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quinta-feira, 24 de abril de 2014

O Que Falta do 25 de Abril


Quarenta anos volvidos sobre o 25 de Abril é tempo de fazer balanços.

Já AQUI e AQUI  contámos as nossas memórias pessoais, e já abordámos esse acontecimento, do ponto de vista da História local  AQUI.

Neste texto não vamos ter a preocupação do rigor factual, procuramos antes reflectir sobre aquilo que para nós significa essa data e o que dela ainda permanece.

Se existe consenso generalizado sobre o 25 de Abril é o de que esse dia foi o dia do início da Liberdade que conduziu à construção da Democracia, o tal “dia inicial inteiro e limpo” de Sophia de Mello Breyner .

A partir daí começaram a separar-se as àguas, pois o conceito de Liberdade e Democracia variava muito conforme as ideologias, a cultura e a experiência de cada um.

Para mim a liberdade só existe se, como canta Sérgio Godinho, houver “a paz, o pão, habitação, saúde, educação”  para todos, partindo de uma base mínima de condições de igualdade e dignidade.

Aliás, esses mesmos direitos estão consignados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, um documento fundamental para discutir os conceitos de Liberdade e Democracia.

Mas também não podemos esquecer que as próprias revoluções liberais dos séculos XVIII e XIX consignavam, em paralelo com a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade.

A liberdade de falar  é a base, mas não é o limite nem o fim.

Também temos de ter presente aquela velha máxima segundo a qual a nossa liberdade termina onde começa a liberdade dos outros.

Hoje muita gente considera que a Liberdade está em risco. Parece-me uma preocupação legítima, face à forma como procuram impor aos portugueses, como inevitável, um caminho único de crescente empobrecimento, ou como a comunicação social é hoje controlada pelo poder financeiro.

A liberdade de imprensa é a base da liberdade de opinião nas sociedades modernas, mas hoje, quando só se consegue chegar  e informar o público em geral através de meios de comunicação social que exigem gigantescos meios financeiros para subsistirem, meios esses que só são possíveis com o aval do poder financeiro e de grandes empresas, essa liberdade parece correr graves riscos.

É essa situação gravosa que está na base da construção do actual pensamento único neo-liberal que procura condicionar qualquer alternativa às actuais opções económico-socias que estão a conduzir ao alargamento das desigualdades, à perda de direitos sociais, ao empobrecimento generalizado, que se anuncia como programa de décadas e gerações.

Hoje, quem quiser  fazer ouvir a sua opinião, com alguma influência, ou afina pelo diapasão que domina essa ideologia e a comunicação social assim controlada pelo poder financeiro, ou não consegue chegar a quase ninguém , por muita razão que tenha.

Nesse aspecto, e apesar da censura do Estado Novo, antes do 25 de Abril, embora com grandes riscos financeiros e pessoais, era possível lançar um órgão de comunicação social independente, como aconteceu com jornais como o “República”, o “Diário de Lisboa” , “A Capital”, a “Vida Mundial” ou o ”Expresso”.

Hoje não existe um órgão de comunicação social, com influência, que possa destoar totalmente da ideologia neoliberal que nos estão a impor, porque não obteria meios financeiros para sobreviver.

Claro que há liberdade de falar e escrever, mas a maior parte da comunicação social, cada vez menos jornalística e mais opinativa, enche as suas páginas ou os seus écrans com ideólogos dessa ideologia, mesmo com pequenas nuances de pensamento para dar uns ares de “pluralismo” (aquilo que eu já chamei de "Pluralismo do pensamento único"), ou convidando alguém que pensa de forma diferente, mas que está sempre em minoria e fica sujeito ao massacre ideológico dessa maioria de comentadores.

A Liberdade formal não está em risco, mas a liberdade de se desenvolver um pensamento desalinhado, inovador e criativo, com consequência na opinião pública, esse, de facto, está em perigo.

E, com o risco que corre a verdadeira liberdade, é a própria Democracia que corre riscos.

Claro que, também neste caso, a Democracia formal parece segura.

Mas também aqui existem divergências sobre o sentido da Democracia.

Se se entender a democracia como o mero acto de despejar o voto numa urna, então podemos dizer que a Democracia está consolidada.

Claro que a existência de Partidos e de Eleições livres é a base sem a qual não existe Democracia.

Mas esta não acaba aqui, nem termina com a divulgação dos resultados eleitorais.

Aliás, vendo a coisa por esse prisma, Yanukovich na Ucrânia, Putin na Rússia,  Maduro na Venezuela ou Órban na Hungria são verdadeiros democratas, para citar apenas os casos mais emblemáticos.

Pelo contrário, não deixa de ser paradoxal que uma União Europeia, que nasceu da democracia dos seus povos, tenha um presidente, uma Comissão Europeia e um Banco Central Europeu ocupados por gente que nunca foi eleita para esses cargos pelo povo europeu, mas que são aqueles que de facto decidem sobre a vida das pessoas, e que a sua única instituição eleita, o Parlamento Europeu, não passe de um “verbo de encher”, sem grandes poderes, que , por exemplo, elaborou recentemente um relatório onde denuncia as ilegalidade das troikas ou do governo Húngaro sem que daí resulte qualquer consequência para os criminosos.

Mas mesmo que se chegasse ao consenso segundo o qual a democracia acaba no dia a seguir às eleições, nunca se podia admitir que um governo eleito desrespeitasse as promessas e o programa político com que foi eleito, com a desculpa que não conhecia o estado do país quando toma posse do governo.

Para além de mentiroso, um governo que ignora o estado do país devia ser demitido no dia seguinte por se deslegitimar, pois, não só o compromisso eleitoral é para ser levado a sério, como não se pode admitir que, quem se apresenta para governar um país possa revelar tanta ignorância sobre o mesmo.

Por outro lado, os próprios partidos políticos, que estão na base da democracia, funcionam quase todos internamente de forma pouco democrática. Quase não existe debate interno, todos recorrem a purgas constantes dos indesejáveis e os seus dirigentes são escolhidos nos bastidores da intriga política antes de serem sufragados em congressos previamente preparados para a propaganda.

Se o 25 de Abril se fez para restituir a Liberdade e construir a Democracia, então é caso para dizer que ainda há muito 25 de Abril por construir.

1 comentário:

Anónimo disse...

Esta Gente

Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco
//
Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis
//
Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre
//
Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome
//
E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada
//
Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo
//
Sophia de Mello Breyner Andresen, in "Geografia"

Abraço!