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segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Morreu Bernardo Bertolucci, para quem o tempo não existia



Numa entrevista concedida para ao “Expresso” à jornalista Cristina Margato, Bertolucci despediu-se com uma frase enigmática: “o tempo não existe”.

Para cineastas como Bertolucci o tempo, de facto não existe, pois o cinema, o grande cinema, é mesmo o melhor meio para eternizar o tempo, onde a vida dos actores, as paisagens, os espaços, se tornam eternos.

É essa, talvez, a grande magia do cinema, até aos nossos dias a única máquina do tempo que nos leva a viajar por todas as épocas e espaços.

Bertolucci, ontem falecido aos 77 anos, em Roma, no país onde nasceu em 16 de Março de 1940, era um desses mágicos do tempo, do espaço e das épocas.

“1900”, a grande saga em duas partes que realizou, em 1976, sobre a história da Itália e da Europa da primeira metade do século XX, foi uma dessas obras que nos levou a viver e sentir uma época de grandes transformações socias e politicas, através da humanidade das suas personagens.

“1900” tornou-se um filme maldito para a crítica pós-modernista e neoliberal, pois desmontava muitos dos argumentos e mitos antissociais e revisionistas em que estes movimentos, hoje dominantes na ideologia politica, no discurso economicista e cultural,   se baseiam.

Não me admiraria hoje de ler muitos dos que quiseram desvalorizar esse filme, por meros preconceitos ideológicos, a escrever loas a essa obra.

Mas essa não foi a única grande obra do cineasta, nem a única a abordar a temporalidade histórica, não podendo deixar de recordar “O Último Imperador”(1989), um dos filmes que até hoje recebeu mais óscares, uma grande saga sobre o fim da China imperial e o inicio da sua caminhada para se tornar a potência dos nossos dias.

Bertolucci começou como assistente de Pasolini e estreou-se com uma obra pouco conhecida, “La Commare Secca”, realizado em 1962.

Em Itália foi mensageiro de “Nouvelle Vague”, embora seguindo um percurso original,  e a consagração chegou com “Antes da Revolução”, realizado em 1964 e, principalmente, “A Estratégia da Aranha” de 1970, o mesmo ano do “Conformista”.

Os seus filmes procuram sempre explorar o lado humanos dos personagens, sem nunca esquecer o enquadramento histórico das suas atitudes, sendo este um dos lados mais característicos da obra do realizador italiano, que continuou a sua actividade nos Estados Unidos, seguindo o caminho de outros grandes cineastas italianos da sua geração, como Copolla,  Scorsese e Sergio Leone.

Para este último escreveu o argumento daquele que é até hoje um dos melhores “Western’s” de sempre, “Aconteceu no Oeste”.

A poesia, na humanidade dos personagens e na forma como filmava os grandes espaços, foi uma característica que herdou da sua juventude, onde, antes do cinema, quis ser poeta.

E se há filme que representa o lado poético da sua obra é esse magnifico “Um Chá no Deserto”, de 1990, para além do anterior “La Luna” de 1979, obra um pouco esquecida.

O erotismo esteve, igualmente, presente em toda a sua obra, com destaque para o mais polémico dos seus filmes, “O Último Tango em Paris”, filme que perseguiu o cineasta ao longo da sua vida, nunca tendo ultrapassado a forma como Maria Schneider ficou marcada por essa obra, erotismo que marcou igualmente um dos seu filme mais recente, passado no ambiente do Maio de 68, “Os Sonhadores” de 2003.

Em 2012 realizou o seu último filme, “Eu e Tu”, uma viagem aos fantasmas da adolescência.
A morte de Bertolucci, o cineasta que fazia filmes “para perceber o mundo, os outros e a mim mesmo”, deixa um grande vazio no panorama cinematrográfico mundial, mas a sua obra é eterna.

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