões políticas e também a compreensível esperança de que o parentesco de regimes contribuiria para favorecer os desígnios de entendimento e fraternidade hispano-portuguesa" (ob. cit., p.121).
Essa situação é confirmada por Ivens Ferraz que refere nas suas memórias que, assim que se instalou a ditadura militar em Portugal, Primo de Rivera desejou desde logo avistar-se com um representante do novo governo português para "trocar impressões sobre alguns problemas de ordem económica que interessam os dois países", interesse que não seria satisfeito de imediato "por não poderem os governos de então desviar as suas atenções de questões de ordem interna"(FERRAZ, Ivens, ob. cit., p.73).
Em contrapartida, sinal da crescente aproximação estre os dois vizinhos, logo a 15 de Junho desse ano a legação espanhola em Lisboa seria elevada à categoria de embaixada e a 22 de Julho seria a vez da representação portuguesa em Madrid ser elevada à mesma categoria.
É de referir, porém, que o projecto de promover embaixadas nas duas capitais era anterior, já se tendo sondado nesse sentido os governos dos dois países em 1921, isto é, mesmo antes do estabelecimento da ditadura de Primo de Rivera.
O incremento das relações penínsulares a nível oficial desenvolver-se-ia de modo eficaz a nível económico com a assinatura do "Acordo Luso-Espanhol sobre o Douro Internacional", uma velha questão por resolver entre os dois estados.
A 6 de Setembro de 1913, representantes dos dois governos de então já haviam estabelecido os princípios gerais para o aproveitamento hidraulico das quedas do Douro.
Em 1919 foi nomeada uma comissão composta por um engenheiro português e outro espanhol com o objectivo de fixar as regras para execução daquele acordo.
Contudo as condições impostas pela parte espanhola não agradavam a Portugal, tendo as negociações sido interrompidas, só se voltando a reatar em 1924, em Madrid.
"Mas ainda d'esta vez foi impossivel chegarem a um acôrdo as duas delegações, (...)" entendendo a parte espanhola " que, na partilha das águas, a Portugal só pertenceria metade do caudal normal, avaliado, em média, n'uns trinta metros cúbicos por segundo"(RODRIGUES, Bettencourt, ob.cit., p.53).
Foi necessário esperar por 25 de Agosto de 1926, data em que se publicou em Espanha o Real Decreto que previa o reatar das negociações com Portugal para fixar as regras complementares do acordo sobre aproveitamento hidro-electrico das quedas do Douro.
Assim, finalmente a 18 de Julho de 1927, dava-se início, em Lisboa, à "Conferência luso-espanhola para a solução do problema relativo ao aproveitamento hidro-electrico do troço internacional do Douro".
Os trabalhos dessa conferência duraram até 11 de Agosto, data em que foi assinado o convénio entre Portugal e Espanha e que consistiu no seguinte:
"A Portugal fica pertencendo a utilização de todo o troço superior, desde a sua origem até ao ponto de confluencia dos rios Tornes e Douro; e à Espanha cabe o troço inferior, desde essa confluencia até ao limite inferior do mesmo troço internacional".
Quanto ao aproveitamento hidro-electrico das quedas do rio Douro "a parte que compete a Portugal (..) representa um mínimo previsto de 285.000 cavalos, o que corresponde, como energia, a uns dois milhões de toneladas de carvão (...) por ano.E a que compete à Espanha (...) anda por cerca de uns 339.000 cavalos".
Esta diferença a favor da Espanha representava uma compensação pelo facto da as "obras de regularisação das aguas do Douro feita pela Espanha, em territorio espanhol, (obras dispendiosíssimas, avaliadas n'uns 400 milhões de pesetas) resultará para o Douro fronteiriço um enorme augmento de caudal (...) de que nós, Portugal sem mais ameaça de devastadoras cheias, grandemente beneficiaremos, e para cujas despezas e custeio em nada contribuiremos e nada nos foi exigido" (RODRIGUES, ob.cit., pp. 63 e 64).
O êxito nas negociações para o aproveitamento hidro-electrico do Douro motivou as duas partes a voltar a reunir-se para tratarem de outros asssuntos de ordem económica de interesse mútuo.
Foi assim aprazado nova reunião em Lisboa para Novembro de 1927, para debater a "cortiça, pesca, fabrico de conserva de peixe, resinas, produtos similares das duas nações, produtos coloniais, comunicação por estrada de rodagem, ferroviária, marítimas, fluviais, aereas,telefones e rádio-telegrafia" (citado em nota do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal de 15 de Agosto de 1927, in RODRIGUES, ob. cit., p.68).
A importancia das questões a abordar e a necessidade de as preparar convenientemente levou ao adiamento da "Conferência económica luso-espanhola", que se iniciou finalmente a 12 de Abril de 1928, tendo-se os trabalhos prolongado até Maio, sendo aprovadas várias recomendações aos respectivos governos àcerca da resolução dos temas acima referidos, não se tendo, contudo, chegado a acordo no respeitante à navegação aérea, às pescas e às conservas.
Por sua vez, logo no início desse ano, em Janeiro de 1928, tinha sido assinado um "tratado de conciliação e arbitragem", delimitando uma zona fronteiriça entre os dois Estados, aprovando a "linha divisoria que vai desde a confluencia do rio Cuncas com o Guadiana até à foz d'este rio" (RODRIGUES, ob. cit., p.86).
Em termos políticos, outro sinal de aproximação entre os dois regimes seria dado em 1927 quando o representante espanhol em Lisboa se avista com o Ministro dos Negócios Estrangeiros para propôr a colaboração policial entre as duas nações para "se preservarem mutuamente perante a subversão social, comunista"(GÓMEZ, Torre, ob.cit., p.122).
Afonso XIII, em entrevista concedida em Fevereiro de 1928 a António Ferro, afirmava que "Portugal e a Espanha, com as suas fronteiras bem marcadas, só teriam a lucrar com uma política de aproximação, de entendimento.." e apelava à aproximação entre os dois povos: "Aproximemo-nos sem nos confundirmos.Deve ser êste o nosso caminho, o verdadeiro caminho...". À pergunta de António Ferro sobre o que era necessário para intensificar as boas relações entre os dois países respondeu o monarca: "Simplificar antes de mais nada as comunicações entre Espanha e Portugal. Torná-las rápidas, seguras e confortáveis" ("Afonso XIII - Rei de Espanha e de Madrid...", in FERRO, António, Homens ..., ob. cit.,pp 31 a 55).
Um ano depois, em 14 de Abril de 1929, António Ferro entrevistava Primo de Rivera, que, aproveitando a ocasião, fazia o balanço das relações entre as duas ditaduras: "(...) vive-se uma hora clara, límpida, uma hora de compreensão e entendimento. Os dois países, através dos seus govêrnos, deixaram de medir-se com desconfiança, com reserva. São duas potências que se olham com amizade, mas com a inteira confiança da sua fôrça e do seu perfil. E é essa a única base de uma amizade séria, definitiva, entre as duas nações : a aliança espiritual de duas fôrças que serão sempre, eternamente, duas fôrças..." ("Primo de Rivera, o ditador alegre e confiado", in FERRO, António, Homens..., ob. cit.,pp. 85 a 101).
Em coerência com essas palavras, e na sequência dos êxitos negociais já alcançados, a 15 de junho de 1929 Primo de Rivera toma a iniciativa de convidar o Presidente Carmona para se encontrarem nas termas galegas de Mondariz, onde o ditador espanhol pretendia passar três semanas, entre 20 de Julho e 15 de Agosto, com o objectivo de prosseguir "um período de maior aproximação entre os dois países (...) uma vez que, afortunadamente, desapareceu todo o receio, que sempre foi injustificado e era apenas acolhido por pessoas incultas, de que a Espanha pretenderia exercer sobre Portugal" a sua supremacia, reafirmando o ditador "uma leal e recíproca amizade que, respondendo aos sentimentos de ambos os países, também fortalece a posição política e económica dos dois".
Propunha mesmo alguns temas a debater: no plano económico o contrôle dos mercados das industrias corticeiras e das conservas; no plano cultural o incremento das viagens recíprocas entre as duas nações, "formando expedições culturais, artísticas, económicas e técnicas"; a nível político uma melhor coordenação entre as polícias de ambos os países para enfrentar "as tentativas de perturbação política que nunca hão- de faltar por parte do comunismo".
Por último proclamava que Portugal era para a Espanha "Nação preferida com a qual deseja manter relações íntimas" (carta citada por Torre Gómez, ob. cit., pp.251-252).
Tal encontro acabaria por se realizar mas apenas entre os chefes dos respectivos governos,o general Ivens Ferraz por Portugal e Primo de Rivera por Espanha, tendo decorrido a primeira entrevista entre ambos a 9 de Agosto em Viana do Castelo, e proseguindo em Mondariz.
Ivens Ferraz descreve esse encontro nas suas memórias: "trocaram-se impressões sobre um mútuo entendimento para a repressão do comunismo na Península, desenvolvendo aquele general" P.Rivera "com profundo conhecimento, tão intrincado tema social, fazendo uma nítida exposição das suas ideis acerca da marcha do comunismo através da Europa. Entendia que, para evitar a propaganda e dessiminação das novas ideias na Península Ibérica, se tornava necessário um entendimento constante entre as polícias internacionais de Portugal e Espanha" (FERRAZ, Ivens, ob.cit., pp.75 e 76).
Em termos económicos foram debatidas as questões das pescas e das cortiças.
Em relação ao tema das pescas foi considerada a necessidade de um mútuo acordo, tendo-se proposto que esse assunto voltasse a ser estudado por delegados de ambas as nações.
Quanto à cortiça, Primo de Rivera colocou a questão de, sendo a Península Ibérica a sua maior produtora , essa produção "estava sendo açambarcada por dois trusts, um belga e outro americano, que a transformava em produtos derivados, com os quais inundavam os mercados estrangeiros", não compreendendo a razão pela qual "Portugal e Espanha se não juntavam para constituir um "cartel" que se encarregasse da industrialização da cortiça peninsular".
Ivens Ferraz, embora considerando a importância da questão alertava para o facto desta , "e muitas outras", apresentarem "aspectos técnicos e financeiros muito delicados e que demandavam um cuidadoso estudo do qual só os técnicos se poderiam ocupar", propondo que, "como seguimento da conferência luso-espanhola, poderiam enviar a Madrid delegados dos nossos, os quais estudariam com os delegados espanhois para esse fim designado, essas e outras questões económicas já abordadas em Lisboa". (FERRAZ, Ivens, ob. cit., p.77).
Primo de Rivera aceitou a proposta, dando-se assim por encerrada a entrevista entre ambos os chefes de estado em Viana do Castelo.
Ivens Ferraz voltou a encontrar-se com o governante espanhol em Mondariz e nesta ocasião Primo de Rivera comunicou o interesse espanhol em receber a visita do Presidente da República, Óscar Carmona, por ocasião da "Semana de Portugal" que iria decorrer durante a Exposição Internacional de Sevilha, inaugurada em Maio e cujas actividades se desdobravam por Sevilha e Barcelona, devendo deslocar-se posteriormente a Madrid, como convidado oficial do rei Afonso XIII, que retribuiria a visita, deslocando-se dois meses depois a Lisboa.
Este último objectivo nunca se concretizou.
Já quanto à viagem de Carmona a Espanha , ela teve início em 17 de Outubro, decorrendo até 25 desse mês, acompanhado por Ivens Ferraz, embora o programa fosse alterado em relação à previsão inicial, dirigindo-se o Presidente português directamente a Madrid, "onde foi recebido com honras que não é vulgar conceder aos chefes de Estado Estrangeiros" (descrição feita por Ivens Ferraz, ob. cit., p.120).
Em entrevista concedida ao "Diário de Notícias", durante a viagem para Madrid, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, coronel Jaime Monteiro, à pergunta que lhe foi dirigida sobre o objectivo da visita, respondeu:
"Não há um objectivo político, mas sim um ensejo que se proporciona de Portugal e Espanha, por intermédio dos seus mais altos magistrados, estreitarem mais as suas relações. É um entendimento de ordem espiritual, de povos da mesma Raça com interesses comuns e aos quais, neste momento, mais do que em nenhum outro, cabe conhecerem-se melhor,mais profundamente. Depois (...) Portugal tem actualmente uma representação em Espanha - nas exposições de Barcelona e Sevilha, onde Portugal está vivendo a sua vida de Trabalho, agrícola, industrial e artistica" ("Diário de Notícias", 17 de Outubro de 1929).
Mais pragmático, em entrevista a um jornal madrileno, Carmona referia que a "visita não é puramente protocolar (...) Muito breve tecnicos dos dois países vão começar a trabalhar para a solução de importantes problemas num ambiente de magnífica tranquilidade" (trancrição no "Diário de Notícias" de 19 de Outubro de 1929).Tal objectivo confirmava-se do lado espanhol, como anunciava o "El Debate", referindo que "das visitas do general Carmona a Madrid e de Afonso XIII a Lisboa, resultará, antes mesmo de findo o ano corrente, o início de importantes conferências de técnicos sobre assuntos comerciais e industriais de maior interesse para os dois países" (citado no "Diário de Notícias" de 17 de Outubro de 1929).
A visita prosseguiu a Toledo, Barcelona e, finalmente, Sevilha.Nesta cidade Ivens Ferraz declarou aos jornalistas que acompanhavam a comitiva: "com a República dum lado e com a monarquia de outro, Portugal e Espanha podem caminhar livremente, seguindo vidas paralelas, sem jamais se fundirem ou sequer confundirem marchando unidos para o mesmo fim, que consiste em tornar os dois povos ibéricos cada vez mais prósperos, mais respeitados e mais cheios de prestígio".
"Portugal e Espanha não necessitam de nenhuma união política para serem bons e leais amigos, do que precisam é de melhor solidariedade mútua, para irem, fortalecidos, à conquista dos seus destinos".
E, em forma de aviso, rematava :"os sentimentos de altivez do povo lusitano são tradicionais.Tentar feri-los, seria, pelo menos, loucura.Os seus sentimentos de independência só têm que ser cada vez mais fortalecidos, com exemplos de dignidade e honradez. O que se está passando entre os dois Governos Ibéricos não se parece nada com a diplomacia à antiga, gerada no escuro das chancelarias" (transcrito pelo próprio Ivens Ferraz, ob.cit., p.122).
Durante essa visita teve lugar em Portugal um episódio, preconizado pela direita católica, que mantinha no interior da ditadura uma luta pelo poder , e que constituiu mais um degrau na ascensão de Salazar, aproveitando a ausência de Ivens Ferraz, com a cumplicidade do primeiro ministro em exercício, Lopes da Fonseca.
De facto, a 21 de Outubro, realizou-se em Lisboa "uma ruidosa manifestação de apreço promovida pelas câmaras municipais ao sr. Ministro das Finanças Salazar pelo sucesso da sua obra financeira" e para a qual o próprio Ivens Ferraz nunca tinha sido consultado : "Em certo dia reuniram-se os promotores na sala do conselho de estado onde se lhe juntaram númerosos amigos e admiradores do ministro das Finanças. Compareceram, igualmente, quase todos os membros do Governo.Presidiu à cerimónia o ministro da Justiça primeiro ministro em exercício, que lamentou a minha ausência e depois das saudações do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, o Ministro das Finanças leu uma extensa oração à qual, dificilmente, se poderá negar carácter político"(FERRAZ, Ivens, ob. cit., pp.122 e 123).
Um facto curioso, revelador dos fortes apoios de Salazar, regista-se no facto de alguma imprensa, nomeadamente o "Diário de Notícias" e o "Século", que até essa manifestação davam ampla cobertura de primeira página à visita de Carmona a Espanha, terem relegado este acontecimento para segundo plano e páginas interiores, quando da realização daquela manifestação, que passou para assunto de primeira página nas edições de 22 de Outubro.
A manifestação dos Municípios constituiu uma "rampa de lançamento de Salazar como substituto de Ivens Ferraz, e marcou um dos pontos altos na luta entre a corrente política representada por Salazar, apoiado pela Igreja, pela extrema-direita e direita do regime, contra a facção republicana representada por Ivens Ferraz ". (OLIVEIRA, César, Portugal e a IIª República..., ob.cit., pp. 71 a 74).
Poucos meses após ter realizado a visita triunfal a Espanha, da qual foi um dos principais obreiros, Ivens Ferraz, agastado com as constantes manobras da direita pró-salazarista e cada vez mais isolado no regime, pede a sua demissão, a 10 de Janeiro de 1930.
Primo de Rivera, o outro parceiro de Ivens Ferraz da aproximação entre as nações ibéricas, não lhe sucederia no poder do país vizinho muitos mais dias:
"Poucos dias após a constitução de um governo onde Salazar criou condições para começar a lançar os alicerces do novo regime" governo de Domingos de Oliveira, constituido a 21 de Janeiro ", Primo de Rivera, com a cumplicidade de Afonso XIII e a conveniência dos militares e da direita que o haviam apoiado, era obrigado a demitir-se, a 28 de Janeiro de 1930" (OLIVEIRA, César, Portugal e a IIª República..., ob. cit., p.74).
Enquanto em Portugal se iniciava a rápida ascensão de Salazar , em Espanha iniciava-se um período políticamente confuso que culminaria na proclamação da IIª República, a 14 de Abril de 1931.
As relações entre as duas nações voltariam a passar por um período difícil que só voltou a registar uma nova aproximação com a vitória do generalíssimo Franco na guerra civil de 1936-1939.
Mas isto já é outra história.

CONCLUSÃO

Apesar de ser notoria uma maior aproximação entre as duas nações,no pós 28 de Maio, pela quantidade e qualidade de iniciativas diplomaticas realizadas, não se pode falar própriamente em ruptura entre os períodos antes e depois daquela data, mas antes em continuidade, pois muitas das iniciativas tomadas a partir de 1926 tinham sido alicerçadas anos antes.
Por esclarecer está o saber-se até que ponto a experiência diplomática do Presidente Teixeira Gomes contribuiu para, a partir da chegada de Primo de Rivera ao poder, se ter iniciado um sério desanuviamento entre as duas nações.
Por outro lado, mais do que a vontade espanhola, que parece ter sido idêntica nos dois períodos analisados, terá pesado a vontade portuguesa, muito marcada durante a Républica pelo "perigo espanhol", que condicionou muitas iniciativas de aproximação ensaiadas pelo vizinho ibérico, a partir de 1919.
Por sua vez, há que considerar que "a partir do momento em que Carmona toma o Poder, há uma certa e matizada viragem da política externa portuguesa que, sem abandonar o seu secular enfeudamento britânico, insinua uma pouca convincente projecção para horizontes americanistas e peninsularistas, simultaneamente". (GÓMEZ, Torre, ob. cit., p.128).
Também a aparente maior disponibilidade, por parte do governo de Primo de Rivera, para negociar com Portugal, após o 28 de Maio, não pode ser explicada apenas à luz das afinidades políticas que desde então existiam entre os dois regimes peninsulares, mas também pelo facto de, até àquela data, a política externa espanhola ter como principal preocupação a situação Marroquina, cuja resolução coincide quase com o dia da instauração da ditadura militar em Portugal.
Procurou-se com este trabalho elaborar uma breve síntese sobre o que foi o relacionamento entre Portugal e Espanha ao longo dos sete anos em que, no nosso vizinho país ibérico, governou Primo de Rivera.
Esperamos ter conseguido sintetizar o conhecimento actual em Portugal sobre esse período de relacionamento ibérico, e, ao mesmo tempo, alertar para alguns pontos ainda por esclarecer sobre o tema.


BIBLIOGRAFIA

- BRANDÃO, Fernando de Castro, A Iª República Portuguesa - uma cronologia, Livros Horizonte, 1991.
- DIÁRIO DE NOTÍCIAS - Outubro de 1929.
- FERRAZ, Ivens, A Ascensão de Salazar-Memórias (prefácio e notas de César de Oliveira), ed. "O Jornal", 1988.
- FERREIRA, David, "Gomes, Manuel Teixeira (1860-1941)", in Dicionário de História de Portugal, (direcção de Joel Serrão), Vol.3, 2ª ed., Livraria Figueirinhas, Porto, 1985.
- FERREIRA, José Medeiros, Um Século de Problemas-as relações luso-espanholas da União Ibérica à Comunidade Europeia, ed. Livros Horizonte, 1989.
- FERRO, António, Homens e Multidões, ed.Bertrand, s/d (1941?).
- FERRO, António, Viagem à Volta das Ditaduras, ed. Empresa "Diário de Notícias", 1927.
- "Festas de Camões em Madrid (As)", in ABC, nº 232, 25 de Dezembro de 1924.
- GÓMEZ, Hipolito de la Torre, Do "Perigo Espanhol" à Amizade Peninsular- Portugal-Espanha- 1919-1930, ed.Estampa, 1985.
- OLIVEIRA, César, Cem Anos Nas Relações Luso-Espanholas- Política e Economia, ed.Cosmos, 1995.
- OLIVEIRA, César, Portugal e a IIª República de Espanha (1931-1936), Perpectivas & Realidades, s/d.
- PANIAGUA, Javier, España:Siglo XX - 1898-1931, Anaya, 1987.
- RODRIGUES, Bettencourt, Vinte e oito mezes no ministério dos Negócios Estrangeiros (de 12 de Julho de 1926 a 9 de Novembro de 1928), Livraria Clássica Editora, 1929.
- WHEELER, Douglas L., História Política de Portugal - 1910-1926, Publicações Europa-América, s/d (1978).
- QUEIPO DE LLANO, Genoveva Garcia, "La dictadura de Primo de Rivera", nº temático de Cuadernos Historia 16, nº269, s/d (1985?).

domingo, 5 de julho de 2009

A Terra é o nosso Condomínio


A Notícia é da Lusa, publicada hoje:

“A Declaração de Gaia, disponível na Internet e que defende uma articulação entre a economia, o direito e o funcionamento global do planeta, conta já com mais de 17.000 subscritores, disse hoje à Lusa um dos promotores.
“Segundo adiantou o ambientalista e autor do livro "Condomínio da Terra" Paulo Magalhães, à margem do fórum internacional com o mesmo nome que decorre em Gaia, o texto final da declaração é hoje firmado, não tendo havido "até agora propostas de alteração".
“Na Declaração de Gaia sustenta-se que há "bens indivisíveis" no planeta - a atmosfera, a hidrosfera e a biodiversidade - que circulam de forma global e têm que ser declarados "partes comuns", a gerir em conjunto como se o planeta se tratasse de um condomínio.
“Os subscritores defendem ainda que a manutenção dos ecossistemas deve ser entendida como uma actividade económica e que "os cidadãos têm direito equitativo de utilização dos bens comuns do planeta".
"A Declaração de Gaia - assim denominada porque esta campanha global para a preservação do planeta foi lançada em Março na cidade portuguesa de Gaia, que tem o nome da deusa grega da Terra - propõe que haja uma articulação entre a economia e o direito e entre estes e o funcionamento global do planeta", resumiu Paulo Magalhães.
“Segundo o responsável, durante o Fórum Internacional do Condomínio da Terra, que hoje termina, foi estabelecido um acordo com o movimento mundial http://www.350.org/dia.php , que luta pelo recuo das emissões de dióxido de carbono na atmosfera das actuais 390 para as 350 partes por milhão, considerado pelos cientistas "o limite máximo seguro".
"Vamos trazer esse movimento para Portugal e eles vão ajudar a levar o Condomínio da Terra para o mundo", explicou Paulo Magalhães.
“Conforme salientou, "se não se conseguir voltar das actuais 390 partes por milhão para as 265 existentes antes da Revolução Industrial "em pouco tempo não haverá retorno possível".
"Se chegarmos às 450 - o que ao ritmo actual acontecerá dentro de 10 anos - já não há nada a fazer. Tem que haver um equilíbrio entre os limites ambientais e a economia", sustentou, referindo que foi "nos últimos 10 anos" que esse equilíbrio foi rompido.
“Ao longo de dois dias, o Fórum Internacional do Condomínio da Terra contou com a participação de dezenas de personalidades de diferentes países, entre ambientalistas, economistas, especialistas em direito internacional, professores universitários e dirigentes de organizações de defesa do património natural da Terra”.


Por cá temos andado muito distraídos com os “corninhos” do Ministro, com o “eurobiliões” do Cristiano Ronaldo, com a “nova imagem” de Sócrates, com as eleições no Benfica, com os festivais de verão, com o manifesto dos 28…
Mas aquilo que realmente interessa continua a passar-nos ao lado.
Felizmente que ainda há portugueses que estão preocupados com a sustentabilidade do planeta, e devíamo-nos orgulhar por ser uma cidade portuguesa a dar nome a uma das mais recentes iniciativas em defesa do nosso ambiente.
Quem quiser saber mais sobre essa iniciativa consulte o site e o blog do “Condomínio da Terra”:


Cinco Imagens, um Planeta

Mónaco. A Partida para o "Tour" é uma festa... (Reuters/Eric Gaillard, 4 de Julho 2009).

Combates nas ruas de Mogadiscio, na Somália (AFP/Mohamed Dahir, 3 de Julho de 2009)



Eleições no México (EFE, 5 de Julho de 209).



Federer beija o seu 6º troféu conquistado em Wimbledon (Getty/Clive Brunskill, 5 de julho de 2009)



O toureiro José Tomás é colhido, sem consequências de maior, na Monumental de Barcelona (La Vanguardia/Alex Garcia, 5 de Julho de 2009).

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Estudo da Sedes sobre a qualidade da democracia em Portugal, destaca as qualdades do Presidente da República


Reunida hoje em congresso, a SEDES acaba de divulgar um estudo sobre a qualidade da democracia em Portugal.
Não só pelas qualidades daquela associação, como pela competência do coordenador, Pedro Magalhães, investigador do ICS, os resultados desse estudo merecem toda a credibilidade.
Nesse estudo, realça-se pela negativa a desconfiança dos inquiridos em relação ao funcionamento da justiça e o descrédito quase total em relação ao poder político. Nesta área, apenas o Presidente da República merece credibilidade e confiança.
Não deixa de ser curioso, contudo, que, apesar do descrédito dos políticos, os portugueses revelem total confiança no sistema eleitoral, o que contradiz o discurso de analistas e políticos acerca da necessidade da reforma desse sistema, como apanágio para a recuperação da credibilidade dos políticos.
De todos as situações analisadas, o aspecto mais positivo da vida democrática revelado por esse estudo é ao nível das liberdades individuais.
Igualmente aparece como positiva a confiança na imparcialidade e pluralismo dos media, embora esse destaque seja menos evidente quando se pergunta se os media reflectem a pluralidade de opiniões na sociedade. Neste caso, se 33% estão de acordo com esta afirmação, 30% discordam.
Espera-se para hoje uma divulgação mais pormenorizada das conclusões desse inquérito, esperando-se que os seus resultados levem a uma profunda reflexão sobre a sociedade democrática portuguesa.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Manuel Pinho confunde Parlamento com Praça de Touros


Foi o caso do dia, ofuscando o Debate da Nação, um caso que vai simbolizar esta legislatura durante muito tempo.
O Ministro da Economia, em resposta a uma interpelação do PCP sobre a situação das minas de Aljustrel, respondeu do modo que se vê na fotografia, captada por Nuno Fereira Santos, do jornal "Público".
É caso para se dizer que, quem não tem argumentos, arreia bronca!
Uma vergonha!

Cinco anos sem Sophia de Mello Breyner Andresen


Recordo-me, no dia em que foi atribuido o prémio Nobel da Literatura a José Saramago, deste escritor referir que a única pessoa em Portugal que teria merecido receber esse prémio era Sophia de Mello Breyner (recordo-me também da atitude mal-criada e deselegante de Miguel Sousa Tavares nesse mesmo dia, mas isso é outra história).
Hoje, quando passam cinco anos do desaparecimento de Sophia, recordamos aqui um dos seus poemas mais actuais:



Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.


Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.


Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.




U2 de novo na estrada (Barcelona, 30 de Junho)

(fotografia de Albert Gea/Reuters)

(Fotografia de Miguel Yuste/El País)

(Fotografia de Miguel Yuste/El País)


90 mil assistiram ao espectáculo dos U2 em Barcelona, na noite de 30 de Junho, iniciando assim a sua nova digressão.
O seu último album foi uma pequena desilusão, não trazendo nada de novo á banda. Mas um album menos bom dos U2 é sempre muito melhor do que se faz por aí no mundo na pop.
Em palco os U2 são sempre... os U2...

quarta-feira, 1 de julho de 2009

O respigo da semana - 9- Ricardo Araújo Pereira


As criancinhas explicadas a José Sócrates

As semelhanças entre Sócrates e Obama são cada vez maiores: Obama matou uma mosca durante uma entrevista; Sócrates deu uma entrevista em que parecia uma mosca morta

O leitor habitual desta coluna, acostumado aos prodígios estilísticos do autor, já percebeu que, uma vez mais, há malandrice no título - e é da sofisticada. Reparou certamente que se trata da inversão da vulgar fórmula "X explicado às criancinhas" em que, no lugar do X, costuma estar um conceito complicado. Aqui, em lugar de explicar o complexo aos simples, pretende-se explicar os simples ao complexo. Isto supondo que Sócrates é complexo, o que infelizmente não se verifica: é, aliás, por isso que sinto necessidade de lhe explicar como funcionam as coisas simples. Será interessante constatar, no entanto, que Sócrates, não sendo complexo, possui vários complexos. O mais proeminente é, neste momento, o complexo de inferioridade provocado pelos resultados das eleições europeias. O primeiro-ministro sabe que, por culpa própria, parte em desvantagem para as legislativas, e portanto resolveu seguir a estratégia pueril das crianças mal comportadas na véspera de Natal: adoptam a postura suave e sonsa de quem nunca fez traquinices, comem a sopa até ao fim e prometem dotar mais generosamente o orçamento da cultura. A grande maioria dos miúdos, não por acaso, esquece este último ponto: o objectivo do estratagema é agradar, e se há coisa de que as pessoas não gostam é de quem promete dar dinheiro aos artistas. Não devemos esquecer que, em português, a palavra "artista" é polissémica a ponto de permitir designar tanto a Paula Rego como os automobilistas que fazem idiotices no trânsito, sendo que é usada muito mais vezes para caracterizar os segundos do que a primeira.
É incompreensível, portanto, que Sócrates anuncie medidas impopulares tão próximo das eleições. E a atitude mansa e benevolente, além de soar a falso, revela pouco sentido de estado: não me lembro de alguma vez termos tido um primeiro-ministro bonzinho (e sublinho também a polissemia da palavra "bonzinho").
Por outro lado, o novo comportamento do primeiro-ministro aproxima-o dos grandes estadistas. As semelhanças entre Sócrates e Obama são cada vez maiores: Obama matou uma mosca durante uma entrevista; Sócrates deu uma entrevista em que parecia uma mosca morta. Não sei se o leitor viu as imagens: incomodado por uma mosca enquanto falava com um jornalista, Obama esperou que o bicho pousasse e matou-o. Em situação idêntica, o Sócrates dos bons velhos tempos também matava a mosca. E o jornalista. Agora, na impossibilidade de entrar a matar, o primeiro-ministro mortifica-se. Vendo bem, Sócrates não mudou muito: dantes, amesquinhava os outros; agora, reverte o amesquinhamento para si próprio. No fundo, não deixou de amesquinhar. Como é evidente, prefiro o Sócrates original e autêntico: não me importo nada quando amesquinha jornalistas e adversários, mas levo a mal que amesquinhe o primeiro-ministro do meu país. Acho uma indignidade. Sobretudo porque me deixa sem nada para fazer.

RICARDO ARAÚJO PEREIRA, in Visão,25 de Junho de 2009