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terça-feira, 30 de abril de 2019

O Dia do “Colaborador”



Na novilíngua neoliberal há um termo bem revelador da tentativa de branqueamento social que essa ideologia pretende impor.

Trata-se da substituição da designação de “Trabalhador” pela de “Colaborador”.

“Colaborador” tem menos peso histórico, social e politico e serve para branquear todos os abusos económicos do neoliberalismo sobre o mundo do trabalho.

“Colaborador” tem um peso paternalista que inibe um “colaborador” de exigir melhores condições de trabalho e de salário.

No fundo  “colaborar” com a entidade patronal é quase um tu cá tu lá com esta entidade e, por isso, um “colaborador” não reivindica nem exige, limita-se a…colaborar!

No fundo um “colaborador” está ao nível do “empreendedor” (outro eufemismo neoliberal para o velho patrão), menos no salário e no poder de decisão.

Um “colaborador” não deve exigir direitos, apenas …colaborar!

Um "colaborador" não tem limite horário para...colaborar!

Um “colaborador” não se deve preocupar com o salário, porque o seu privilégio é …colaborar!

Quem sabe se, em breve, deixamos de ouvir falar em “partidos trabalhistas” e passamos a ouvir falar em “partidos dos colaboradores”.

Ou talvez o Dia do Trabalhador se passe a designar…DIA do COLABORADOR!

segunda-feira, 29 de abril de 2019

Eleições em Espanha: a “esquerda” convenceu…mas vencerá?



As eleições em Espanha deram uma vitória significativa ao PSOE, mas o seu resultado deixa muitas interrogações em aberto em relação ao futuro politico daquele grande país.

De facto o PSOE, que se encontrava em declínio, encontrou um novo fôlego que se deve, em grande parte, ao facto de ter virado à esquerda e  ter afastado os velho barões, muitos deles envolvidos em escândalos de corrupção.

Conseguiu assim travar o avanço do PODEMOS, que foi um dos derrotados da noite, embora se mantenha em condições de participar numa grande coligação de esquerda.

Se o PSOE trair os seus eleitores, aliando-se aos oportunistas do “Ciudadanos”, o PODEMOS pode voltar a recuperar o seu peso perdido.

No total, toda a esquerda (incluindo os pequenos partidos regionalista, com destaque para a Esquerda Republicana da Catalunha que elegeu 15 deputados), tem, no seu conjunto, a maioria absoluta do parlamento espanhol.

À direita o PP foi o grande derrotado, ao optar por uma estratégia de viragem à direita, aproximando-se da extrema direita, de onde, aliás, nasceu como partido.

Aquele que era o tradicional espaço do PP, um partido muito mais direitista do que os nosso partidos da direita, com origem no velho franquismo, envolvido em graves processos de corrupção, fragmentou-se em  três partidos.

 O “novo” Ciudadanos, um partido de oportunistas e neoliberais, foi um dos vencedores da noite.

Outro vencedor foi o partido da extrema direita VOX, mas sem conseguir o que almejava, 70 deputados eleitos, e ficando longe daquilo que muitos vaticinavam, os 30 deputados, ficando-se pelos 24.

A extrema direita espanhola, que até agora se acolitava no seio do PP, consegui agora autonomizar-se, rompendo a excepção ibérica em relação ao avanço dessa tipo de partidos.

(Em Portugal o VOX, que só encontra paralelo no partido do Ventura, encontrou um estranho aliado, o deputado e candidato europeu do CDS Nuno Melo).

Está nas mãos do PSOE a difícil tarefa de conciliar a esquerda, resolver o problema catalão, desmascarar os oportunistas do Ciudadanos, travar o avanço da extrema direita e resolver a difícil situação económica e social que a Espanha enfrenta.

A esquerda convenceu o eleitorado espanhol, que, contrariando outra tendência, ocorreu em massa às urnas de voto (mais de 75% de votantes),mas ainda lhe falta muito para se declarar vencedora.

sexta-feira, 26 de abril de 2019

Os cartoon´s "subversivos" da revolta dos estudantil de Coimbra de 1969


Foi em Abril de 1969 que se iniciou um dos momentos mais significativos da oposição ao Estado Novo.

Marcelo Caetano tinha acabado de substituir Salazar, que continuava a agonizar, ignorando que já não mandava em nada.

Os ventos do Maio de 68 em França chegavam à universidade portuguesa e o clima de esperança pelo afastamento de Salazar dava coragem e alento para que a sociedade portuguesa se começasse a abrir.

Coube aos estudantes de Coimbra dar o sinal de partida quando, em 17 de Abril, na presença do presidente de República Américo Thomaz, e do Ministro da Educação, José Hermano Saraiva, o recém eleito presidente da Associação de Estudantes, Alberto Martins, actual deputado do PS, pediu a palavra, palavra recusada por Américo Thomaz.

A comitiva presidencial, que estava ali para inaugurar uma nova sala do curso de matemática da Universidade, saiu sob vais dos alunos e a contestação prosseguiu nas ruas de Coimbra, durando até ao Verão e espalhando-se às restantes universidades portuguesas, motivando a prisão de dezenas de estudantes e a integração compulsiva de muitos deles nas Forças Armadas e o seu envio para a Guerra Colonial.

Há quem diga que essa atitude contribuiu para politizar as Forças Armadas e aumentar, no seu seio, o descontentamento contara a Guerra e o regime, conduzindo ao 25 de Abril.

Não tencionamos aqui fazer a história desse movimento, já contada pelos protagonistas em diversos estudos (Peço a Palavra – Coimbra 1969, por Alberto Martins, ed. Verbo;  Coimbra, 1969, por Celso Cruzeiro, ed. Afrontamento; O Processo – Documentos da Crise Académica. Coimbra 1969, por Gualberto Freitas, ed. Afrontamento).

Pessoalmente, foi nessa ocasião, numa visita a Coimbra, que me deparei com a realidade repressiva do regime.

Sendo filho de oposicionista e ex-preso politico, apesar dos meus 13 anos, tinha a noção do que era o regime e do que era viver em ditadura.

Mas nunca tinha assistido ao vivo à actuação repressiva das forças do regime.

Como o meu pai era de Coimbra e viviam lá os meus avós, todos os anos, pelo verão, fazíamos uma viagem de ida e volta, de um dia, para visitar os meus avós.

Como o meu pai não tinha carro, íamos de comboio, na linha do Oeste, numa viagem que era uma autêntica aventura de várias horas, que começava de madrugada e terminava em Coimbra por volta da hora do almoço que tinha lugar em casa dos meus avós, para regressarmos ao final da tarde e chegar a Torres Vedras ao final da noite.

Os meus avós viviam numa casinha modesta, no final de uma rua estreita (Travessa do Quebra Costas), que se iniciava no largo da Sé Velha de Coimbra, ao lado da República dos Kágados e perto do lugar onde viveu Zeca Afonso (hoje evocado numa placa próxima).

Num ano, que só mais tarde me apercebi que foi o de 1969, o meu pai, levado pela curiosidade dos acontecimentos que ele seguia,  resolveu levar-nos à zona da Universidade, subindo pela rua à esquerda da Sé Velha, que desemboca junto do Museu Machado de Castro e daí seguimos em direcção à Universidade, deparando-nos com um grande aparato policial, de jipes com militares e tropas da policia de choque, que rapidamente se movimentavam para dispersar qualquer pequeno ajuntamento de pessoas, estudantes ou não.

Alguns desses militares dirigiram-se ao meu pai, que inventou uma história sobre morar para os lados da universidade, história em que a policia acreditou, talvez pelo ar familiar do grupo constituído pelo meu pai, pela minha mãe e por dois filhos menores.

Foi assim que, pela primeira vez, me deparei com a acção policial, presente em força naquela zona, sempre atento ao mais pequeno ajuntamento, berrando ordens de dispersão.

Embora nessa altura (não sei se em Julho ou se em Agosto), a revolta, que atingiu o seu auge na época dos exames de Junho e Julho, já estivesse em refluxo, essas imagens das forças policiais marcaram-me para sempre e, a esse aparato, só voltei a assistir em Torres Vedras por ocasião da campanha eleitoral de Outubro de 1973.

Tenho em meu poder um conjunto de folhetos com cartoo’s, num estilo naif, que foram distribuídos pelos estudantes de Coimbra durante aquele período, para denunciar o regime de então, os quais aqui reproduzo, como evocação desse momento: