(cartoon de Vasco Gargalo)
“No contexto atual da aposta no rearmamento desenfreado, que
fará com que “a Europa pag[ue] em GRANDE, como deve” (nos termos da mensagem
que o secretário-geral da NATO enviou a Trump), isto significa vender-nos “o
medo como motor económico e, pior de tudo, é fazê-lo passar por uma boa ideia”
(Marga Ferré, Público.es, 28.4.2025) e vendê-lo como catalisador da
economia, ocultando ou relativizando o que desde o início só os mais descarados
assumiram: “O Estado social europeu acabou” e, para pagar o rearmamento, haverá
que cortar nas pensões de reforma, porque “não se pode pedir aos jovens que
peguem em armas e [ao mesmo tempo] cuidar dos velhos num determinado estilo. Os
governos terão de ser mais severos com os idosos”. Ora, como “as democracias
ricas precisam de uma crise aguda para desencadear uma verdadeira mudança”,
porque “é quase impossível convencer os eleitores a fazerem reformas drásticas
enquanto o seu país não estiver a atravessar uma crise aguda” (Janan Ganesh, FinancialTimes,
7.3 e 2.1.2025), o que é preciso é criar essa crise.
“É aqui que entra o securitarismo. “Para criar medo,
precisam de um monstro, de um Outro a odiar, de um inimigo ameaçador. Para os
portadores do ódio belicista, esse Outro contra o qual se armam, esse inimigo
aterrador (seja ele qual for, terrorismo fundamentalista, migrantes, Rússia,
Irão, China…) tem um alcance muito vasto e é invulgarmente flexível” (M. Ferré)”.
[Manuel Loff, “Os frutos da política do medo”, in Público de
25 de Junho de 2025].
As duas frases acima transcritas, do artigo de Manuel Loff,
resumem tudo o que se tem passado nos últimos dias nas chancelarias ocidentais
e no politburo da União Europeia, culminando na vergonhosa bajulação a Trump na
cimeira da NATO.
Por muito que nos prometam que os tão badalados gastos
militares não vão corroer e destruir as estruturas do “estado social europeu”, é
evidente que essa promessa é impossível de cumprir, tendo em conta a
percentagem do PIB alocado à defesa. Sé em Portugal, já o sabemos, 2,1%
corresponde a mil milhões de euros de gastos públicos anuais, que vão duplicar
até aos 5% nos próximos anos, já se percebeu que esse valor não vai surgir do
nada, vai implicar cortes, os do costume: pensões, salários, saúde, educação e direitos sociais.
Ora, se tivermos em conta que o chamado “Estado Social
Europeu” era a principal bandeira apresentada pela União Europeia que
justificava a sua “superioridade civilizacional”, com a sua destruição ou
enfraquecimento pouco restará desse projecto.
Sabemos que há décadas que os sectores financeiros, que
dominam a burocracia europeia, procuram devorar em seu proveito o valor desse “Estado
Social”, pelo menos desde os tempos da troika, projecto de “cativação”
descaradamente e publicamente defendida pela actual responsável para área
financeira da Comissão Europeia, a nossa bem conhecida “troikista” Maria Luís
Albuquerque, coadjuvada nessa intensão por outra conhecida troikista, Christine
Lagarde.
Para a mentira estar completa, também não falta outro
conhecido troikista, o secretário-geral da NATO, Mark Rutte, a confirmar a “necessidade”
de destruir o “Estado Social” :” os cidadãos dos países-membros da NATO devem
"aceitar fazer sacrifícios", como cortes nas suas pensões, na saúde e
nos sistemas de segurança, para aumentar as despesas com a defesa e garantir a
segurança a longo prazo na Europa”[afirmação proferida por Rutte no Parlamento
Europeu em 12 de Dezembro de 2024], acrescentando: "Hoje apelo ao vosso
apoio, a ação é urgente. Para proteger a nossa
liberdade, a nossa prosperidade e o nosso modo de vida, os vossos políticos
têm de ouvir as vossas vozes. Digam-lhes que aceitam fazer sacrifícios hoje
para que possamos estar seguros amanhã" (in Líder da NATO pede aos
europeus que "façam sacrifícios" para aumentar despesas com a defesa,
na página da Euronews de 12.12.2024).
Essas afirmações são coerentes com a acção política desse
troikista, enquanto primeiro-ministro da Holanda (1), de cujo governo fazia
parte o nosso conhecido Dijsselbloem, que acusava os europeus do Sul de
gastarem dinheiro em “copos e mulheres”.
Não se percebe, contudo, como é que se defende “a nossa
liberdade, a nossa prosperidade e o nosso “modo de vida” cortando no Estado
Social Europeu, já que tem sido este o principal pilar e o garante da nossa
liberdade, prosperidade e “modo de vida” Europeu. Dizem que Rutte é formado em
História, mas nunca deve ter lido Churchill que, quando, em plena 2ª Guerra ,
vendo-se obrigado a fazer duros cortes nas despesas, quando, numa reunião do
seu gabinete, “alguém sugeriu que fossem feitas reduções significativas no
orçamento da Cultura, Churchill recusou. O argumento: sem cultura "por que
é que estamos a lutar?" (leia-se Jornal de Negócios, 30 de Janeiro de 2013).
O mesmo podemos dizer hoje para os defensores de cortes no “Estado
Social”. Sem o pilara Social Europeu para que é que vamos lutar?.
Outro lado da moeda é o discurso do medo, também muito
explorado pelo mesmo Rutte.
Ainda recentemente, numa deslocação a Portugal, alertava
para o perigo de os russos invadirem Lisboa e, noutra ocasião, continuando a defender
cortes no Estado Social, ameaçava quem o não fizesse que teria de aprender
russo.
Aliás, sobre o “papão” militar russo o discurso é contraditório.
Tanto se ridiculariza esse poder, “enfraquecido pelas sanções” e incapaz de
controlar a Ucrânia, como se argumenta com a possibilidade de um ataque a um
país da NATO nos próximos anos.
Nada aponta para que a Rússia, a menos que seja provocada,
ataque um país da NATO, pois, se nem um país enfraquecido como a Ucrânia
consegue controlar, sem ser à custa de imensas baixas e custos militares, muito
menos teria condições para enfrentar directamente esses países. Aliás, o
próprio Putin, surpreendido com a resistência ucraniana, há muito que se deve
ter arrependido dessa invasão, embora não o admita.
O que se pretende com a subida do orçamento militar é, por
um lado, salvar o sector automóvel europeu, convertendo-o no fabrico de
armamento, por outro financiar a industria militar norte-americana, que
enfrenta uma profunda crise, com ganhos para o sector financeiro que controla o
politburo de Bruxelas.
E esse aumento da despesa militar, não se iludam, só pode
ser conseguido à custa do “Estado Social Europeu” e, por arrasto, à custa “da
nossa liberdade, da nossa prosperidade e do nosso modo de vida”.
Nos próximos tempos o nosso espaço político, público e
comunicacional vai ser invadido por muitos candidatos a “Oliveiras da Figueira”,
para nos vender e convencer a comprar toda a tralha armamentista.
(1)O “elucidativo” “currículo” de Rutte, segundo o perfil publicado
na Wikipedia:
“Os seus principais objectivos [do governo holandês] eram cortar a despesa pública, especialmente
nos cuidados de saúde, e isentar as grandes empresas de um imposto sobre
dividendos, mas mais tarde abandonou-o. Declarou também que "não haverá
mais dinheiro para a Grécia" e comprometeu-se a descriminalizar a negação
do Holocausto, embora também tenha renunciado a isso.
No contexto da pandemia de COVID-19, opôs-se a que a UE
organizasse ajuda financeira aos países mais afectados, antes de aderir sob
pressão dos seus aliados europeus.
O seu governo foi criticado em 2020 num relatório
parlamentar, num escândalo de bem-estar. Determinados a combater possíveis
fraudes, os serviços estatais retiraram benefícios às famílias que a eles
tinham direito, enquanto que etnicamente traçavam o perfil dos beneficiários.
Cerca de 26.000 famílias perderam injustamente estes benefícios entre 2011 e
2019, de acordo com o relatório, e em alguns casos tiveram de reembolsar os
montantes recebidos. Enquanto a esquerda radical e os ambientalistas, alarmados
pelos apelos dos pais, apelaram sem êxito a uma investigação já em 2014, os
partidos no poder há muito que ignoram a questão. Políticos seniores, incluindo
vários ministros em exercício, são acusados de terem optado por fazer vista
grossa a disfunções de que tinham conhecimento”.