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sábado, 22 de dezembro de 2018

Desejos de Um Feliz Natal

Vamos interromper por uns dias a nossa presença por aqui.
Até ao nosso regresso, desejamos um FELIZ NATAL para todos os que têm tido paciência de mos seguir por aqui.

“Coletes Amarelos” – quem são os derrotados.



Do total fracasso, a roçar o ridículo, da manifestação dos “coletes amarelos”, não saíram apenas derrotados os seus promotores.

Em primeiro lugar saiu derrotada a extrema-direita portuguesa, ficando à mostra a sua verdadeira dimensão.

Em segundo lugar, saiu derrotada a bazófia de utilizadores das redes sociais, (tão caladinhos agora) que pensavam que bastava destilar ódio, intolerância e demagogia, em doses cavalares, para conseguir mobilizar os portugueses.

Em terceiro lugar saíram derrotados os que andavam a apregoar a decadência da mobilização sindical, acreditando que bastava gritar contra tudo e contra todos para conseguir mobilizar manifestantes.

Em quarto lugar saiu derrotada a comunicação social, sempre tão pronta a desvalorizar reivindicações sindicais, profissionais e sociais, mobilizando desta vez grande parte do seu espaço para amplificar uma manifestação de dimensões ridiculas, mostrando-se quase tão desesperada com o resultado da manifestação como os próprios promotores.

Mas sairão igualmente derrotados, a prazo, aqueles que, perante o fracasso desta manifestação, pensam que tal desaire significa que muitas das reivindicações e protestos, usados de forma demagógica e oportunista pelos promotores, não têm um fundamento de verdade.

A democracia ganhou esta batalha contra a demagogia, mas tem muitas outras batalhas pela frente.

A democracia é frágil e, se quer sobreviver, tem de combater eficazmente as desigualdades, a corrupção, a pobreza e todo o tipo de injustiças sociais, ou a demagogia ganhará espaço para voltar com mais força.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

“Portugal Grande de Novo”??



Este é o título do manifesto de convocação da manifestação “apartidária” que está  prevista para esta 6ª feira:
A primeira pergunta a colocar é…, para além do título cheirar a “trumpismo” ou “bolsonarismo”, sem esquecer a sua origem numa frase dos nacionalismos fascistas  dos anos 30, quando é que Portugal foi “grande”? A época dos descobrimentos já lá vai e as razões pelas quais Portugal foi pioneiro (tese também discutível) estão mais que escrutinadas nas mais variadas teses históricas. Depois disso, só se estiverem a pensar na propaganda colonial do Estado Novo, um mítico Portugal “do Minho a Timor”!!

Para disfarçar a origem da convocação dessa “manifestação silenciosa” ( mas  que desta vez pretende ser ruidosa, cortando estradas e vias de acesso num dia de trabalho…), usam depois um conjunto de reivindicações que qualquer pessoa pode subscrever, mas que são contraditórias entre si.

Propõem, justamente, o aumento do salário mínimo para 700 euros e das pensões mínimas para os 500 euros, cortando as pensões para ( primeira contradição) ora  2 mil, ora 5 mil euros. (provavelmente algum dos proponentes assustou-se com a própria proposta e lançou a confusão…). Mas, porquê 700 ou 500? Com base em que critério? Pela nossa parte já aqui demonstrámos várias vezes que não devia haver salários abaixo do 800 euros, que podiam ser acima de mil euros se não se tivesse negociado tão mal a adesão ao euro, um euro que veio a acentuar as desigualdades na Europa, mas para cuja manutenção se exige o cumprimento de regras a uns (os países do sul) e se fecha os olhos a outros (França e Alemanha)…mas isto é outra história!

Propõe, por outro lado, uma atabalhoado conjunto de medidas sociais (para além do aumento das pensões mínimas), como a reforma do SNS e, por outro, contraditoriamente, a baixa dos impostos!!

Mas não um imposto qualquer: o IVA e o IRC. É revelador do tipo de interesses económicos que podem estar por detrás desta manifestação!.

Também é revelador que, quando falam na justa redução da taxa de electricidade, estraguem tudo quando especificam a taxa sobre emissão de dióxido de carbono! Então os manifestantes são daqueles que acham que não existem alterações climatéricas, não sendo, por isso, necessário tomar medidas para as combater, como a contenção no consumo energético?

E podíamos ir por aí fora!

Para quem duvida que a origem da convocatória parte de grupos de extrema-direita, basta consultar o histórico do conteúdo da maior parte dos site e das páginas dos promotores mais activos dessa manifestação.

Historicamente  o populismo de extrema direita sempre se caracterizou por uma propaganda contraditória, misturando justas reivindicações sociais, a denuncia, politicamente selectiva, da corrupção politico-partidária que mina as democracias, embrulhado numa mítica retórica nacionalista.

Claro que toda a gente tem direito de manifestação, nem este é um direito exclusivo da esquerda, e que existem muitos e bons motivos de descontentamento popular.

Mas esta não é um manifestação normal, convocada com hora e local, para desfilar ordeiramente pelas ruas do país.

Ela apela de imediato para o corte de estradas e vias, atitude que, apesar do hipócrito apelo que fazem à “não violência”, só se pode concretizar com violência, violência essa que está no gene dos mais entusiastas apoiantes e organizadores dessa manifestação (basta consultar o histórico das páginas dessa gente nas redes sociais).


quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

“Crescimento”



É a palavra mais usada por políticos e economistas.

É de tal modo uma palavra “mágica” que existe um exército de técnicos e de instituições só para o estudar e o prever.

Interrogo-me muitas vezes se “crescer” em termos económicos e em quantidade é mesmo o grande objectivo civilizacional da humanidade, uma justificação para um desordenado crescimento do consumo que alimenta a máquina “capitalista”, onde somos alegremente triturados.

Pergunto-me também se é possível continuar a “crescer” sem destruir definitivamente, não só os equilíbrios sociais, como, e principalmente, o ambiente e a natureza.

Para mim “crescer” pode ser aceitável se tiver como objectivo melhorar a nossa saúde, a nossa educação, a nossa compreensão dos outros e do mundo, a nossa cultura e o nosso conhecimento, combater as desigualdades, melhorar as nossas condições de vida e, principalmente, acentuar o urgente e necessário equilíbrio entre nós e o ambiente natural que nos rodeia.

Ora, não me parece que seja isso que está na base do uso conceito de “crescimento” saído da boca e da pena de economistas, políticos e comentadores , conceito usado apenas para defender os apelos cada vez mais selvagens ao consumo desenfreado (tão comum nesta descaracterizada época “natalícia”), para o saque descontrolado de recursos naturais, e para acentuar desigualdades socias, desrespeito todas as formas de vida humana ou animal que não se enquadrem no modelo económico neoliberal.

E assim, em contínuo “crescimento” cá vamos alegremente caminhando e consumindo para o  abismo ambiental e civilizacional...

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

As “previsões” do Banco de Portugal…e outras!



O mundo económico e financeiro vive hoje de previsões.

Ditas “científicas”, é com base nessas previsões que se tomam decisões de gestão e programação.

Até qui, nada a reparar, a não ser que, verdade de La Palice, previsões são previsões e um bom gestor ou um bom economista, servindo-se delas, não as encara como uma verdade absoluta e tem em consideração a sua própria experiência e uma dose de perspicácia e bom senso.

O problema é quando essas “previsões” servem de desculpa para tomada de decisões politicas de efeito estrutural ou como arma de arremesso de propaganda politica e ideológica, que é o que se vê, cada vez mais, por essa Europa fora, com os resultados conhecidos.

E aqui entram os “comentadeiros” do costume, sempre cheios de certezas, ainda maiores se servidas por bem elaborados gráficos estatísticos com base nas ditas “previsões” de instituições “credíveis”.

Sempre ouvi dizer que uma estatística “bem torturada” dá sempre o resultado que pretendemos.

Não deixa de ser curioso que a maior parte de tão “credíveis” instituições não conseguiram prever a crise financeira de 2008 nem, por cá, a situação da banca portuguesa que levou à falência fraudulenta de alguns desses bancos e à intervenção “salvadora” nos que sobreviveram, à`custa do bem estra de todos os cidadãos.

E, porque uma previsão é…uma previsão, ainda menos se entende o desvarios dos “comentadeiros” quando o Banco de Portugal faz uma previsão diferente da do governo em….2 décimas!!!!

Uma previsão, porque é uma previsão, tem sempre uma margem de erro.

Uma coisa é falarmos numa diferença de um ou dois dígitos…outra é falar em diferença de décimos ou milésimos.

E outra coisa é falarmos em “previsões”, outra de dados reais e definitivos.

É como aqueles  “comentadeiros” em noite eleitoral que, principalmente quando isso lhes convém ideológica e politicamente, passam a noite a comentar sondagens à boca das urnas, mesmo quando já se começam a conhecer resultados reais e  definitivos, que muitas vezes desmentem ou se afastam significativamente do resultado de tais sondagens…

Penso que, assim como se paga, e bem, a instituições para fazer previsões financeiras e económicas, se devia penalizar fortemente essas instituições pelos erros de previsão, pelo menos quando esses erros justificam medidas politico/ideológicas que têm repercussão negativa na vida das pessoas.

Também devia existir uma entidade independente que comparasse as previsões feitas por essas instituições com os resultados reais, classificando-as de acordo com a sua credibilidade.

Talvez, assim, as “previsões” deixassem de ser arma de arremesso ideológico ou politico e fossem, na sua maioria, encaradas como a quilo que muitas vezes são, simples actos de …bruxaria!

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

4 Heróis... e um bandido



Portugal está cheio de heróis anónimos de quem só se fala em caso de desgraça.

Foi o que aconteceu com a equipa do INEM que encontrou um fim trágico este fim-de-semana.

Dois pilotos, um médico e uma enfermeira, depois de salvarem mais uma vida, encontraram a morte num voo em condições climatéricas muito adversas ao chocarem contra um poste encoberto pelo nevoeiro.

Todas as palavras são poucas para enaltecer o trabalho de tantos homens e mulheres que todos os dias arriscam as vidas, em terra, no ar e no mar, para salvar tantas vidas.

Essa gente merece todo o nosso respeito e, numa tragédia como aquela, que atingiu quatro desse heróis, era importante palavras ainda mais respeitosas.

Infelizmente, a unanimidade dessas palavras de agradecimento e pesar e a contenção merecida por respeito para com as  vítimas foi mais uma vez rompida pelo oportunismo execrável  de um canalha que dá pelo nome de Marta Soares.

As suspeições lançadas por tão abominável oportunista devem ser rapidamente desmascaradas por um rápido e transparente relatório sobre o acidente.

Por aquilo que se sabe até agora, o acidente foi provocado pelas más condições atmosféricas e de visibilidade, e a sequência dos contactos para se iniciar as buscas obedecem aos critérios em vigor na aeronáutica.

Mas mesmo que o socorro fosse rápido, já não havia nada a fazer perante a violência do acidente.

Quanto muito, a haver falhas de comunicação, talvez tenham sido provocadas pelo boicote levado a cabo pela Liga de Bombeiros dirigida por aquela execrável criatura, daí talvez a pressa com que veio para a comunicação social a lançar bitaites sobre a tragédia, eventualmente para disfarçar uma eventual responsabilidade que aquele boicote teve no atraso ao socorro!!???

É uma vergonha o oportunismo serôdio de tão infame personagem, uma vergonha até para os digno e respeitáveis profissionais que ele diz representar.

Espero que os bombeiros, que merecem o máximo respeito de todos os portugueses, se libertem rapidamente de tão infame “representante”.

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

A “Mensagem” de Macron (com o aval da UE): “Querem redução de impostos e aumento de ordenado? Partam montras e incendeiem carros”!!!



O “populista” do “centro”, Macron, deu ontem uma machadada final no que restava da sua credibilidade ao anunciar subidas de salários na ordem dos…cem euros!

Recordo aqui o “escândalo” que foi (e ainda é), no seio de toda a burocracia de Bruxelas e no pessoal do sector financeiro europeu, e entre comentadores de serviço, quando em Portugal o governo anunciou um misero aumento num misero salário mínimo, que ronda agora os 600 euros.

Em França, um país que tem a mesma moeda que Portugal e que está sujeita às mesmas “obrigações” impostas por Bruxelas, o “populista do centro” Macron, ao “estilo Maduro”, anuncia uma subida de 100 euros no salário mínimo (que por lá ronda uns 1 400 euros) e as anteriormente virgens ofendidas de Bruxelas mantêm-se em total silêncio.

Além disso, todas as medidas anunciadas por Macron, e que vão ser financiada pelo Estado francês, vão fazer disparar o deficit e a dívida francesa para níveis que vão ultrapassar as imposições do PEC.

A credibilidade de Bruxelas fica assim, igualmente posto em causa.

Com que autoridade podem agora exigir cumprimento de deficits a países com salários, pensões e direitos miseráveis como em Portugal, face às promessas de Macron?

Poro outro lado, com que credibilidade se podem manifestar contra o orçamento italianos, se se mantiverem em silêncio face ao anuncio de Macron?

A mensagem de Macron, com o aval do silêncio das instituições financeiras da União Europeia , só quer dizer uma coisa: quando os cidadãos europeus quiserem salários justos, pensões acima do miserável e manter direitos “devem ir para a rua partir montras e queimar carros”, pois só assim é que os burocratas de Bruxelas aceitam aumentar o deficit e a dívida.

Afinal, ao que parece, para salvar “amigos” é possível desrespeitar o deficit e até há dinheiro para aumentar salários e pensões, ao mesmo tempo que se baixam impostos!

É caso para dizer: “Força Itália”!

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

70º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos



Passam hoje 70 anos sobre a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Num mundo cada vez mais dominado por mensagens de ódio e intolerância e por uma economia predadora do homem e da natureza, é importante recordar a existência dum documento como esse, hoje mais actual do que nunca.

O documento surgiu como tentativa de responder a um novo paradigma de convivência humana, depois de terminado um período de guerras devastadoras e de genocídios que puseram em causa principio civilizacionais.

Esse documento esteve igualmente na base da construção da ONU.

Infelizmente em muitos casos a sua aprovação não passou de pura retórica.

São raros, ainda hoje, os países onde se aplica a totalidade desses princípios.

Alguns aplicam apenas as partes que lhe convém, esquecendo tudo o resto.

Esse documento alia princípios básicos e históricos de Direitos Humanos (Igualdade, democracia e liberdade) com Direitos Sociais (como o direito ao trabalho e a um salário justo, por exemplo, ou o direito à saúde, à educação e à habitação).

A actualidade desse documento, que devia ser ensinado nas escolas e integrado nas Constituições de países democráticos (como, aliás, acontece na Constituição Portuguesa), reside, por um lado em serem ainda raros os casos em que é  aplicada na integra e de forma consequente e, por outro, no de vivermos um período histórico em que as lideranças das nações mais poderosas estão entregues a gente que desrespeita todos os dias os princípios consignados nesse documento.

Existe, aliás, um crescente movimento que defende a revisão desse documento, que, pesem as boas intenções de alguns, só pode resultar na redução e no desvirtuar dos seus principio, principalmente quando temos na liderança de países que dominam o conselho de segurança da ONU uma maioria de lideres que não oferecem qualquer garantia na preservação e concretização daqueles direitos.

Além disso, as actuais lideranças mundiais estão sobre forte pressão de sectores financeiros que desprezam os valores democráticos, de liberdade e os direitos sociais, sempre que isso põe em causa os seus interesses, como se viu durante a crise de 2008 (o célebre TINA).

Não tenhamos dúvida que qualquer revisão que saísse das mãos dessa gente ia no sentido de limitar os valores democráticos, a liberdade e os direitos sociais.

Sendo aquele um documento de valor universal,  a melhor forma de o celebrar é,  em primeiro lugar conhecê-lo e estudá-lo e, em segundo, defendê-lo face a esses lobbies que o procuram desvirtuar e apaga-lo da memória colectiva.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Ecologia, transportes, Macron e ..."cavaquismo"!



Aparentemente, nada tem a haver com nada e tudo tem a haver com tudo!

Mas, hoje em França, Ecologia, Transportes e Macron tem tudo a haver com tudo!

Vamos por partes:

Em 1976 foi editado em Portugal o livro “Ecologia e politica” de  Michel Bosquet, hoje considerado precursor na defesa da ecologia.

O que retive da leitura desse livro, mais ou menos por essa altura, foi a sua denuncia do papel das grandes empresas petrolíferas no agravamento das condições de vida das populações, quer nos territórios de onde o ouro negro era extraído, principalmente no Médio Oriente, quer no agravamento das condições ambientais a nível global, pela promoção do transporte automóvel movido com derivados do petróleo.

Já então, os piores conflitos mundiais e as piores situações de miséria estavam associadas aos interesses financeiro e económicos ligados ao petróleo e ao sector energético.

Infelizmente, o tempo mostrou que, por um lado Bosquet tinha razão, por outros toda a geração de políticos que governaram o mundo nas décadas seguintes pouco se preocupou com a questão, ou revelou apenas uma preocupação retórica.

O neoliberalismo, que se tornou dominante como prática e pensamento económico a partir dos anos 80, agravou a situação, gerando a ilusão de um capitalismo popular, com convite a que se usufruísse do transporte individual em detrimento do transporte público.

Quem não caiu nessa armadilha que atire a primeira pedra.

Hoje, quando já começa a ser tarde para alterar o desastre ambiental para onde caminhamos, a situação agrava-se, com o mundo governado por políticos cada vez mais incompetentes e com a chegada ao poder, nos países decisivos para o ambiente, de ignorantes e arrogantes que põem em causa, não só o que os cientistas dizem sobre o clima, como o que os cidadãos já começam a percepcionar, no seu dia a dia, sobre o agravamento das condições de sobrevivência.

Em Portugal, o paradigma desse capitalismo popular, que levou os cidadãos a investir nos transportes privados em detrimento dos transportes público foi o chamado “cavaquismo”, que contaminou toda a população e toda a classe politica, promovendo a idéia de um enriquecimento rápido, à custa dos fundos europeus e da corrupção politica generalizada, à custa de grandes obras públicas que promoviam o uso do automóvel em detrimento do comboio e do transporte público.

Aliás, promoveu-se igualmente a idéia que o transporte público e o comboio era coisa de gente pobre e atrasada, de gente que não tinha aproveitado as “oportunidades” e que não era “competitiva” ou “empreendedora” e o uso do automóvel passou a ser uma questão de estatuto social e exibição.

Com isso agravaram-se as contas públicas, com a importação em massa de automóveis (beneficiando alemães e franceses) e  com o aumento da nossa dependência energética face aos grandes interesse petrolíferos que geraram esquemas de corrupção politica em larga escala, com ligações suspeitas a grupos angolanos, brasileiros e venezuelanos, situação ainda hoje mal esclarecida.

Hoje percebe-se que destruir, não só o sector produtivo nacional em nome dos fundos europeus e dos interesses financeiros dos países que dominam a Europa (França e Alemanha), mas também todo o sector de transportes públicos, em especial o ferroviário, foi um erro catastrófico, quer do ponto de vista ambiental, quer do ponto de vista financeiro, que vamos pagar durante décadas.

A aposta nos transportes públicos, mais eficientes do ponto de vista energético, ambiental, económico e em rapidez, é a única com futuro na Europa.

Alguns países já perceberam isso e investiram em força no TGV e nas energias alternativas para o transporte automóvel.

Anuncia-se, por exemplo, que o Luxemburgo vai tornar gratuito o transporte público.

Infelizmente, as medidas radicais na área dos transportes que são necessárias tomar para travar o desastre ambiental, pecam por tardias e por falta de alternativas credíveis.

Depois de décadas a empurrar os cidadãos para o uso do transporte individual, agora é difícil convencer esses mesmos cidadãos a mudar de rumo.

Para os convencer era necessário tomar as decisões há muito tempo adiadas, como a radical substituição da gasolina e do gasóleo por energias limpas, situação que é tecnicamente viável, mas que tem sido travada pelos grandes interesses da industria automóvel e, principalmente, da industria petrolífera, ou a criação de uma rede de transportes públicos viáveis, capaz até de concorrer com o transporte aeronáutico.

Foi isso que, atabalhoadamente, Macron tentou fazer em França, aumentando os impostos sobre o gasóleo e o uso do automóvel, mas esquecendo-se de antes, por um lado criar alternativas viáveis, como, por exemplo, a que vai ser seguida no Luxemburgo, e, por outro lado, saber fazer pedagogia em defesa do ambiente.

Ao lançar um fósforo ( o aumento do imposto sobre o gasóleo) sobre a “gasolina” ( o descontentamento crescente pelas suas medidas antissociais para agradar ao sector financeiro que domina em Bruxelas) Macron, não só comprometeu o seu futuro politico ( e provavelmente o da Europa), como “queimou” uma medida justa, que é a de limitar o uso do transporte privado e dos derivados do petróleo.

Aliás, Macron só cedeu naquilo em que não podia ceder, o imposto sobre energias poluentes, e com isso já perdeu.

Os políticos e o sector financeiro podem adiar decisões urgentes, mas o ambiente não vai esperar.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

A extrema-direita à nossa porta.



A Andaluzia é uma das regiões espanholas que partilha uma grande parte da nossa fronteira com a Espanha e é uma das regiões que, a par da Galiza, mais contactos mantém com Portugal.

A população dessa província espanhola , 8 milhões de habitantes, é quase tanta como a totalidade da população portuguesa e elegeu um número inédito de deputados da extrema-direita, do partido Vox, para o parlamento local, dando assim um forte incentivo ao crescimento nacional desse partido, recém criado, e que dá voz à extrema direita espanhola, até agora muito marginal ou dissolvida no PP.

Para os comentadores que, até há pouco tempo, juravam a pés juntos que a Península Ibérica não seria contaminada pelo fenómeno do populismo da extrema-direita, argumentando como justificação para isso a vacina dos povos ibéricos contra essa mesma extrema direita, por causa de se terem livrado recentemente de duas ditaduras dessa área política, o resultado do Vox destruiu esse argumento.

O crescimento da extrema direita por cá só espanta quem anda mal informado e afastado das “massas”.

Basta ouvir as conversas de rua e ler os comentários das redes sociais para se perceber que o caminho está aberto para o aparecimento de um qualquer “salvador” e populista da extrema-direita.

Em Espanha foi o descalabro do PSOE e do PP que muito contribuíram para o “fenómeno”.

Na Andaluzia os socialistas, que dominavam a região há 36 anos, apesar de ganharem as eleições, perderam centenas de milhares de votos, principalmente par a abstenção, e não têm maioria para governar, face à soma dos partidos da direita (“Cidadanos”, PP e Vox), estando o caminho aberto para uma “geringonça” de direita, com o Vox a crescer em protagonismo e a lançar-se para um bom resultado a nível nacional já nas eleições para o parlamento europeu.

O PSOE da Andaluzia representa o que há de mais corrupto nesse partido e apresentaram uma candidata que é uma espécie de equivalente local de José Sócrates!

Por sua vez a facção liderada pela candidata local, a principal adversária interna de Pedro Sanchez, representa a tendência socialista que, um pouco por toda a Europa, abdicou dos seus princípios para se render ao poder financeiro e ao neoliberalismo, com o resultado que todos conhecemos.

Fartos dessa gente, os eleitores da Andaluzia quiseram varrer o PSOE, dando assim aval ao crescimento do extrema-direita.

Mas também o PP e o “Cidadanos” saíram derrotados da contenda, o primeiro deixando fugir grande parte do seu eleitorado para a extrema-direita. O Vox tem, aliás, origem numa cisão do próprio PP, que deixou cair a máscara democrática, mostrando que a origem do próprio PP  enraíza na falange franquista.

O “Cidadanos” que nunca se demarcou do próprio PP, mostrando que não passa de um PP.2, ficou também muito aquém do seu objectivo, que era o de ultrapassar o PP, começando provavelmente aqui o esvaziamento de um projecto “cheio de nada”!

Claro que o Vox ficou longe dos três mais votados, mas o simples facto de conquistar 12 lugares no parlamento andaluz vai dar-lhe uma visibilidade nacional que o irá catapultar para outros voos.

A corrupção que tem minado os regimes democráticos, devido à rendição dos partidos históricos aos mais obscuros interesses financeiros, a forma como a União Europeia lidou com a crise financeira, lançando no desespero milhões de cidadãos só para salvar esse mesmo sector financeiros e os “mercados”, e o grave problema da emigração, despoletado pela forma como o ocidente lidou com África e o Médio Oriente nas últimas décadas, contribuindo para a miséria do continente negro e as guerras no mundo de maioria muçulmana, contribuíram para acordar o monstro adormecido que era até há pouco tempo o populismo de extrema-direita.

Portugal passa a ser um caso isolado, até na Península Ibérica, mas o vírus que já anda à solta nas redes sociais, não demorará muito a espalhar-se pela frágil democracia portuguesa.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Nem Macron, nem Le Pen…nem, muito menos, os mais extremistas “coletes amarelos”!



Costuma-se dizer que é nas  curvas apertadas que se destacam os bons condutores.

Frase que se pode aplicar aos políticos: é nas curvas apertadas da história que se revelam os grandes políticos.

Existem alguns grandes exemplos: Churchill na 2ª Guerra, De Gaulle no Maio de 68, Mandela na África do Sul, ou Gorbachev na União Soviética…e não me lembro de muitos mais.

Infelizmente para a França, e a prazo para a Europa, Macron revelou-se um politico incapaz de enfrentar os graves conflitos sociais que o seu país enfrenta.

Ao querer tornar-se o menino bonito da Europa da austeridade, dominada pelo poder financeiro, sonhando substituir Merkel como líder do projecto europeu, revelou-se, pela forma como tem lidado com os “coletes amarelos”, um politico medíocre e incapaz, uma ténue sombra da líder alemã.

Macron domina na retórica, mas revelou-se incapaz de perceber que a França vive, há décadas, uma grave crise social e de identidade, que explodiu agora em violência com base numa reivindicação quanto a nós injusta: contestar o aumento de impostos sobre o uso do gasóleo (quando outros países, com a Alemanha, anunciaram a proibição, a prazo, do uso desse combustível, uma das formas de travar o desastre ambiental para onde caminhamos a passos largos).

Essa reivindicação é injusta, mas Macron mostrou-se incapaz de explicar a necessidade de travar o uso do gasóleo e até, a prazo do automóvel a gasolina e, em vez de se revelar um politico hábil, regou o fogo com gasolina, e o resultado, lamentável, está à vista.

Não percebeu que, por detrás do pretexto do aumento de impostos sobre o gasóleo, está uma realidade social cada vez mais perigosa.

Os próprios “coletes amarelos” conseguiram aproveitar o destaque dado ao seu movimento para juntar 41 reivindicações, todas de grande justiça do ponto de vista social, mas Macron não respondeu a uma única delas, mantendo-se fiel ao programa “austeritário” e anti social com o qual pretende agradar aos burocratas de Bruxelas e ao corrupto mundo financeiro europeu.

Rapidamente o moribundo movimento de Le Pen encontrou neste movimento o colete de salvação e colou-se à revolta, como se alguma vez, chegada ao poder, pudesse garantir as 42 reivindicações dos “coletes amarelos” (hoje reveladas no jornal “Público”) todas elas contrárias aos princípios e ideologia da extrema-direita francesa.

Por isso não será de estranhar que, por detrás da violência vivida Sábado em Paris, estivessem conhecidos elementos da extrema-direita, dando assim um grande contributo para desviar as atenções para as legitimas reivindicações dos “coletes amarelos”, colando-os à violência gratuita habitual nas manifestações, em França, da extrema-direita, que contaram com o apoio irresponsável de grupúsculos de extrema-esquerda, para permitir a Macron aparecer como o equilibrista, que afinal não é.

Deixando-se infiltrar por provocadores extremistas, o justo movimento dos “coletes amarelos” corre o risco de se descredibilizar junto da opinião pública e de reforçar o discurso de “ordem” da extrema-direita.

As próximas manifestações dos “coletes amarelos” terão de ser uma esmagadora manifestação cívica, isolando os provocadores. Caso contrário ficam à mercê da estratégia da extrema-direita francesa e contribuem para reforçar Macron na aplicação das medidas antissociais que ele preconiza, conduzindo a França, e a prazo o que resta do “europeísmo”, para um abismo sem saída.

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Eu e os impostos.


Parece que caiu “o Carmo e a Trindade” com a notícia do “Expresso” segundo a qual a ”carga fiscal em Portugal é mais baixa que na zona euro”, até porque desmonta o argumentário das fake news em circulação nas redes sociais

Claro que as contas contabilizam o total de impostos e cotizações sociais. Se formos ao pormenor vemos que o IVA que se paga em Portugal é superior à média.

Pessoalmente, por principio, não tenho nenhum problema em pagar impostos.

Até não me importava de pagar mais se soubesse que os impostos eram aplicados no combate às desigualdades sociais, na garantia de um sistema justo de segurança social e na manutenção de serviços de qualidade na educação, na saúde, nos transportes, na justiça,  no apoio ao património e à cultura e na gestão ambiental.

Ou seja, pagava de bom grado os impostos pagos nos países nórdicos e outros para ter os serviços desses países.

Para mim, contudo, o problema reside em saber como são cobrados e utilizados esses impostos.
Fugir aos impostos e usar outros estratagemas, como o recurso a subvenções estatais ou registos em paraísos fiscais é um crime que deve ser combatido e travado.

Usar o dinheiro dos impostos para salvar bancos e grandes empresas, que continuam a pagar chorudos salários aos seus administradores e lucros aos seus accionistas, é outro crime contra os contribuintes.

Aplicar os impostos para garantir privilégios, pensões chorudas e salários de luxo a administradores de empresas estatais, a assessores, a cargos de nomeação politica e a escritórios de advogados é outra prática que deve ser travada e, no mínimo, devidamente explicada.

Só aceito que os impostos que me cobram sejam aplicados para cumprir as obrigações constitucionais de um ensino, uma justiça, uma saúde, uma rede de transportes de qualidade e uma gestão ambiental e patrimonial adequada, e os direitos de soberania, culturais e sociais de forma racional.

Também não me choca, por exemplo, o aumento de impostos sobre bens que provoquem problemas de saúde pública ou que aumentem a poluição ambiental, como forma de fomentar a procura de soluções alternativas, que, estas sim, devem ser apoiadas pelo Estado, isto é, pelo dinheiro dos contribuintes, até se tornarem rentáveis ( como, por exemplo, a substituição da gasolina e do gasóleo pela energia eléctrica ou outra menos poluente), já que, nos nossos dias, as questões ambientais carecem de soluções urgentes e são questões de sobrevivência civilizacional.

Claro que, na visão neoliberal, há quem ache que os impostos se devem reduzir ao mínimo e que cada um se deve salvar com puder, vigorando a lei do mais forte ou capacitado, substituindo o apoio social pela caridade e os direitos pela lei da selva.

É uma opinião .Mas não é a minha.

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Morreu Bernardo Bertolucci, para quem o tempo não existia



Numa entrevista concedida para ao “Expresso” à jornalista Cristina Margato, Bertolucci despediu-se com uma frase enigmática: “o tempo não existe”.

Para cineastas como Bertolucci o tempo, de facto não existe, pois o cinema, o grande cinema, é mesmo o melhor meio para eternizar o tempo, onde a vida dos actores, as paisagens, os espaços, se tornam eternos.

É essa, talvez, a grande magia do cinema, até aos nossos dias a única máquina do tempo que nos leva a viajar por todas as épocas e espaços.

Bertolucci, ontem falecido aos 77 anos, em Roma, no país onde nasceu em 16 de Março de 1940, era um desses mágicos do tempo, do espaço e das épocas.

“1900”, a grande saga em duas partes que realizou, em 1976, sobre a história da Itália e da Europa da primeira metade do século XX, foi uma dessas obras que nos levou a viver e sentir uma época de grandes transformações socias e politicas, através da humanidade das suas personagens.

“1900” tornou-se um filme maldito para a crítica pós-modernista e neoliberal, pois desmontava muitos dos argumentos e mitos antissociais e revisionistas em que estes movimentos, hoje dominantes na ideologia politica, no discurso economicista e cultural,   se baseiam.

Não me admiraria hoje de ler muitos dos que quiseram desvalorizar esse filme, por meros preconceitos ideológicos, a escrever loas a essa obra.

Mas essa não foi a única grande obra do cineasta, nem a única a abordar a temporalidade histórica, não podendo deixar de recordar “O Último Imperador”(1989), um dos filmes que até hoje recebeu mais óscares, uma grande saga sobre o fim da China imperial e o inicio da sua caminhada para se tornar a potência dos nossos dias.

Bertolucci começou como assistente de Pasolini e estreou-se com uma obra pouco conhecida, “La Commare Secca”, realizado em 1962.

Em Itália foi mensageiro de “Nouvelle Vague”, embora seguindo um percurso original,  e a consagração chegou com “Antes da Revolução”, realizado em 1964 e, principalmente, “A Estratégia da Aranha” de 1970, o mesmo ano do “Conformista”.

Os seus filmes procuram sempre explorar o lado humanos dos personagens, sem nunca esquecer o enquadramento histórico das suas atitudes, sendo este um dos lados mais característicos da obra do realizador italiano, que continuou a sua actividade nos Estados Unidos, seguindo o caminho de outros grandes cineastas italianos da sua geração, como Copolla,  Scorsese e Sergio Leone.

Para este último escreveu o argumento daquele que é até hoje um dos melhores “Western’s” de sempre, “Aconteceu no Oeste”.

A poesia, na humanidade dos personagens e na forma como filmava os grandes espaços, foi uma característica que herdou da sua juventude, onde, antes do cinema, quis ser poeta.

E se há filme que representa o lado poético da sua obra é esse magnifico “Um Chá no Deserto”, de 1990, para além do anterior “La Luna” de 1979, obra um pouco esquecida.

O erotismo esteve, igualmente, presente em toda a sua obra, com destaque para o mais polémico dos seus filmes, “O Último Tango em Paris”, filme que perseguiu o cineasta ao longo da sua vida, nunca tendo ultrapassado a forma como Maria Schneider ficou marcada por essa obra, erotismo que marcou igualmente um dos seu filme mais recente, passado no ambiente do Maio de 68, “Os Sonhadores” de 2003.

Em 2012 realizou o seu último filme, “Eu e Tu”, uma viagem aos fantasmas da adolescência.
A morte de Bertolucci, o cineasta que fazia filmes “para perceber o mundo, os outros e a mim mesmo”, deixa um grande vazio no panorama cinematrográfico mundial, mas a sua obra é eterna.

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Voltando às touradas.



Já aqui me manifestei sobre o que penso das touradas: um degradante espectáculo onde se tortura um animal encurralado.

Também já o disse: a desculpa da tradição em defesa desse triste espectáculo não pega. Por esse ponto de vista, manter-se-iam muitas tradições que incluem maltratar animais por puro prazer “tradicional” ou, indo ainda mais longe, muitas “tradições” que maltratam e humilham seres humanos.

Mas, o mais incrível de toda esta questão é o facto de o que está em causa não é qualquer proibição desse triste e degradante espectáculo, mas apenas mantê-lo a pagar o IVA de 13%, situação que era aquela que existe até à aprovação do próximo orçamento, continuando, mesmo assim, a beneficiar de uma redução de 10% de IVA em relação a muitos produtos e actividades muito mais importantes e essências do que a manutenção do degradante espectáculo das touradas.

Ou seja, quando a maior parte das actividades e produtos pagam um IVA de 23%, as touradas já beneficiam de uma redução de 10%, pagando 13% de IVA e agora queriam ir à boleia de artes como a musica, a dança, o teatro e o circo e passarem a pagar IVA de 6%.

Ou seja, não contentes por já beneficiarem de um subsidio indirecto do Estado, por pagarem menos 10% de IVA do qua aquele que deviam pagar, queriam ver esse “apoio” aumentar, pagando ainda menos do que muitos de nós pagamos por bens essenciais.

Se me explicarem onde está a “arte” de torturar animais, talvez até venha a aceitar tal redução. Caso contrário, “podem” (!!??) continuar a divertir-se a torturar animais, mas não me atirar areia para os olhos.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

O Fascismo “nunca existiu”!??...ou existiu “apenas” num país!???...ou “anda ainda por aí”!?? -3º parte



Registámos, em dois posts anteriores, as características históricas do fascismo e a forma como a investigação histórica dos anos 90 caminhou no sentido de demonstrar que o fascismo estava morto e enterrado.

Referimos a excepção de Umberto Eco que, remando conta a maré dominante, explicou num ensaio de 1997, que o fascismo podia ressurgir com novas roupagens.

Ficámos de explicar quais eram as características, apontadas por Eco,  desse “novo fascismo”, que ele designa com “Ur-fascismo”.

Depois de analisar o exemplo do fascismo italiano, mostra que o fascismo não era coerente do ponto de vista ideológica, “não era uma ideologia monolítica, mas uma colagem de diversas ideias politicas e filosóficas, uma amalgama de contradições”, ao contrário do nazismo.

Por isso considerava que, se o nazismo não iria reaparecer “como movimento que envolva uma nação inteira”, pelo contrário o fascismo mantinha condições para renascer sob novas roupagens.

Escreve Eco que houve “um único nazismo”, mas, em” contrapartida, “pode-se brincar ao fascismo de muitos modos”, porque o “termo “fascismo” adapta-se a tudo porque é possível eliminar de um regime fascista um ou vários aspectos, e poder-se-á reconhecê-lo com fascismo”.

Apesar da confusão e da dificuldade em definir fascismo, é “possível indicar uma lista de características típicas do que poderei chamar o “Ur-fascismo” ou o “fascismo eterno”. Estas características não poderão ser ordenadas num único sistema: muitas contradizem-se reciprocamente, e são típicas de outras formas de despotismo ou fanatismo. Mas basta que esteja presente uma delas para fazer coagular uma nebulosa fascista”.

E quais são essas características apresentadas no ensaio de Eco?

Ei-las, de forma resumida:

-1. O culto da tradição, embora seja “mais velho do que o fascismo”;

-2. A rejeição do modernismo e do mundo moderno, que também se pode referir como “irracionalismo”.

-3. O culto da “acção pela acção”: “A acção é bela em si, e portanto tem de ser realizada antes de e sem qualquer reflexão. Pensar é uma forma de castração. Por isso a cultura é suspeita na medida em que se identifica com comportamentos críticos”, atitude identificada com o “uso frequente de expressões como “Porcos intelectuais”, “Convencidos”, “Snobs radiais”, “As Universidade são covis de comunistas”(…).

-4. O desacordo “é traição”.

-5. O Medo da diferença. “O Ur-Fascismo é (…) racista por definição”.

-6. A exploração da “frustração individual ou social” , apelando “às classes médias frustradas , sentindo mal-estar por qualquer crise económica ou humilhação política, assustadas pela pressão dos grupos sociais subalternos”.

-7. O nacionalismo, com apelo à xenofobia e que procura inimigos externos e internos que “conspiram” contra a identidade nacional.

- 8 . A defesa face a um inimigo que humilha o “povo”  pela “riqueza ostentada”.

- 9 . A critica ao pacifismo.

- 10 . O elitismo de massas e o “desprezo pelos fracos”. Quem se identifica com o “chefe” ou com “o partido” é o “melhor  povo do mundo” e os que pertencem ao “movimento” são “os melhores cidadãos”.

- 11 . O culto do “herói”, “todos são educados para se tornarem heróis”.

- 12 . o “machismo”, que implica o “desprezo pelas mulheres” e a “condenação” da homossexualidade.

- 13 . O “populismo qualitativo”, ou seja, “os indivíduos enquanto indivíduos não têm direitos” e é o líder que interpreta a vontade do povo. Já então Eco avisava que no “nosso futuro perfila-se um populismo qualitativo Tv ou internet, em que a resposta emotiva de um grupo selecionado de cidadãos pode ser apresentado e aceita como a “voz do povo”. Devido aos seu populismo qualitativo, o Ur-Fascismo tem de opor-se aos “putrefactos” governos parlamentares”. E conclui: “sempre que um politico lança dúvidas sobre a legitimidade do parlamento por já não representar “a voz do povo”, já podemos dizer que cheira a Ur-fascismo”.

- 14 . “O Ur-Fascismo fala a “neolíngua””, um termo inventado por George Orwell par o seu romance “1984”, uma crítica ao stalinismo então dominante entre os movimentos comunistas, mas que, segundo Eco, tem elementos comuns “a formas diferentes de ditaduras”, referindo o léxico pobre, de frase feita, com fins propagandísticos e de doutrinação, que procura alterar o significado da palavra com o objectivo de “limitar os instrumentos para o raciocínio complexo e crítico”, avisando para a necessidade de estarmos preparados “para identificar outras formas de neolíngua, mesmo quando toma  a forma  inocente de um talk- show popular”.

Conclui Eco que o “Ur-fascismo ainda pode voltar sob as vestes mais inocentes . O nosso dever é desmascara-lo e apontar o dedo a cada uma das suas novas formas –diariamente, em todo o mundo”.

Aquilo que parecia então uma mera divagação intelectual, está hoje mais actual do que muito.

Muitos dos 14 pontos apontados por Eco estão aí mais do que presentes no discurso populista de líderes políticos e movimentos de várias vestes e cores, da Venezuela ao Brasil, da Coreia do Norte à Hungria, da Rússia à Turquia, das Filipinas à Polónia, da Grã-Bretanha aos Estados Unidos, da França à Itália….

As redes sociais, que substituem a rua como lugar de manifestação da violência e do ódio de tipo fascista, estão cheias de um discurso acima identificado por Eco como o “Ur-fascismo” dos nossos dias :

-o apelo irracional ao ódio contra quem não pensa como nós;

- o discurso saudosista do “antigamente [leia-se por cá, no tempo de Salazar] é que era bom”;

- a diabolização e ridicularização das ditas questões fracturantes [a critica à modernidade];

- a disseminação das fake news ( a mentira várias vezes repetida para se tornar “verdade”);

- a criação de um clima de medo ( exagerando, pela repetição e pelo destaque, a existência de uma sociedade “dominada pelo crime”);

 -a desvalorização do Estado de Direito, com apelos à judicialização da sociedade, renegando a presunção de inocência ou fazendo dos tribunais espectáculo, recorrendo à divulgação de processos em segredo de justiça, conduzindo à defesa de uma  justiça popular e a uma justiça feita pelas próprias mãos, atitude potenciada pelos títulos de tablóides;

- a desvalorização de um pensamento crítico, atacando os “intelectuais”, o conhecimento cientifico, o papel das universidades “tomadas pela esquerda”;

- o desprezo pelos fracos, que culpa pela sua fraqueza, “vivendo dos subsídios”, apenas tolerados com alvo de campanhas de caridade para limpeza de consciências;

- o nacionalismo exacerbado, cercado de “inimigos” ( os “venezuelanos”, os “comunistas”, os “islâmicos”, os “terroristas”, os “emigrantes”…);

- a superioridade “democrática” das redes socias, a  verdadeira “voz do povo”, como contraponto da democracia “corrupta” e putrefacta” dos regimes parlamentares e dos políticos;

- etc., etc., etc….

Uma actualização fundamentada  do perigo de um “novo fascismo” está presente na recente obra de Madelene Albright, “Fascismo um Alerta”.

Historiando a origem histórica do fascismo e mostrando o que este teve de comum com o comunismo real (na sua versão stalinista) no desdém pela democracia, encontra diferenças assinaláveis entre as duas ideologias.

Faz igualmente o historial do MacCarthismo e da forma como, durante a Guerra Fria, os regimes democráticos pactuaram com as mais criminosas ditaduras, mostrando a forma como, no seio de regimes democráticos sólidos, o perigo das pulsões fascistas está presente e se pode transformar a democracia numa “ditadura da democracia”.

Faz um historial recente da presença dessas pulsões fascistas em regimes actuais, que , mesmo quando de origem ideológica aparentemente diferente, transportam em si o vírus do fascismo: o recurso à mentira, o desdém pela liberdade e pela democracia, o carisma do líder, o recurso ou apelo ao genocídio, o combate à diferença e o nacionalismo exacerbado.

Percorre a história recente do chavismo venezuelano, do regime turco de Erdogan, da ascensão de Putin, da “democracia iliberal “ de Órban na Hungria, da liderança omnipresente da dinastia Kim na Coreia do Norte, entre muitas outras referências a outros regimes “proto fascistas” como o de Sissi no Egipto, o de Kaczynski na Polónia, o de Zeman na República Checa, o de Duterte nas Filipinas (só não falando em Bolsonaro porque ainda não era notícia à data da escrita do livro), chegando à principal preocupação para o seu alerta contra o fascismo, a situação que se vive nos Estados Unidos com a vitória de Trump.

Claro que nenhum desses regimes é classificado por Albright com “fascista” ( apenas classifica como tal o da Coreia do Norte), mas todos transportam em si a semente de um novo fascismo, principalmente pela forma como banalizam um determinado discurso e uma determinada atitude que justifique as pulsões “fascistas”.

Em muitos desses governos e noutros movimentos de tipo populista por esse mundo fora, e citando Robert Paxton, da Universidade de Columbia, “ouvimos ecos de temas fascistas clássicos: medos da decadência e do declínio; afirmação de uma identidade nacional e cultural; uma ameaça à identidade nacional e à boa ordem social por parte de estrangeiros não assimiláveis; e a necessidade de maior autoridade para liderar com esses problemas”( pág.222).

Em comum, Albright encontra nalgumas das atitudes daqueles governos o caminho para um novo fascismo:

“Rapidamente o Governo que silencia um meio de comunicação acha mais fácil silenciar um segundo. O parlamento que ilegaliza um partido politico passa a ter um precedente para banir o seguinte. A maioria que priva determinada minoria dos seus direitos não para por aí. A força de segurança que espanca manifestantes e fica impune não hesita em voltar a fazê-lo” (pág.278).

Albright recorda-nos que, como aconteceu ao longo da história, os fascistas podem chegar ao poder por via eleitoral. Hoje em dia, aliás, não se atrevem a fazê-lo de outro modo. Geralmente chegados aos poder, vão dando passo a passo a estocada final na democracia, sendo o primeiro passo  minarem “ a autoridade de centros de poder que compitam com eles, incluindo o Parlamento”.

Deve-se a Albright uma definição simples e concisa do que é um fascista: “alguém que reclama falar em nome de uma nação ou de um grupo, que não se preocupa nada com os direitos dos outros e que está disposto a recorrer à violência e a quaisquer outros meios necessários para alcançar os seus objectivos” (pág.296).

Albright, que iniciou o seu livro com um conjunto de perguntas feitas aos seus alunos, cujas respostas esclarecem o que foi o fascismo em termos históricos, conclui a sua obra reformulando as perguntas, para responder onde podemos encontrar, nos lideres políticos de hoje, os novo arautos no novo fascismo:

“Vêm ao encontro dos nosso preconceitos, sugerindo que tratemos as pessoas de outra etnia, raça, credo ou partido como se não merecessem dignidade e respeito?

“Querem que alimentemos a ira contra quem acreditamos que nos fez mal, esfreguemos os ressentimentos até ficarem em carne viva e ponhamos os olhos na vingança?

“Encorajam-nos a sentirmos desprezo pelas instituições que nos governam e pelo processo eleitoral?

“Procuram destruir a nossa fé em elementos essências à democracia, como uma imprensa independente e uma magistratura profissional?

“Exploram os símbolos do patriotismo – a bandeira, o juramento – num esforço consciente  de nos virar uns contra outros?

“Se forem derrotados nas urnas, aceitam o veredicto ou insistem sem provas de que foram eles os vencedores?

“Fazem mais do que pedir os nossos votos e gabam-se da sua capacidade para resolver todos os problemas, acalmar todas as ansiedades e satisfazer todos os desejos?

“Solicitam os nossos aplausos falando despreocupadamente e com entusiasmo machista sobre o uso da violência para aniquilar os inimigos?.

“Repetem a atitude de Mussolini: “A multidão não precisa de saber” , tudo o que tem a fazer é acreditar e “aceder a ser moldada”?” (pp.304-305).

Quem corresponder à resposta positiva a  estas questões trás consigo e alimenta a semente do novo fascismo.

Como se pode concluir do que nós escrevemos e citámos, não é fácil definir, nem ontem nem hoje, o que é o fascismo.

Nem o fascismo dos anos 30 é repetível na nossa época.

Mas o desprezo pela democracia, pela liberdade, pelo outro, pela verdade, pelas instituições sociais e democráticas, pelos direitos humanos e sociais, é uma carcteristica comum à extrema-direita populista, seja a dos anos 30,seja a actual, mesmo quando, como na Venezuela, se veste  de roupagens pseudo-esquerdistas.

Ao mesmo tempo o apelo à violência e ao ódio, físico ou verbal, a atitudes irracionais, ao  que de pior existe no ser humano, é comum a tudo aquilo que, legitimamente, podemos classificar de fascismo.

Não vamos ver milícias nas ruas perseguindo judeus, negros, comunistas, socialistas ou democratas (ou será que vamos? Bolsonaro já prometeu algo parecido no Brasil...). Hoje as redes socias prestam bem esse serviço.

Não vamos ver a destruição total do formalismo democrático, pois podem bem conciliar o acto eleitoral em sociedades manipuladas por uma comunicação social controlada pelo poder financeiro e politico (Rússia, Turquia, Hungria...).

Ao contrário dos anos 30, em que economicamente o que era viável aos poderes que financiaram o fascismo contra o socialismo, a democracia e os direitos sociais, era a estatização da economia, hoje esses mesmo poderes apostam no neoliberalismo que lhes permite escapar ao fisco, às regras ambientais, à legislação e os direitos laborais e ao controle democrático da sua acção pelos parlamentos.

Este “novo fascismo”, ou “ur-fascismo” ou “populismo”, não precisa hoje de recorrer  ao aparato cénico propagandístico e espectacular dos anos 30. Basta manter-nos alienados, agarrados às redes socias e aos talk shows.

Ao contrário da esquerda, a extrema direita populista conseguiu adaptar-se aos novos tempos e renascer das cinzas, voltando a colocar o mundo á beira do abismo e da barbárie.

Bibliografia:

ALBRIGHT, Madeleine, Fascismo – um alerta, ed. Clube do autor, 2018;

ECO, Umberto, Como reconhecer o fascismo. Da diferença entre migrações e emigrações, ed. Relógio d’Àgua, 2017 (texto original de 1997, numa tradução de grande qualidade de José Colaço Barreiros);

PAYNE, Stanley G., El fascismo, Alianza Editorial , Madrid 1996 (1ª edição em 1980);

PINTO, António Costa, O Salazarismo e o Fascismo Europeu, ed. Estampa;