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segunda-feira, 1 de abril de 2019

1 de Abril – uma tradição ultrapassada pela “realidade” (onde se recorda a maior mentira pregada em Portugal nos últimos 50 anos).



Tradicionalmente, neste dia, a comunicação social esmerava-se por inventar a mais criativa e verosímil mentira que levasse os seus leitores, pelo menos por alguns segundos,a acreditarem que tudo aquilo era verdade.

Hoje as  mentiras, que usam o pomposo nome de “fake news”, são diárias, não respeitam a tradição do 1 de Abril,  e é cada vez mais difícil distinguir as verdades das mentiras, até porque muitas “verdades verdadeiras” até parecem mentiras, pelo absurdo das situações e afirmações de gente “responsável”.

Bolsonaro, Maduro ou Trump são mestres desse absurdo.

Mas a mentira mais famosa na comunicação social portuguesa aconteceu em Fevereiro de 1971, por altura do Carnaval.

Um grupo de amigos encenou a visita de um grupo de magnatas “árabes” do petróleo que vinha a Portugal propôs vários negócios.

O jornal “O Século”, avisado pelo crédulo dono do Tavares Rico,  caiu na esparrela e, a mando do chefe de redacção José Mensurado, mandou o jornalista Roby Amorim para o restaurante “Tavares Rico” onde os “árabes se banqueteavam”, sem que o jornalista reparasse nas garrafas de vinho espalhadas pela mesa, "costume" muito pouco "árabe", pelo menos em público.

Apenas Pinto Balsemão, administrador do Diário Popular, sabia da fraude, tendo sido convidado a colaborar com o envio de dois fotógrafos, para tornarem a coisa mais real, mas acabou por não enviar ninguém.

No dia seguinte, 13 de Fevereiro, O Século, jornal do regime, titulava em toda a primeira página, acompanhada da fotografia que reproduzimos em cima:

"Uma missão da Arábia Saudita, presidida exatamente pelo príncipe Iben Seddack (primo de Iben Saud), esteve em Lisboa quase 48 horas e o assunto foi o petróleo."

Foi tudo uma brincadeira encenada por um grupo de amigos, “meninos bem” de Lisboa, o recém falecido Nicha Cabral, Manecas Mocelkek, que veio a ser gerente de discotecas, Frederico Abecassis, o chef Michel, Manuel Correia, Eduardo Oliveira Rocha  e Jorge Correia de Campos.

No livro de Joana Vilela “Lisboa LX70” alguns dos intervenientes foram entrevistados, contando como tudo se passou, e é nela que nos baseamos para descrever esse célebre acontecimento que ridicularizou o jornalismo português e as autoridades da época.

Reunidos no Stones aquele grupo começou a congeminar a brincadeira.

Para dar mais verosimilhança ao episódio, recorreram ao Rolls Royce de Correia de Campos  e ao Mercedes bem novinho em folha de Nicha Cabral,  para conduzir a comitiva do aeroporto ao Tavares Rico.

A roupa foi emprestada pelo embaixador de Marrocos ao chefe Michel, que já tinha vivido em Marrocos, e o resto foi alugado numa casa de fatos de carnaval.  

A comitiva fez-se acompanhar por dois falsos “fotógrafos” do "Paris-Match" e chegou ao restaurante com grande pompa, o que levou a policia a interromper o trânsito para a deixar passar.

Nicha Cabral fazia-se passar por segurança do “príncipe” e provava toda a comida, recusando-a ou aprovando-a.

Chegado ao restaurante, o jornalista de O Século entrevistou os falsos árabes, que inventavam uma conversa em “árabe” entre si, que era “traduzida” para o jornalista pelo chef Michel.

As autoridades portuguesas ficaram alertadas com a notícia publicada pelo “Século”, porque não sabiam de nada.

Marcelo Caetano telefonou irritado para o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Patricio, que também de nada sabia.

 A notícia correu o mundo, primeiro acreditando na esparrela, gerando até expectativa na bolsa de Nova Iorque e, depois, gozando com a forma como os jornalistas e as autoridades portuguesas tinham sido enganadas.

O “Diário Popular” foi o primeiro a denunciar a fraude, em 14 de Fevereiro e O Século, na edição de 17 de Fevereiro, indignado, desculpou-se pelo erro cometido.

Os envolvidos ainda foram ouvidos pela PIDE e pelo Governo Civil, mas não tinham nada por onde pegar, até porque a conta do jantar , cerca de 500 escudos (mais que um ordenado médio na altura), tinha sido paga, estava-se em plena época carnavalesca e continuar a dar importância ao assunto era agravar o descrédito dos serviços informativos e das autoridades portuguesas.

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