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sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Eu e os impostos.


Parece que caiu “o Carmo e a Trindade” com a notícia do “Expresso” segundo a qual a ”carga fiscal em Portugal é mais baixa que na zona euro”, até porque desmonta o argumentário das fake news em circulação nas redes sociais

Claro que as contas contabilizam o total de impostos e cotizações sociais. Se formos ao pormenor vemos que o IVA que se paga em Portugal é superior à média.

Pessoalmente, por principio, não tenho nenhum problema em pagar impostos.

Até não me importava de pagar mais se soubesse que os impostos eram aplicados no combate às desigualdades sociais, na garantia de um sistema justo de segurança social e na manutenção de serviços de qualidade na educação, na saúde, nos transportes, na justiça,  no apoio ao património e à cultura e na gestão ambiental.

Ou seja, pagava de bom grado os impostos pagos nos países nórdicos e outros para ter os serviços desses países.

Para mim, contudo, o problema reside em saber como são cobrados e utilizados esses impostos.
Fugir aos impostos e usar outros estratagemas, como o recurso a subvenções estatais ou registos em paraísos fiscais é um crime que deve ser combatido e travado.

Usar o dinheiro dos impostos para salvar bancos e grandes empresas, que continuam a pagar chorudos salários aos seus administradores e lucros aos seus accionistas, é outro crime contra os contribuintes.

Aplicar os impostos para garantir privilégios, pensões chorudas e salários de luxo a administradores de empresas estatais, a assessores, a cargos de nomeação politica e a escritórios de advogados é outra prática que deve ser travada e, no mínimo, devidamente explicada.

Só aceito que os impostos que me cobram sejam aplicados para cumprir as obrigações constitucionais de um ensino, uma justiça, uma saúde, uma rede de transportes de qualidade e uma gestão ambiental e patrimonial adequada, e os direitos de soberania, culturais e sociais de forma racional.

Também não me choca, por exemplo, o aumento de impostos sobre bens que provoquem problemas de saúde pública ou que aumentem a poluição ambiental, como forma de fomentar a procura de soluções alternativas, que, estas sim, devem ser apoiadas pelo Estado, isto é, pelo dinheiro dos contribuintes, até se tornarem rentáveis ( como, por exemplo, a substituição da gasolina e do gasóleo pela energia eléctrica ou outra menos poluente), já que, nos nossos dias, as questões ambientais carecem de soluções urgentes e são questões de sobrevivência civilizacional.

Claro que, na visão neoliberal, há quem ache que os impostos se devem reduzir ao mínimo e que cada um se deve salvar com puder, vigorando a lei do mais forte ou capacitado, substituindo o apoio social pela caridade e os direitos pela lei da selva.

É uma opinião .Mas não é a minha.

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Morreu Bernardo Bertolucci, para quem o tempo não existia



Numa entrevista concedida para ao “Expresso” à jornalista Cristina Margato, Bertolucci despediu-se com uma frase enigmática: “o tempo não existe”.

Para cineastas como Bertolucci o tempo, de facto não existe, pois o cinema, o grande cinema, é mesmo o melhor meio para eternizar o tempo, onde a vida dos actores, as paisagens, os espaços, se tornam eternos.

É essa, talvez, a grande magia do cinema, até aos nossos dias a única máquina do tempo que nos leva a viajar por todas as épocas e espaços.

Bertolucci, ontem falecido aos 77 anos, em Roma, no país onde nasceu em 16 de Março de 1940, era um desses mágicos do tempo, do espaço e das épocas.

“1900”, a grande saga em duas partes que realizou, em 1976, sobre a história da Itália e da Europa da primeira metade do século XX, foi uma dessas obras que nos levou a viver e sentir uma época de grandes transformações socias e politicas, através da humanidade das suas personagens.

“1900” tornou-se um filme maldito para a crítica pós-modernista e neoliberal, pois desmontava muitos dos argumentos e mitos antissociais e revisionistas em que estes movimentos, hoje dominantes na ideologia politica, no discurso economicista e cultural,   se baseiam.

Não me admiraria hoje de ler muitos dos que quiseram desvalorizar esse filme, por meros preconceitos ideológicos, a escrever loas a essa obra.

Mas essa não foi a única grande obra do cineasta, nem a única a abordar a temporalidade histórica, não podendo deixar de recordar “O Último Imperador”(1989), um dos filmes que até hoje recebeu mais óscares, uma grande saga sobre o fim da China imperial e o inicio da sua caminhada para se tornar a potência dos nossos dias.

Bertolucci começou como assistente de Pasolini e estreou-se com uma obra pouco conhecida, “La Commare Secca”, realizado em 1962.

Em Itália foi mensageiro de “Nouvelle Vague”, embora seguindo um percurso original,  e a consagração chegou com “Antes da Revolução”, realizado em 1964 e, principalmente, “A Estratégia da Aranha” de 1970, o mesmo ano do “Conformista”.

Os seus filmes procuram sempre explorar o lado humanos dos personagens, sem nunca esquecer o enquadramento histórico das suas atitudes, sendo este um dos lados mais característicos da obra do realizador italiano, que continuou a sua actividade nos Estados Unidos, seguindo o caminho de outros grandes cineastas italianos da sua geração, como Copolla,  Scorsese e Sergio Leone.

Para este último escreveu o argumento daquele que é até hoje um dos melhores “Western’s” de sempre, “Aconteceu no Oeste”.

A poesia, na humanidade dos personagens e na forma como filmava os grandes espaços, foi uma característica que herdou da sua juventude, onde, antes do cinema, quis ser poeta.

E se há filme que representa o lado poético da sua obra é esse magnifico “Um Chá no Deserto”, de 1990, para além do anterior “La Luna” de 1979, obra um pouco esquecida.

O erotismo esteve, igualmente, presente em toda a sua obra, com destaque para o mais polémico dos seus filmes, “O Último Tango em Paris”, filme que perseguiu o cineasta ao longo da sua vida, nunca tendo ultrapassado a forma como Maria Schneider ficou marcada por essa obra, erotismo que marcou igualmente um dos seu filme mais recente, passado no ambiente do Maio de 68, “Os Sonhadores” de 2003.

Em 2012 realizou o seu último filme, “Eu e Tu”, uma viagem aos fantasmas da adolescência.
A morte de Bertolucci, o cineasta que fazia filmes “para perceber o mundo, os outros e a mim mesmo”, deixa um grande vazio no panorama cinematrográfico mundial, mas a sua obra é eterna.

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Voltando às touradas.



Já aqui me manifestei sobre o que penso das touradas: um degradante espectáculo onde se tortura um animal encurralado.

Também já o disse: a desculpa da tradição em defesa desse triste espectáculo não pega. Por esse ponto de vista, manter-se-iam muitas tradições que incluem maltratar animais por puro prazer “tradicional” ou, indo ainda mais longe, muitas “tradições” que maltratam e humilham seres humanos.

Mas, o mais incrível de toda esta questão é o facto de o que está em causa não é qualquer proibição desse triste e degradante espectáculo, mas apenas mantê-lo a pagar o IVA de 13%, situação que era aquela que existe até à aprovação do próximo orçamento, continuando, mesmo assim, a beneficiar de uma redução de 10% de IVA em relação a muitos produtos e actividades muito mais importantes e essências do que a manutenção do degradante espectáculo das touradas.

Ou seja, quando a maior parte das actividades e produtos pagam um IVA de 23%, as touradas já beneficiam de uma redução de 10%, pagando 13% de IVA e agora queriam ir à boleia de artes como a musica, a dança, o teatro e o circo e passarem a pagar IVA de 6%.

Ou seja, não contentes por já beneficiarem de um subsidio indirecto do Estado, por pagarem menos 10% de IVA do qua aquele que deviam pagar, queriam ver esse “apoio” aumentar, pagando ainda menos do que muitos de nós pagamos por bens essenciais.

Se me explicarem onde está a “arte” de torturar animais, talvez até venha a aceitar tal redução. Caso contrário, “podem” (!!??) continuar a divertir-se a torturar animais, mas não me atirar areia para os olhos.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

O Fascismo “nunca existiu”!??...ou existiu “apenas” num país!???...ou “anda ainda por aí”!?? -3º parte



Registámos, em dois posts anteriores, as características históricas do fascismo e a forma como a investigação histórica dos anos 90 caminhou no sentido de demonstrar que o fascismo estava morto e enterrado.

Referimos a excepção de Umberto Eco que, remando conta a maré dominante, explicou num ensaio de 1997, que o fascismo podia ressurgir com novas roupagens.

Ficámos de explicar quais eram as características, apontadas por Eco,  desse “novo fascismo”, que ele designa com “Ur-fascismo”.

Depois de analisar o exemplo do fascismo italiano, mostra que o fascismo não era coerente do ponto de vista ideológica, “não era uma ideologia monolítica, mas uma colagem de diversas ideias politicas e filosóficas, uma amalgama de contradições”, ao contrário do nazismo.

Por isso considerava que, se o nazismo não iria reaparecer “como movimento que envolva uma nação inteira”, pelo contrário o fascismo mantinha condições para renascer sob novas roupagens.

Escreve Eco que houve “um único nazismo”, mas, em” contrapartida, “pode-se brincar ao fascismo de muitos modos”, porque o “termo “fascismo” adapta-se a tudo porque é possível eliminar de um regime fascista um ou vários aspectos, e poder-se-á reconhecê-lo com fascismo”.

Apesar da confusão e da dificuldade em definir fascismo, é “possível indicar uma lista de características típicas do que poderei chamar o “Ur-fascismo” ou o “fascismo eterno”. Estas características não poderão ser ordenadas num único sistema: muitas contradizem-se reciprocamente, e são típicas de outras formas de despotismo ou fanatismo. Mas basta que esteja presente uma delas para fazer coagular uma nebulosa fascista”.

E quais são essas características apresentadas no ensaio de Eco?

Ei-las, de forma resumida:

-1. O culto da tradição, embora seja “mais velho do que o fascismo”;

-2. A rejeição do modernismo e do mundo moderno, que também se pode referir como “irracionalismo”.

-3. O culto da “acção pela acção”: “A acção é bela em si, e portanto tem de ser realizada antes de e sem qualquer reflexão. Pensar é uma forma de castração. Por isso a cultura é suspeita na medida em que se identifica com comportamentos críticos”, atitude identificada com o “uso frequente de expressões como “Porcos intelectuais”, “Convencidos”, “Snobs radiais”, “As Universidade são covis de comunistas”(…).

-4. O desacordo “é traição”.

-5. O Medo da diferença. “O Ur-Fascismo é (…) racista por definição”.

-6. A exploração da “frustração individual ou social” , apelando “às classes médias frustradas , sentindo mal-estar por qualquer crise económica ou humilhação política, assustadas pela pressão dos grupos sociais subalternos”.

-7. O nacionalismo, com apelo à xenofobia e que procura inimigos externos e internos que “conspiram” contra a identidade nacional.

- 8 . A defesa face a um inimigo que humilha o “povo”  pela “riqueza ostentada”.

- 9 . A critica ao pacifismo.

- 10 . O elitismo de massas e o “desprezo pelos fracos”. Quem se identifica com o “chefe” ou com “o partido” é o “melhor  povo do mundo” e os que pertencem ao “movimento” são “os melhores cidadãos”.

- 11 . O culto do “herói”, “todos são educados para se tornarem heróis”.

- 12 . o “machismo”, que implica o “desprezo pelas mulheres” e a “condenação” da homossexualidade.

- 13 . O “populismo qualitativo”, ou seja, “os indivíduos enquanto indivíduos não têm direitos” e é o líder que interpreta a vontade do povo. Já então Eco avisava que no “nosso futuro perfila-se um populismo qualitativo Tv ou internet, em que a resposta emotiva de um grupo selecionado de cidadãos pode ser apresentado e aceita como a “voz do povo”. Devido aos seu populismo qualitativo, o Ur-Fascismo tem de opor-se aos “putrefactos” governos parlamentares”. E conclui: “sempre que um politico lança dúvidas sobre a legitimidade do parlamento por já não representar “a voz do povo”, já podemos dizer que cheira a Ur-fascismo”.

- 14 . “O Ur-Fascismo fala a “neolíngua””, um termo inventado por George Orwell par o seu romance “1984”, uma crítica ao stalinismo então dominante entre os movimentos comunistas, mas que, segundo Eco, tem elementos comuns “a formas diferentes de ditaduras”, referindo o léxico pobre, de frase feita, com fins propagandísticos e de doutrinação, que procura alterar o significado da palavra com o objectivo de “limitar os instrumentos para o raciocínio complexo e crítico”, avisando para a necessidade de estarmos preparados “para identificar outras formas de neolíngua, mesmo quando toma  a forma  inocente de um talk- show popular”.

Conclui Eco que o “Ur-fascismo ainda pode voltar sob as vestes mais inocentes . O nosso dever é desmascara-lo e apontar o dedo a cada uma das suas novas formas –diariamente, em todo o mundo”.

Aquilo que parecia então uma mera divagação intelectual, está hoje mais actual do que muito.

Muitos dos 14 pontos apontados por Eco estão aí mais do que presentes no discurso populista de líderes políticos e movimentos de várias vestes e cores, da Venezuela ao Brasil, da Coreia do Norte à Hungria, da Rússia à Turquia, das Filipinas à Polónia, da Grã-Bretanha aos Estados Unidos, da França à Itália….

As redes sociais, que substituem a rua como lugar de manifestação da violência e do ódio de tipo fascista, estão cheias de um discurso acima identificado por Eco como o “Ur-fascismo” dos nossos dias :

-o apelo irracional ao ódio contra quem não pensa como nós;

- o discurso saudosista do “antigamente [leia-se por cá, no tempo de Salazar] é que era bom”;

- a diabolização e ridicularização das ditas questões fracturantes [a critica à modernidade];

- a disseminação das fake news ( a mentira várias vezes repetida para se tornar “verdade”);

- a criação de um clima de medo ( exagerando, pela repetição e pelo destaque, a existência de uma sociedade “dominada pelo crime”);

 -a desvalorização do Estado de Direito, com apelos à judicialização da sociedade, renegando a presunção de inocência ou fazendo dos tribunais espectáculo, recorrendo à divulgação de processos em segredo de justiça, conduzindo à defesa de uma  justiça popular e a uma justiça feita pelas próprias mãos, atitude potenciada pelos títulos de tablóides;

- a desvalorização de um pensamento crítico, atacando os “intelectuais”, o conhecimento cientifico, o papel das universidades “tomadas pela esquerda”;

- o desprezo pelos fracos, que culpa pela sua fraqueza, “vivendo dos subsídios”, apenas tolerados com alvo de campanhas de caridade para limpeza de consciências;

- o nacionalismo exacerbado, cercado de “inimigos” ( os “venezuelanos”, os “comunistas”, os “islâmicos”, os “terroristas”, os “emigrantes”…);

- a superioridade “democrática” das redes socias, a  verdadeira “voz do povo”, como contraponto da democracia “corrupta” e putrefacta” dos regimes parlamentares e dos políticos;

- etc., etc., etc….

Uma actualização fundamentada  do perigo de um “novo fascismo” está presente na recente obra de Madelene Albright, “Fascismo um Alerta”.

Historiando a origem histórica do fascismo e mostrando o que este teve de comum com o comunismo real (na sua versão stalinista) no desdém pela democracia, encontra diferenças assinaláveis entre as duas ideologias.

Faz igualmente o historial do MacCarthismo e da forma como, durante a Guerra Fria, os regimes democráticos pactuaram com as mais criminosas ditaduras, mostrando a forma como, no seio de regimes democráticos sólidos, o perigo das pulsões fascistas está presente e se pode transformar a democracia numa “ditadura da democracia”.

Faz um historial recente da presença dessas pulsões fascistas em regimes actuais, que , mesmo quando de origem ideológica aparentemente diferente, transportam em si o vírus do fascismo: o recurso à mentira, o desdém pela liberdade e pela democracia, o carisma do líder, o recurso ou apelo ao genocídio, o combate à diferença e o nacionalismo exacerbado.

Percorre a história recente do chavismo venezuelano, do regime turco de Erdogan, da ascensão de Putin, da “democracia iliberal “ de Órban na Hungria, da liderança omnipresente da dinastia Kim na Coreia do Norte, entre muitas outras referências a outros regimes “proto fascistas” como o de Sissi no Egipto, o de Kaczynski na Polónia, o de Zeman na República Checa, o de Duterte nas Filipinas (só não falando em Bolsonaro porque ainda não era notícia à data da escrita do livro), chegando à principal preocupação para o seu alerta contra o fascismo, a situação que se vive nos Estados Unidos com a vitória de Trump.

Claro que nenhum desses regimes é classificado por Albright com “fascista” ( apenas classifica como tal o da Coreia do Norte), mas todos transportam em si a semente de um novo fascismo, principalmente pela forma como banalizam um determinado discurso e uma determinada atitude que justifique as pulsões “fascistas”.

Em muitos desses governos e noutros movimentos de tipo populista por esse mundo fora, e citando Robert Paxton, da Universidade de Columbia, “ouvimos ecos de temas fascistas clássicos: medos da decadência e do declínio; afirmação de uma identidade nacional e cultural; uma ameaça à identidade nacional e à boa ordem social por parte de estrangeiros não assimiláveis; e a necessidade de maior autoridade para liderar com esses problemas”( pág.222).

Em comum, Albright encontra nalgumas das atitudes daqueles governos o caminho para um novo fascismo:

“Rapidamente o Governo que silencia um meio de comunicação acha mais fácil silenciar um segundo. O parlamento que ilegaliza um partido politico passa a ter um precedente para banir o seguinte. A maioria que priva determinada minoria dos seus direitos não para por aí. A força de segurança que espanca manifestantes e fica impune não hesita em voltar a fazê-lo” (pág.278).

Albright recorda-nos que, como aconteceu ao longo da história, os fascistas podem chegar ao poder por via eleitoral. Hoje em dia, aliás, não se atrevem a fazê-lo de outro modo. Geralmente chegados aos poder, vão dando passo a passo a estocada final na democracia, sendo o primeiro passo  minarem “ a autoridade de centros de poder que compitam com eles, incluindo o Parlamento”.

Deve-se a Albright uma definição simples e concisa do que é um fascista: “alguém que reclama falar em nome de uma nação ou de um grupo, que não se preocupa nada com os direitos dos outros e que está disposto a recorrer à violência e a quaisquer outros meios necessários para alcançar os seus objectivos” (pág.296).

Albright, que iniciou o seu livro com um conjunto de perguntas feitas aos seus alunos, cujas respostas esclarecem o que foi o fascismo em termos históricos, conclui a sua obra reformulando as perguntas, para responder onde podemos encontrar, nos lideres políticos de hoje, os novo arautos no novo fascismo:

“Vêm ao encontro dos nosso preconceitos, sugerindo que tratemos as pessoas de outra etnia, raça, credo ou partido como se não merecessem dignidade e respeito?

“Querem que alimentemos a ira contra quem acreditamos que nos fez mal, esfreguemos os ressentimentos até ficarem em carne viva e ponhamos os olhos na vingança?

“Encorajam-nos a sentirmos desprezo pelas instituições que nos governam e pelo processo eleitoral?

“Procuram destruir a nossa fé em elementos essências à democracia, como uma imprensa independente e uma magistratura profissional?

“Exploram os símbolos do patriotismo – a bandeira, o juramento – num esforço consciente  de nos virar uns contra outros?

“Se forem derrotados nas urnas, aceitam o veredicto ou insistem sem provas de que foram eles os vencedores?

“Fazem mais do que pedir os nossos votos e gabam-se da sua capacidade para resolver todos os problemas, acalmar todas as ansiedades e satisfazer todos os desejos?

“Solicitam os nossos aplausos falando despreocupadamente e com entusiasmo machista sobre o uso da violência para aniquilar os inimigos?.

“Repetem a atitude de Mussolini: “A multidão não precisa de saber” , tudo o que tem a fazer é acreditar e “aceder a ser moldada”?” (pp.304-305).

Quem corresponder à resposta positiva a  estas questões trás consigo e alimenta a semente do novo fascismo.

Como se pode concluir do que nós escrevemos e citámos, não é fácil definir, nem ontem nem hoje, o que é o fascismo.

Nem o fascismo dos anos 30 é repetível na nossa época.

Mas o desprezo pela democracia, pela liberdade, pelo outro, pela verdade, pelas instituições sociais e democráticas, pelos direitos humanos e sociais, é uma carcteristica comum à extrema-direita populista, seja a dos anos 30,seja a actual, mesmo quando, como na Venezuela, se veste  de roupagens pseudo-esquerdistas.

Ao mesmo tempo o apelo à violência e ao ódio, físico ou verbal, a atitudes irracionais, ao  que de pior existe no ser humano, é comum a tudo aquilo que, legitimamente, podemos classificar de fascismo.

Não vamos ver milícias nas ruas perseguindo judeus, negros, comunistas, socialistas ou democratas (ou será que vamos? Bolsonaro já prometeu algo parecido no Brasil...). Hoje as redes socias prestam bem esse serviço.

Não vamos ver a destruição total do formalismo democrático, pois podem bem conciliar o acto eleitoral em sociedades manipuladas por uma comunicação social controlada pelo poder financeiro e politico (Rússia, Turquia, Hungria...).

Ao contrário dos anos 30, em que economicamente o que era viável aos poderes que financiaram o fascismo contra o socialismo, a democracia e os direitos sociais, era a estatização da economia, hoje esses mesmo poderes apostam no neoliberalismo que lhes permite escapar ao fisco, às regras ambientais, à legislação e os direitos laborais e ao controle democrático da sua acção pelos parlamentos.

Este “novo fascismo”, ou “ur-fascismo” ou “populismo”, não precisa hoje de recorrer  ao aparato cénico propagandístico e espectacular dos anos 30. Basta manter-nos alienados, agarrados às redes socias e aos talk shows.

Ao contrário da esquerda, a extrema direita populista conseguiu adaptar-se aos novos tempos e renascer das cinzas, voltando a colocar o mundo á beira do abismo e da barbárie.

Bibliografia:

ALBRIGHT, Madeleine, Fascismo – um alerta, ed. Clube do autor, 2018;

ECO, Umberto, Como reconhecer o fascismo. Da diferença entre migrações e emigrações, ed. Relógio d’Àgua, 2017 (texto original de 1997, numa tradução de grande qualidade de José Colaço Barreiros);

PAYNE, Stanley G., El fascismo, Alianza Editorial , Madrid 1996 (1ª edição em 1980);

PINTO, António Costa, O Salazarismo e o Fascismo Europeu, ed. Estampa;

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Vinhas de Outono (entre o Barro e a Ventosa)

"Vinhas de Outono (entre o Barro e a Ventosa)" é uma reportagem fotográfica, feita ontem, dias 19, percorrendo as encostas do Barro e o grande vale entre a Quinta da Almiara e a  Adega Mãe, a caminho da Ventosa, no concelho de T, Vedras, um autêntico mar de vinhas e cores, que pode ser vista nosso blog "Vedrografias" AQUI.

domingo, 18 de novembro de 2018

"Miura" de Miguel Torga , o melhor manifesto anti-tourada.


"Fez um esforço. Embora ardesse numa chama de fúria, tentou refrear os nervos e medir com a calma possível a situação.
Estava, pois, encurralado, impedido de dar um passo, à espera de que lhe chegasse a vez! Um ser livre e natural, um toiro nado e criado na lezíria ribatejana, de gaiola como um passarinho, condenado a divertir a multidão!
Irreprimível, uma onda de calor tapou-lhe o entendimento por um segundo. O corpo, inchado de raiva, empurrou as paredes do cubículo, num desespero de Sansão.
Nada. Os muros eram resistentes, à prova de quanta força e quanta justa indignação pudesse haver. os homens, só assim: ou montados em cavalos velozes e defendidos por arame farpado, ou com sebes de cimento armado entre eles e a razão dos mais...
Palmas e música lá fora. O Malhado dava gozo às senhorias...
Um frémito de revolta arrepiou-lhe o pêlo. Dali a nada, ele. Ele, Miura, o rei da campina!
A multidão calou-se. Começou a ouvir-se, sedante, nostálgico, o som grosso e pacífico das chocas.
A planície!... O descampado infinito, loiro de sol e trigo... O ilimitado redil das noites luarentas, com bocas mudas, limpas, a ruminar o tempo... A fornalha escaldante, sedenta, desesperante, que o estrídulo das cegarregas levava ao rubro.
Novamente o silêncio. Depois, ao lado, passos incertos de quem entra vencido e humilhado no primeiro buraco...
Refrescou as ventas com a língua húmida e tentou regressar ao paraíso perdido.
A planície...
Um som fino de corneta.
Estremeceu. Seria agora? Teria chegado, enfim, a sua vez?
Não chegara. Foi a porta da esquerda que se abriu, e o rugido soturno que veio a seguir era do Bronco.
Sem querer, cresceu outra vez quanto pôde para as paredes estreitas do cárcere. Mas a indignação e os músculos deram em pedra fria.
A planície... O bebedoiro da Terra-Velha, fresco, com água limpa a espelhar os olhos...
Assobios.
O Bronco não fazia bem o papel...
Um toque estranho, triste, calou a praça e rarefez o curro.
Rápida e vaga, a sombra do companheiro passou-lhe pela vista turva. Apertou-se-lhe o coração. Que seria?
Palmas, música, gritos.
Um largo espaço assim, com o mundo inteiro a vibrar para além da prisão. Algum tempo depois, novamente o silêncio e novamente as notas lúgubres do clarim.
Todo inteiro a escutar o dobre a finados, abrasado de não sabia que lume, Miura tentava em vão encontrar no instinto confuso o destino do amigo.
Subitamente, abriu-se-lhe sobre o dorso um alçapão, e uma ferroada fina, funda, entrou-lhe na carne viva. Cerrou os dentes, e arqueou-se, num ímpeto.
Desgraçadamente, não podia nada. O senhor homem sabia bem quando e como as fazia. Mas por que razão o espetava daquela maneira?
Três pancadas secas na porta, um rumor de tranca que cede, uma fresta que se alargou, deram-lhe num relance a explicação do enigma da agressão: chegara a sua vez.
Nova picada no lombo.
- Miura! Cornudo!
Dum salto todo muscular, quase de voo, estava na arena.
Pronto!
A tremer como varas verdes, de cólera e de angústia, olhou à volta. Um tapume redondo e, do lado de lá, gente, gente, sem acabar.
Com a pata nervosa escarvou a areia do chão. Um calor de bosta macia correu-lhe pelo rego do servidoiro. Urinou sem querer.
Gritos da multidão.
Que papel ia representar? Que se pedia do seu ódio?
Hesitante, um tipo magro, doirado, entrou no redondel.
Olhou-o a frio. Que força traria no rosto mirrado, nas mãos amarelas, para se atrever assim a transpor a barreira?
A figura franzina avançou.
Admirado, Miura olhava aquela fragilidade de dois pés. Olhava-a sem pestanejar, olímpica e ansiosamente.
Com ar de quem joga a vida, o manequim de lantejoulas caminhava sempre. E, quando Miura o tinha já à distância dum arranco, e ainda sem compreender olhava um tal heroísmo, enfatuadamente o outro bateu o pé direito no chão e gritou:
- Eh! boi! Eh! toiro!
A multidão dava palmas.
- Eh! boi! Eh! toiro!
Tinha de ser. Já que desejavam tão ardentemente o fruto da sua fúria, ei-lo.
Mas o homem que visou, que atacou de frente, cheio de lealdade, inesperadamente transfigurou-se na confusão de uma nuvem vermelha, onde o ímpeto das hastes aguçadas se quebrou desiludido.
Cego daquele ludíbrio, tornou a avançar. E foi uma torrente de energia ofendida que se pôs em movimento.
Infelizmente, o fantasma, que aparecia e desaparecia no mesmo instante, escondera-se covardemente de novo por detrás da mancha atordoadora. Os cornos ávidos, angustiados, deram em cor.
Mais palmas ao dançarino.
Parou. Assim nada o poderia salvar. À suprema humilhação de estar ali, juntava-se o escárnio de andar a marrar em sombras. Não. Era preciso ver calmamente. Que a sua raiva atingisse ao menos o alvo.
O espectro doirado lá estava sempre. Pequenino, com ar de troça, olhava-o como se olhasse um brinquedo inofensivo.
Silêncio.
Esperou. O homem ia desafiá-lo certamente outra vez.
Tal e qual. Inteiramente confiado, senhor de si, veio vindo, veio vindo, até lhe não poder sair do domínio dos chifres.
Agora!
De novo, porém, a nuvem vermelha apareceu. E de novo Miura gastou nela a explosão da sua dor.
Palmas, gritos.
Desesperado, tornou a escarvar o chão, agora com as patas e com os galhos. O homem!
Mas o inimigo não desistia. Talvez para exaltar a própria vaidade, aparentava dar-lhe mais oportunidades. Lá vinha todo empertigado, a apontar dois pequenos paus coloridos, e a gritar como há pouco:
- Eh! toiro! Eh! boi!
Sem lhe dar tempo, com quanta alma pôde, lançou-se-lhe à figura, disposto a tudo. Não trouxesse ele o pano mágico, e veríamos!
Não trazia. E, por isso, quando se encontraram e o outro lhe pregou no cachaço, fundas, dolorosas, as duas farpas que erguia nas mãos, tinha-lhe o corno direito enterrado na fundura da barriga mole.
Gritos e relâmpagos escarlates de todos os lados.
Passada a bruma que se lhe fez nos olhos, relanceou a vista pela plateia. Então?!
Como não recebeu qualquer resposta, desceu solitário à consciência do seu martírio. Lá levavam o moribundo em braços, e lá saltava na arena outro farsante doirado.
Esperou. Se vinha sem a capa enfeitiçada, sem o diabólico farrapo que o cegava e lhe perturbava o entendimento, morria.
Mas o outro estava escudado.
Apesar disso, avançou. Avançou e bateu, como sempre, em algodão.
Voltou à carga.
O corpo fino do toureiro, porém, fugia-lhe por artes infernais.
Protestos da assistência.
Avançou de novo. Os olhos já lhe doíam e a cabeça já lhe andava à roda.
Humilhado, com o sangue a ferver-lhe nas veias, escarvou a areia mais uma vez, urinou e roncou, num sofrimento sem limites. Miura, joguete nas mãos dum zé-ninguém!
Num ímpeto, sem dar tempo ao inimigo, caiu sobre ele. Mas quê! Como um gamo, o miserável saltava a vedação.
Desesperado, espetou os chifres na tábua dura, em direcção à barriga do fugitivo, que arquejava ainda do outro lado. Sangue e suor corriam-lhe pelo lombo abaixo.
Ouviu uma voz que o chamava. Quem seria? Voltou-se. Mas era um novo palhaço, que trazia também a nuvem, agora pequena e triangular.
Mesmo assim, quase sem tino e a saber que era em vão que avançava, avançou.
Deu, como sempre na miragem enganadora.
Renovou a investida. Iludido, outra vez.
Parou. Mas não acabaria aquele martírio? Não haveria remédio para semelhante mortificação?
Num último esforço, avançou quatro vezes. Nada. Apenas palmas ao actor.
Quando? Quando chegaria o fim de semelhante tormento?
Subitamente, o adversário estendeu-lhe diante dos olhos congestionados o brilho frio dum estoque.
Quê?! Pois poderia morrer ali, no próprio sítio da sua humilhação?! Os homens tinham dessas generosidades?!
Calada, a lâmina oferecia-se inteira.
Calmamente, num domínio perfeito de si, Miura fitou-a bem. Depois, numa arremetida que parecia ainda de luta e era de submissão, entregou o pescoço vencido ao alívio daquele gume".

Miguel Torga, Os Bichos

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

“Politicamente Correcto” é…Politicamente Correcto!



Hoje, quem pretende justificar as opiniões mais absurdas, mais abjectas e reacionárias, trata logo de diabolizar o “politicamente correcto”.

Como se o politicamente correcto não fosse uma conquista civilizacional.

Politicamente Correcto, quer dizer isso mesmo: Politicamente Correcto! Qual foi a palavra que não perceberam?

Vamos ao dicionário:

Politicamente”: “que está de acordo com as regras da politica, da organização e gestão dos assuntos públicos, de administração e do poder”. Também pode significar agir com diplomacia, cortesia, delicadeza, com habilidade, astúcia e perspicácia (Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea, [ DLPC] Academia de Ciências de Lisboa, ed. Verbo, 2001).

Não é esse o tipo de actuação que todos defendemos em democracia e liberdade? Não é esse tipo de actuação que nós devemos exigir aos agentes e responsáveis políticos e da administração?

Pode-se dizer que, quando agem em proveito próprio, quando  se deixam corromper ou quando abusam do poder, tais agentes políticos…não estão a ser políticos. E devem ser penalizados por isso;

“Correcto” : “que está de acordo com as regras estabelecidas; que não tem falhas, que está certo,  que é exacto, que está de acordo com as regras estabelecidas de carácter ético e social, que age com delicadeza, que é justo (DLPC) .

Não é tudo isto que devemos exigir dos diversos poderes e dos responsáveis pela governação de um país? Não é esse o exemplo que devemos, não só exigir a nós próprios e dar aos nossos filhos, enquanto cidadãos, mas também aos principais agentes com responsabilidades no funcionamento das instituições democráticas, como agentes de autoridade, juízes, professores, jornalistas, médicos, gestores públicos, agentes económicos e financeiros?

Os antónimos de “correcto” são…errado, inadequado, incorrecto, desonesto, indigno, injusto, grosseiro inexacto… (Dicionário Houaiss de Sinónimos e Antónimos, ed. Círculo dos Leitores, 2007). É isto que queremos defender, quando diabolizamos o “politicamente correcto”?

Talvez o problema e a confusão comecem no estabelecimento do tipo de regras e códigos que devem obedecer a uma acção e atitude politicamente correctas.

Tenho por mim que a celebre frase da Revolução Francesa da Igualdade, Fraternidade e Liberdade é o ponto de partida, à qual se deve juntar a formação de um Estado Democrático e Constitucional, baseado na soberania de cidadãos livres e na separação de poderes.

Depois devemos acrescentar os avanços civilizacionais na melhoria das condições de vida da Humanidade e no respeito pela própria humanidade, tudo muito bem sintetizado na Declaração Universal dos Direitos Humanos.(clicar para a sua leitura integral).

Aliás, esta declaração devia ser de leitura e estudo obrigatório nas escolas e Universidade, e, já agora, de leitura obrigatória nos actos de contratação dos agentes acima referidos e, em especial, nos partidos políticos e nos órgãos de comunicação social.

Está lá quase tudo, sem segundas interpretações do que, quanto a nós, separa o que é politicamente correcto daquilo que é politicamente incorrecto.

A esse documento devemos acrescentar outros avanços civilizacionais, como a defesa do Ambiente, os Direitos das Crianças, os Direitos das Mulheres, os Direitos dos Animais, o respeito pelas minorias e a construção de um Estado Social .

Como pessoas não somos perfeitos, somos muitas vezes politicamente incorrectos, mas não devemos fazer jus dessas atitudes e imperfeições nem delas “programa politico” ou  argumento, e devemos exigir aos poderosos que, no mínimo, não defendam o ódio e a violência, respeitem os Direitos Humanos e Ambientais e os conhecimentos científicos, ou seja…sejam politicamente correctos.

Existem interpretações fundamentalistas e exageros na aplicação e defesa do que é politicamente correcto? Existem. Mas isso não anula o fundamental da defesa do que é politicamente correcto

O resto é conversa de gente ignóbil, ignorante, mal formada e mal intencionada, seja qual for a a sua origem ou formação politica social, cultural ou religiosa.

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Homenagem ao Jornal



Quanto mais sigo redes sociais, mais saudades sinto da magia de desfolhar um bom jornal e daquele activo cheiro a tinta.

Desde miúdo que me lembro de ter jornais em casa.

Entrei para o mundo através deles, seguindo nos títulos em letras garrafais o que se passava num mundo, que para mim não ía mais longe do que a casa e do que o quintal onde vivia, quanto muito da praceta junto.

As minhas primeiras leituras foram os quadradinhos, de meia página ou página inteira, do suplemento dominical do “Primeiro de Janeiro”, todo em cores vivas, com o “Príncipe Valente” de Hal Foster e o “O reizinho” de O. Soglow, incluindo ainda, na época de Natal, os filmes da Disney aos quadradinhos.

Lá em casa entravam, além do “Primeiro de Janeiro”, do qual o meu pai era correspondente em Torres Vedras, jornais como o “Diário de Lisboa” e a “República” e, mais tarde, “A Capital”.

A eles juntavam-se revistas que o meu pai assinava ou comprava, como a “Vértice”, a “Vida Mundial”, a “Seara Nova” ou o “El Correo da Unesco”.

Por vezes, quando se registavam grandes acontecimentos (como a morte de Kennedy ou a chegada do Homem à Lua) lá se compravam outros títulos, como o “Diário Popular” e o “Século”.

O mau avô era comprador habitual do “Século” e todas as 5ªs feiras dava-me o suplemento infantil de BD “Pim-Pam-Pum”, antes de me começar a dar semanalmente o “TinTin”.

Mais tarde também entrava em nossa casa o “Expresso”, seguido desde o primeiro número.

O grande boom de jornais deu-se com o fim da censura e a leitura começou a ser mais diversificada, juntando-se ao “Diário de Lisboa” , à “República” e ao “Expresso”, lidos colectivamente lá em casa, o “O Jornal” e “O Jornal Novo”, comprados pelo meu pai, e o “Gazeta da Semana” e o “Página Um”  e, mais tarde, o “Diário Popular” (com um excelente suplemento literário) comprados por mim.

Muito mais tarde, aqueles e outros jornais continuaram a entrar regularmente pela casa dentro, a eles juntando-se “O Sete”, o “Jornal de Letras”, "O Europeu" e a revista “Grande Reportagem”….

Com o tempo, o leque de escolha foi-se reduzindo.

Deixou de haver diferenças entre matutinos e vespertinos , que se diferenciavam também pelo formato. Os que saiam de manhã eram de grande formato, os da tarde de formato mais reduzido.

Também deixou de se publicar várias edições no mesmo dia quando de grandes acontecimentos nacionais ou mundiais.

Depois, com o aparecimento das televisões privadas, do “Correio da Manhã” e , principalmente, dos canais por cabo e mais recentemente das redes sociais, quase todos os grande títulos que não alinhassem no estilo tablóide, que não pusessem o futebol ou os crimes em grande destaque nas primeiras páginas começaram a abrir falência.

Os jornalistas deixaram de ter controle sobre os jornais, agora ao serviço da publicidade e do sector financeiro que os controla por inteiro.

Hoje sobra o “Público” e o cada vez mais interessante, apesar do formato um pouco esquisito, “Diário de Notícias”, que, para sobreviver, se tornou semanário, mas que é o único que tem verdadeiras reportagens interessantes de ler ( e por isso, talvez esteja condenado a prazo…!!!).

O resto, com raras excepções, é mixórdia politiqueira, "justiceira", economicista e futebolística, tentando ir atrás do estilo arruaceiro e alarve que domina as redes sociais, cada vez mais a principal fonte de desinformação da maioria.

Quando os jornais acabarem, talvez seja tarde demais para a democracia.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Redes Sociais : A verdade da Mentira



O jornalista Paulo Pena continua ao seu excelente trabalho de investigação, nas páginas do cada vez melhor Diário de Notícias (agora semanário), sobre o papel dos sites de fake news a operar em Portugal.

Esta semana dedica-se a divulgar o negócio rentável de alguns desses sites de desinformação.

Para além de divulgarem notícias falsas com objectivos políticos muito precisos (quase todos ligados à extrema direita ou aos ressentidos com a “geringonça”), esses sites gerem milhões em negócios mais ou menos obscuros, desde a fuga de impostos à forma com acedem à informação dos incautos e ignorantes que partilham os seus conteúdos.

Um dos sites com maior êxito usa um título enganador e explora indecentemente o prestigio de uma profissão como a dos bombeiros, intitulando-se mesmo “Bombeiros 24”, que usa, no facebook, um nome vergonhosamente mais enganador: “Bombeiros Portugueses”.

Esse site consegue receber dinheiro pela publicidade que integra no seu espaço e está ligado a um outro site com o estranho nome “Bilbiamtengarsada”.

O “Bombeiros 24” usa ainda um software malicioso que “permite aos administradores dos site receber dinheiro de empresas de venda online. O truque é simples: deixa uma espécie de cookies nos computadores dos leitores que passam assim a ficar associados ao Bombeiros 24. Quando essa pessoa usar aquele computador para, por exemplo, comprar alguma coisa na Amazon, a empresa fica a saber que a venda foi “sugerida” pelo site português e paga-lhe uma comissão”

Uma outra prática desses sites é copiarem noticias de outros órgãos de informação verdadeiros sem pagar direitos e, pelo contrário, obterem lucro com isso, à custa dos “gostos” e partilhas dos incautos seguidores.

Ao reproduzirem noticias verdadeiras da comunicação social, fazem-no de forma cirúrgica, carregando nas noticias que falem de crime e corrupção e focando apenas uma tendência politica, para gerarem e potenciarem um sentimento de impunidade e criminalidade muito maior do que aquele que existe na realidade. Ao mesmo tempo acrescentam comentários tendenciosos e falaciosos.

Esses sites plagiam descaradamente órgão de imprensa, ganham dinheiro com isso e, como estão registados no estrangeiro e mantêm incógnitos os seus administradores, conseguem fugir ao pagamento de impostos pelos lucros obtidos com a publicidade.

Além daquele site, o jornalista identificou, no artigo desta semana e noutros que tem a vindo a publicar, vários sites que funcionam dessa maneira, espalhando desinformação, falsas verdades ou meias verdades (como dizia António Aleixo, “para a mentira se tornar segura tem de trazer à mistura alguma coisa de verdade”), ganhando milhões com isso e fugindo ao fisco em grande estilo.

Muitos usam títulos enganadores, fazendo-se passar por órgãos de informação, outros títulos “engraçados”, atraindo mais incautos que partilham essas “informações”, disseminando-as por milhares de seguidores.

Aqui fica a lista de alguns dos sites denunciados pela reportagem, todos registados no estrangeiro:

-“Semanarioextra”;
-“Jornaldiario”;
-“Noticiario.com”;
-“Magazinelusa”
-“Ptjornal”;
-“Lusopt”;
-“EventoXXI”;
-“JornalQ”;
-“Vamoslaportugal”
-“Lusonoticia”;
-“Altamente”;
-“Cura Natural”;
-“1001 Ideias”;
-“Muito Bom”;
-“Muito Fixe”;
-“Tafeio”;
-“Diariopt”;
-“Tuga.press”;
-“Direita Politica”;
-“Luso Jornal”;
-“Portugal Glorioso”;
-“Bilbiamtengarsada”.
-"Bombeiros 24";
-"Bombeiros Portugueses";
…e muitos outros.

Pela nossa parte tudo faremos para denunciar esses sites.