“É aqui que entra o securitarismo. “Para criar medo,
precisam de um monstro, de um Outro a odiar, de um inimigo ameaçador. Para os
portadores do ódio belicista, esse Outro contra o qual se armam, esse inimigo
aterrador (seja ele qual for, terrorismo fundamentalista, migrantes, Rússia,
Irão, China…) tem um alcance muito vasto e é invulgarmente flexível” (M. Ferré)”.
[Manuel Loff, “Os frutos da política do medo”, in Público de
25 de Junho de 2025].
As duas frases acima transcritas, do artigo de Manuel Loff,
resumem tudo o que se tem passado nos últimos dias nas chancelarias ocidentais
e no politburo da União Europeia, culminando na vergonhosa bajulação a Trump na
cimeira da NATO.
Por muito que nos prometam que os tão badalados gastos
militares não vão corroer e destruir as estruturas do “estado social europeu”, é
evidente que essa promessa é impossível de cumprir, tendo em conta a
percentagem do PIB alocado à defesa. Sé em Portugal, já o sabemos, 2,1%
corresponde a mil milhões de euros de gastos públicos anuais, que vão duplicar
até aos 5% nos próximos anos, já se percebeu que esse valor não vai surgir do
nada, vai implicar cortes, os do costume: pensões, salários, saúde, educação e direitos sociais.
Ora, se tivermos em conta que o chamado “Estado Social
Europeu” era a principal bandeira apresentada pela União Europeia que
justificava a sua “superioridade civilizacional”, com a sua destruição ou
enfraquecimento pouco restará desse projecto.
Sabemos que há décadas que os sectores financeiros, que
dominam a burocracia europeia, procuram devorar em seu proveito o valor desse “Estado
Social”, pelo menos desde os tempos da troika, projecto de “cativação”
descaradamente e publicamente defendida pela actual responsável para área
financeira da Comissão Europeia, a nossa bem conhecida “troikista” Maria Luís
Albuquerque, coadjuvada nessa intensão por outra conhecida troikista, Christine
Lagarde.
Para a mentira estar completa, também não falta outro
conhecido troikista, o secretário-geral da NATO, Mark Rutte, a confirmar a “necessidade”
de destruir o “Estado Social” :” os cidadãos dos países-membros da NATO devem
"aceitar fazer sacrifícios", como cortes nas suas pensões, na saúde e
nos sistemas de segurança, para aumentar as despesas com a defesa e garantir a
segurança a longo prazo na Europa”[afirmação proferida por Rutte no Parlamento
Europeu em 12 de Dezembro de 2024], acrescentando: "Hoje apelo ao vosso
apoio, a ação é urgente. Para proteger a nossa
liberdade, a nossa prosperidade e o nosso modo de vida, os vossos políticos
têm de ouvir as vossas vozes. Digam-lhes que aceitam fazer sacrifícios hoje
para que possamos estar seguros amanhã" (in Líder da NATO pede aos
europeus que "façam sacrifícios" para aumentar despesas com a defesa,
na página da Euronews de 12.12.2024).
Essas afirmações são coerentes com a acção política desse
troikista, enquanto primeiro-ministro da Holanda (1), de cujo governo fazia
parte o nosso conhecido Dijsselbloem, que acusava os europeus do Sul de
gastarem dinheiro em “copos e mulheres”.
Não se percebe, contudo, como é que se defende “a nossa
liberdade, a nossa prosperidade e o nosso “modo de vida” cortando no Estado
Social Europeu, já que tem sido este o principal pilar e o garante da nossa
liberdade, prosperidade e “modo de vida” Europeu. Dizem que Rutte é formado em
História, mas nunca deve ter lido Churchill que, quando, em plena 2ª Guerra ,
vendo-se obrigado a fazer duros cortes nas despesas, quando, numa reunião do
seu gabinete, “alguém sugeriu que fossem feitas reduções significativas no
orçamento da Cultura, Churchill recusou. O argumento: sem cultura "por que
é que estamos a lutar?" (leia-se Jornal de Negócios, 30 de Janeiro de 2013).
O mesmo podemos dizer hoje para os defensores de cortes no “Estado
Social”. Sem o pilara Social Europeu para que é que vamos lutar?.
Outro lado da moeda é o discurso do medo, também muito
explorado pelo mesmo Rutte.
Ainda recentemente, numa deslocação a Portugal, alertava
para o perigo de os russos invadirem Lisboa e, noutra ocasião, continuando a defender
cortes no Estado Social, ameaçava quem o não fizesse que teria de aprender
russo.
Aliás, sobre o “papão” militar russo o discurso é contraditório.
Tanto se ridiculariza esse poder, “enfraquecido pelas sanções” e incapaz de
controlar a Ucrânia, como se argumenta com a possibilidade de um ataque a um
país da NATO nos próximos anos.
Nada aponta para que a Rússia, a menos que seja provocada,
ataque um país da NATO, pois, se nem um país enfraquecido como a Ucrânia
consegue controlar, sem ser à custa de imensas baixas e custos militares, muito
menos teria condições para enfrentar directamente esses países. Aliás, o
próprio Putin, surpreendido com a resistência ucraniana, há muito que se deve
ter arrependido dessa invasão, embora não o admita.
O que se pretende com a subida do orçamento militar é, por
um lado, salvar o sector automóvel europeu, convertendo-o no fabrico de
armamento, por outro financiar a industria militar norte-americana, que
enfrenta uma profunda crise, com ganhos para o sector financeiro que controla o
politburo de Bruxelas.
E esse aumento da despesa militar, não se iludam, só pode
ser conseguido à custa do “Estado Social Europeu” e, por arrasto, à custa “da
nossa liberdade, da nossa prosperidade e do nosso modo de vida”.
Nos próximos tempos o nosso espaço político, público e
comunicacional vai ser invadido por muitos candidatos a “Oliveiras da Figueira”,
para nos vender e convencer a comprar toda a tralha armamentista.
(1)O “elucidativo” “currículo” de Rutte, segundo o perfil publicado
na Wikipedia:
“Os seus principais objectivos [do governo holandês] eram cortar a despesa pública, especialmente
nos cuidados de saúde, e isentar as grandes empresas de um imposto sobre
dividendos, mas mais tarde abandonou-o. Declarou também que "não haverá
mais dinheiro para a Grécia" e comprometeu-se a descriminalizar a negação
do Holocausto, embora também tenha renunciado a isso.
No contexto da pandemia de COVID-19, opôs-se a que a UE
organizasse ajuda financeira aos países mais afectados, antes de aderir sob
pressão dos seus aliados europeus.
O seu governo foi criticado em 2020 num relatório parlamentar, num escândalo de bem-estar. Determinados a combater possíveis fraudes, os serviços estatais retiraram benefícios às famílias que a eles tinham direito, enquanto que etnicamente traçavam o perfil dos beneficiários. Cerca de 26.000 famílias perderam injustamente estes benefícios entre 2011 e 2019, de acordo com o relatório, e em alguns casos tiveram de reembolsar os montantes recebidos. Enquanto a esquerda radical e os ambientalistas, alarmados pelos apelos dos pais, apelaram sem êxito a uma investigação já em 2014, os partidos no poder há muito que ignoram a questão. Políticos seniores, incluindo vários ministros em exercício, são acusados de terem optado por fazer vista grossa a disfunções de que tinham conhecimento”.
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