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terça-feira, 17 de outubro de 2017

A tragédia dos Incêndios e a demagogia de comentadores "liberais"


Tem sido um nojo miseravelmente demagógico e oportunista aquilo que temos ouvido de comentadores encartados, que discutem tudo, do futebol à politica, da economia aos incêndios, da realidade internacional ao pequeno escândalo de aldeia, sempre cheios de certezas, mas que pouco acrescentam ao debate necessário que urge fazer (ou saber) sobre incêndios e ordenamento do território.

Tem-se salvo o trabalho da Antena 1, da RTP 1, 2 e 3, que, pelo contraste com os restantes órgãos de comunicação social, mostra porque é importante continuar a manter um serviço público de comunicação social.

O que ouvimos e vimos de interessante e de valor acrescentado sobre o tema, ouvimos e vimos quase exclusivamente nesses órgãos de comunicação que chamaram técnicos e especialistas, nas várias áreas relacionadas com o problema dos incêndios florestais: meteorologistas, bombeiros especializados, técnicos de protecção civil, silvicultores, professores universitários....

Claro que isto não dá “espectáculo”, mas isto deve ser o objectivo nobre de qualquer órgão de comunicação social democrático, que deve dar lugar a um debate sereno, independente, crítico e diverso sobre qualquer tema em agenda.

Se, nos outros canais, o objectivo era queimar a ministra da administração interna, esmiuçando, com gritaria e frases feitas,  até ao ridículo, alguma falta de jeito que aquela tem demonstrado para enfrentar a voracidade assassina da comunicação social controlada pela oposição à “geringonça”, os canais publico revelaram  preocupação em esclarecer com serenidade, mantendo a independência critica em relação aos erros que podem ser imputados ao governo, mas não lançando a confusão boçal, apanágio da maioria dos comentadores de serviço nos canais privados.

Não deixa de ser curioso que os ideólogos do neoliberalismo e do “ajustamento” se mostrem agora tão escandalizados com a “falta do Estado” na prevenção de incêndios, como se não soubessem que:

-  foi a austeridade neoliberal, que tanto defendem, que afastou serviços públicos do interior (encerramento de escolas, centros de saúde, tribunais, policias, guardas florestais…), desertificando-o;

- foi a economia neoliberal que tanto defendem que entregou a floresta ao total desordenamento levado a cabo por interesse privados, floresta que hoje é, de forma esmagadora, de gestão privada;

- foi o “ajustamento” que tanto defendem que, ao  desagregar a organização das freguesias e ao acabar com os governos civis, desregulou toda a organização da protecção civil e deixou que, entre o poder central, bastante afastado, e o poder municipal, de dimensão demasiado pequena, se pudesse responder atempadamente a tragédias de grandes dimensões, dificultando a coordenação e a tomada de decisões urgentes,

- enfim, foram esses mesmos que passaram a vida a desdenhar e a ridicularizar os alertas de ambientalistas e cientistas da área do ambiente para os riscos provocados pelas alterações climatéricas.

A não ser que desejem que o Estado passe a vigiar cada cidadão que lança uma beata pela janela do carro, que não limpa o terreno à volta da sua casa, que não cuida do terreno florestal, geralmente um minifúndio, num local desconhecido e isolado, enfim, que seja o mesmo Estado, que essa gente tanto   abomina, a responsabilizar-se pela falta de civismo de muitos.

Leia-se, aliás, a propósito, a reportagem de Ana Fernandes, editada no Público de hoje, alertando para a responsabilidade civica a que muitos, alguns mais tarde, transformados em vítimas dos seus próprios actos, tentam escapar, tentando fugir ao controle do tal Estado, a quem depois vêm pedir responsabilidade.(uma reportagem a contra-corrente com o conteúdo desta edição).

Enfim, é de facto urgente e necessário uma profunda reforma (talvez fosse mais adequado falar em “revolução”, palavra que esses tais tanto temem) no ordenamento do território e no ordenamento florestal, bem como na prevenção e no combate aos incêndios, mas isso só se pode fazer com uma verdadeira e corajosa regionalização do país, outra coisa que esses hipócritas comentadores abominam.

É caso para se dizer que, juntamente com a floresta, ardeu também a credibilidade e a independência política de grande parte da comunicação social privada, e dos seus comentadores, liderada ideologicamente pelo Observador e logo secundada pela SIC e pelo Expresso, sem esquecer a cada vez mais aguerrida “facção Dinis” que procura forçar uma mudança de rumo no projecto “Público”.

Além das cinzas da floresta, também a credibilidade e independência da chamada comunicação social “liberal” ficou em cinzas nesta tágica época de incêndios.


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