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segunda-feira, 31 de março de 2014

Homenagem a um velho amigo que nos deixou : Jorge Barata.

Recordar um amigo

O Jorge era daqueles amigos que,  apesar da  distância geográfica ou temporal estava sempre presente no nosso pensamento e já fazia parte da nossa história de vida, mesmo quando seguíamos por caminhos diferentes.

Estive muitos anos sem o ver, mas voltei a ter notícias dele nos últimos tempos. Já gravemente doente mantinha o optimismo de sempre, mesmo quando a vida não lhe sorria.

O Jorge era inteligente e culto, mas deixou-se envolver em situações que degradaram a sua qualidade de vida.

Era solidário, mas nos últimos tempos foi ele que necessitou de solidariedade para conseguir sobreviver e era triste ver a sua decadência, à qual ele ia resistindo com todas as forças.

Não me lembro do momento exacto em que conheci o Jorge, terá sido em meados doa anos 70, por volta do 25 de Abril, no Impulso, no Cine clube e, depois de 1974, na Associação de Estudantes e nos anos loucos do PREC, mais tarde na Cooperativa de Comunicação e Cultura e no Área, ou nas rádios locais..

Partilhámos grandes momentos juntos e fomos grandes companheiros nos melhores e piores momentos de cada um…

O Jorge sempre foi curioso, criativo e entusiasmava-se facilmente por aquilo que fazia. Quando gostava dedicava-se em pleno, mas se alguma coisa não lhe agradava, não era de meios termos e baldava-se rapidamente, o que lhe custou muitos problemas, principalmente  a nível profissional, revelando dificuldade em aceitar rotinas e  ambientes adversos.

Era ingénuo nas relações e acreditava facilmente nas pessoas, e por isso acabou muitas vezes por se dar mal, mas sempre que caia, cada vez mais e com mais estrondo, levantava-se com redobrado entusiamo.

Mesmo agora, na doença, a sua fé na recuperação era tal que até a mim me fez acreditar que era possível, apesar da gravidade da situação…parecia impossível que a doença o vencesse…e foi assim que a notícia da sua morte foi por mim recebida, com um misto de uma notícia esperada, misturada com alguma incredibilidade…


Agora só nos resta, aos amigos, continuar a recordar a sua atitude de entrega total à vida, a sua sinceridade e o seu entusiasmo contagiante…Até Sempre amigo…um dia voltaremos a encontrar-nos, seja onde for..

quinta-feira, 27 de março de 2014

Respigo da Semana: Euro e Democracia : ou mais argumentos para a abstenção nas Eleições Europeias:

Neste artigo, escrito por dois reputados articulistas, conhecedores da realidade europeia, demonstra-se que a criação do Euro foi a maior asneira na história de União Europeia e que a única hipótese de salvação para países como Portugal seria negociar a nossa saída dessa malfadada moeda, apenas feita para beneficiar a Alemanha e os especulativos meios financeiros.
Em vésperas de eleições para o Parlamento Europeu era isto que todos devíamos estar a discutir.
Mais uma razão para nem sequer me dar ao trabalho de ir votar no dia das eleições europeias...

"Euro e democracia

Por Stefan de Vylder  (1) e Jack Soifer (2)

In Público 13/03/2014

“A criação do euro foi o maior erro da política económica pós-guerra. Os países em crise estão num desastre económico, político e humano. O melhor seria a Alemanha sair do euro. O provável é a saída dos PIIGS, Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha. Isto é melhor do que a gestão de crises liderada por uma troika não eleita, odiada pela população da UE.

“Após três anos de recessão, o PIB da zona euro (ZE) parou de cair. Mas há pouca esperança na economia real, produção e emprego. Nos países mais afetados, Grécia, Espanha e Portugal, há declínio. O PIB da Grécia é 25% mais baixo do que em 2007, e não melhora. Na Grécia e Espanha, o desemprego real supera os 25%.

“O Eurostat diz que em Portugal há 89 candidatos para cada trabalho; Espanha, 71; Irlanda, 31. O custo do trabalho cai, mas o total aumenta. É o custo de contexto, de energia, cartéis, taxas e da burocracia fiscal que faz o dono de PME perder tempo, em vez de vender mais. O pacote da troika reduziu salários, pensões e subsídios, o que afetou a procura interna e não só.

“Os efeitos do desemprego jovem são difíceis de medir. Não entrar no mercado de trabalho, ou aceitar emprego não qualificado sem benefício da sua formação, é perda humana e económica. A qualificação hoje é perecível. Jovens qualificados de Espanha e Portugal saem para as ex-colónias na América Latina e África, e de todos os países em crise para a Alemanha, Reino Unido, Suécia e Noruega. É o brain-drain. Em 2013 saíram de Portugal 121 mil técnicos e especialistas. Dos enfermeiros formados em 2012 e 2013, 90% estão a emigrar.

“A natalidade nos PIIGS caiu muito; na Itália, Espanha, Portugal e Grécia, é hoje de 1,5 filhos/mulher. Isto é um alívio económico a curto prazo, mas com mais idosos crescem os gastos com saúde e pensões.

“À crise seguem problemas sociais. Depressão e suicídio tornaram-se comuns, e na Grécia duplicou a taxa de suicídio, que antes tinha a mais baixa da UE. Na Grécia e Espanha vimos os direitos democráticos reduzidos. O Governo espanhol propôs a Ley de Seguridad Ciudadana, que criminaliza reuniões ilegais e insultos à Espanha.

“Pode-se evitar ciclos de choque assimétrico nos países-membros. Como mobilidade de trabalho dentro e entre países, convergência de inflação e produtividade, preços e salários, uma política fiscal comum que permita apoio aos países em crise, e garantias unas aos depositantes, para evitar a fuga de capital.

“Nem todos estes requisitos precisam de ser cumpridos. Mas a UME não cumpre nenhum deles. Não houve, no início, um plano de emergência, mas sim a proibição de apoio financeiro aos países em crise e do BCE comprar títulos diretamente dos governos.

“A gestão da crise é emergencial, decidida no momento, sem ouvir os parlamentos eleitos, e num turbilhão de regras exclusivas da UME. Resolvem a crise no curto prazo, e ignoram os problemas do futuro.

“A taxa comum na UME aumentou as bolhas imobiliárias em países como a Irlanda e Espanha. Na Grécia e em Portugal os juros baixos e o euro-otimismo provocaram um consumo privado e público insustentável.

“A taxa comum traz um efeito pró-cíclico, i.e., estimula a economia dos países em boom, e aperta os em recessão. Quanto maior for a inflação num país, e quanto mais a economia precisa de abrandar, menor a taxa real de juros. E vice-versa, quando a economia deve ser estimulada. É a perversidade inerente a uma união monetária.

“Cresce o diferencial das taxas de juros entre os países na periferia da ZE e os centrais em torno da Alemanha. Apesar de o BCE emprestar a todos os países à uma taxa baixa, a que as empresas e as famílias pagam é alta.

“Os países com boa economia têm hoje taxas menores do que antes da crise. A liquidez nos seus bancos subiu com a fuga de capitais dos PIIGS. Estes tomaram emprestado a juros baixos, o que baixou a competitividade. Entre 1999 e 2008, o custo por unidade nos PIIGS subiu 20-35% em relação à Alemanha.

“Seria bom acordar num sábado e ouvir que alguns países saíram do euro e as bolsas e bancos do mundo estão fechados; que já existem novas notas e reprogramaram as caixas eletrónicas. Ouvir que o FMI, BCE e bancos centrais nacionais da UE impuseram controlo temporário à banca e apoiam o acesso à moeda estrangeira em alguns países.

“Mas nenhum chanceler alemão quer ir para a história como aquele que afundou o euro. Muito prestígio político foi investido. A exportação alemã beneficiou dos países em crise, com a taxa de câmbio baixa. O operário alemão merece que valorizem o marco, que traria um melhor salário real; isso equilibraria a competitividade externa na UE.

“A valorização do euro com economias fortes é péssimo para quem tem dívidas em euro. Os PIIGS não podem pagá-las. São valores em relação às suas economias maiores do que as reparações alemãs do pós-guerra. A alternativa é abater a dívida em 50% e alongar o prazo para 50 anos. Outra é trocar parte da dívida em crédito a longo prazo e juros do BCE para adquirir bens e serviços nos PIIGS, o que elevaria a competitividade empresarial destes”.

1 .Ex-presidente do Fórum Sueco de Desenvolvimento, autor de uma vintena de livros em inglês e sueco, ex-professor da Stockholm School of Economics;

2 . Consultor internacional, autor dos livros Como Sair da Crise, Portugal Rural e Ontem e Hoje na Economia

quarta-feira, 26 de março de 2014

O homem que soltou a criança em todos nós: Bill Watterson, autor de Calvin e Hobbes:

Bill Watterson deu uma rara entrevista ao jornal Público, da qual resultou a reportagem que pode ser lida em baixo.

Foi a série Calvin & Hobbes que me "agarrou" ao jornal Público e que me reconciliou com o mundo da Banda Desenhada.

Associo esta série a outras duas, os Peanuts e a Mafalda.

As três séries são bem o retrato de três épocas da segunda metade do século XX,que correspondem também à evolução da minha vida.

Os Peanuts retratam o optimismo ingénuo do pós guerra; a Mafalda a contestação e o espírito revolucionário das décadas de 60 e 70; o Calvin & Hobbes o cinismo desesperançado do pós-modernismo neoliberal das duas últimas décadas do século XX.

O homem que soltou a criança em todos nós - livros - Ípsilon (clicar para ler).

terça-feira, 25 de março de 2014

Os Rapazes dos Tanques

"Os Rapazes dos Tanques" é um livro que conta a história de um momento decisivo do 25 de Abril,o momento em que as tropas de Salgueiro Maia estiveram frente a frente com os carros de combate fiéis ao regime.

Foi o momento mais dramático desse dia, o momento que decidiu que a Revolução se tivesse feito quase sem tiros, o momento que evitou um banho de sangue.

O jornalista Adelino Gomes e o fotógrafo Alfredo Cunha estavam presentes nesse momento, embora não se conhecessem então.

Vieram a conhecer-se no jornal Público, que ajudaram a fundar e, volvidos estes anos todos, resolveram procura os militares que estiveram nesse dia, frente a frente, no Terreiro do Paço, e contar a história desse momento.

O livor vai ser hoje lançado, pelas 18.30, no Torreão Poente do Terreiro do Paço.

O crescimento da extrema-direita europeia: "Eles andam aí..."

A subida espectacular da extrema-direita nas eleições municipais francesas é apenas mais uma etapa na crescente influência eleitoral dessa corrente política, um pouco por toda a Europa, da Ucrânia à Grécia, da Holanda à Suécia..

Dada a falência generalizada do projecto europeu e da democracia, incapazes de garantirem a continuidade de um mínimo de qualidade de vida a muitos dos seus  cidadãos, incapazes de combaterem o desemprego jovem, desistindo da defesa  dos direitos sociais, reduzindo a democracia a uma mera formalidade, entregando-se ao ditames da alta finança, aumentando as desigualdades sociais, destruindo a classe média, não é de admirar que a demagogia extremista vá fazendo o seu caminho.

Quando a própria União Europeia sustenta instituições não-democráticas, como a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu ou o Eurogrupo,  com poderes que se sobrepõem aos parlamentos eleitos e à vontade dos cidadãos, sem qualquer controle democrática, tomando decisões ditadas pelo poder financeiro, é a credibilidade democrática que sai enfraquecida.

A direita, para se manter no poder, integra muitos dos princípios e dos valores dessa extrema-direita, apadrinhando leis xenófobas e anti-sociais, responsabilizando-se por uma política “austeritária” que aumenta o desemprego, precariza o trabalho, retira direitos socias, desvaloriza os salários, empobrece os cidadãos, vulgarizando assim o ideário sócio-politico dessa extrema direita e tornando-a “respeitável”.

A esquerda, principalmente a social-democrata, também tem responsabilidades acrescidas no crescimento da extrema direita, pela forma como se tem entregue nos braços do ideal neo-liberal, incapaz de se apresentar com um projecto em defesa dos direitos sociais e de afrontar os interesses do sector financeiro, deixando-se corromper por este.

Não é assim de admirar que a democracia se corrompa, levando ao crescimento de tendência políticas antidemocráticas, mas que se sabem servir da própria democracia para atingirem os seus fins.

Os resultados eleitorais da extrema-direita em França, e que se irão repetir um pouco por toda a Europa nas próximas eleições para o parlamento europeu são apenas um pequeno aviso da tempestade que se aproxima, semeada pelos ventos da austeridade imposta pela Comissão Europeia aos cidadãos deste velho continente.

A propósito deste tema, divulgamos em baixo um muito interessante artigo de opinião publicado ontem no blogue "A Face Oculta da Terra":


A FACE OCULTA DA TERRA: Eles andam aí...: Os resultados de Marine Le Pen, na primeira volta das eleições municipais em França, não devem espantar-nos. 

segunda-feira, 24 de março de 2014

O "Consenso" cavaquista


“Consenso” parece ser a nova palavra da “novilíngua” cavaquista.

“Consenso” implica convergência, negociação e acordo.

Convergência, negociação e acordo implicam cedências e uma base de valores e princípios negociáveis.

Ora o que Cavaco pretende é um “consenso” sobre uma realidade pré-existente e inegociável, imposta pelo seu querido governinho “passoscoelhista”, pele troika e pelos “mercados”, ou seja, o consenso nos cortes salarias, no empobrecimento geral do país , na retirada de direitos aos trabalhadores, no desrespeito pelos compromissos assumidos pelo Estado para com os reformados e os cidadãos em geral.

O verdadeiro consenso em democracia tem por base o respeito pela diversidade  de opiniões, pelas divergências políticas, o respeito pela lei e pelos direitos dos cidadãos, tudo isso consignado numa Constituição livremente negociada.

Ora o que o governinho acarinhado por Cavaco tem andado a fazer é desrespeitar a Constituição, a lei, os direitos dos cidadãos, tudo o que impede qualquer consenso na sociedade portuguesa.

Que a troika (leia-se Durão Barroso, pela União Europeia, Victor Constâncio pelo BCE, ou Vitor Gaspar, agora a trabalhar no FMI) apadrinhe essa falta de respeito pela Constituição, pela lei e pelos direitos dos cidadãos, só revela a falta de ética social que move as instituições que a controlam. Aliás, embora tardiamente e por meras razões eleitorais, o Parlamento Europeu já chegou à conclusão que essa troika tem agido ilegalmente e desrespeitando os direitos do cidadãos dos países onde actua, conclusão que não tem nenhuma consequência, revelando-se assim a inutilidade do Parlamento Europeu, o único órgão legitimo da União Europeia.

Quanto aos “mercados” que tanto preocupam Cavaco, não passam de um mero bando de bandoleiros engravatados, modernos assaltantes de estradas, (banqueiros, especuladores, corruptos de toda a espécie) que não devem merecer o mínimo respeito por parte de qualquer cidadão de bem, que não se mova por meros interesse financeiros.

Tentar impor um “consenso” baseado num programa pré-definido, para agradar a essa gente pouco recomendável da Troika e dos “mercados” é uma mera farsa, que só podia nascer na cabecinha do mais medíocre político português de todos os tempos, Aníbal Cavaco Silva.

O Cartoon da Semana - Anterozóide


quarta-feira, 19 de março de 2014

Recordar José Medeiros Ferreira (1942-2014), através da divulgação integral da sua intervenção premonitória no 3º Congresso da Oposição de 1973

(foto do jornal Público)

Tive o privilégio de assistir a várias comunicações de Medeiros Ferreira, em congressos vários sobre história contemporânea, organizados umas vezes pela Universidade Nova, outras pelo ISCTE, algumas pela Associação de Professores de História.

As suas intervenções foram sempre das mais inovadoras e heterodoxas, baseadas numa aprofundada reflexão e numa cuidada informação.

Todas as suas comunicações foram fundamentais para pensar o mundo em que vivemos de forma aberta e criativa.

Tive ainda o privilégio de, numa dessas ocasiões, ter trocado algumas palavras com ele, verificando então a sua postura afectiva e humilde, muito rara entre as nossas elites culturais.
Sempre ouvi com atenção as suas ponderadas e fundamentadas participações em debates televisivos e a sua presença vai fazer falta neste tempos de pensamento único.

Um ano antes do 25 de Abril, entre 4 e 8 de Abril de 1973, realizou-se, em Aveiro, o 3º Congresso da Oposição Democrática.

Medeiros Ferreira enviou, do exilio, uma das mais premonitórias comunicaçõesentão apresentadas, lida pela sua esposa.

Essa comunicação previa o papel fundamental que as Forças Armadas iriam ter no derrube do regime ditatorial e na instauração da democracia.

Deve-se a esse mesmo artigo a célebre trilogia que veio a ser usada para definir a revolução: Descolonizar, Democratizar e Desenvolver, os célebres três D’s, ao qual ele acrescentava o termo “Socializar”.

Era ainda evidente, nesse artigo, a importância dada à opção Europeia do futuro de Portugal, dando ainda especial importância a um eixo Europeu-Africano que teria Portugal como ligação.
Na altura essa comunicação não foi muito bem aceite, nem levada a sério, por grande parte da oposição, mas hoje essa comunicação, à luz da história, ganha outra importância e é reveladora da credibilidade do pensamento de Medeiros Ferreira.

É em homenagem a esse socialista histórico que hoje divulgamos hoje aqui, e na integra, essa comunicação:





DA NECESSIDADE DE UM PLANO PARA A NAÇÃO

Por José Medeiros Ferreira

Neste último quarto de século o País assiste, desorientado, à justaposição de problemas que se lhe põem, os quais isolados uns dos outros já seriam graves e juntos parecem insolúveis. O regime é responsável por essa acumulação e a natureza do Estado Novo leva a que o actual Governo se remeta a um pacato empirismo, preferindo a rotina da crise às medidas capazes de resolverem os problemas portugueses. Todavia aproximam-se para Portugal prazos inadiáveis para a resolução das suas dificuldades. Estas podem-lhe alterar a alma e a fisionomia. A Nação encontra-se em jogo e com ela o destino das classes sociais que a habitam e a informam.

Na realidade, no preciso momento em que o processo de integração europeia se acelera e nos abrange, com riscos a médio prazo, mas com enormes vantagens a longo, no caso de estarmos preparados, encontra-se o País a contas com uma guerra colonial longa de mais de dez anos. O que foi falta de previsão nos anos 50, revelada na ausência de um processo original de descolonização da África portuguesa, tomou-se, com o aparecimento em Angola, Moçambique e Guiné de movimentos de independência dispostos à luta armada para a conseguir, falta política grave do regime perante a Nação. E hoje, decorridos mais de dez anos sobre o começo da guerra colonial, o Estado Novo está paralisado perante o problema. Mais do que determinação de continuar a guerra colonial, o discurso de Janeiro do Presidente do Conselho revela tal paralisia. O regime não encontra outra saída do que a guerra e esta não constitui uma.

Está pois paralisado o regime e os interesses que lhe animam a existência perante o problema colonial, mas não o poder estar o País. Este tem de impor urgentemente uma política de descolonização.

DESCOLONIZAR

Nesta fase da presença de Portugal no Mundo a descolonização Impõe-se. Mas trata-se de descolonizar no preciso momento em que decorre a integração europeia e mais intensa ligação de Portugal ao continente. Os processos estão aliás ligados, e ligados a mais de um título.

Com efeito, a Europa, como um todo, tende a interessar-se pela Africa e nesta fase da construção europeia três países são possuidores de chaves para aquele continente: a França, Portugal e a Inglaterra. Sem querer ir mais longe, diga-se que o nosso processo de descolonização será fundamental para a consolidação da existência de uma zona económica e política abrangendo grande parte dos países europeus e africanos. Neste preciso ponto convém ser lúcido e ter a coragem de defender posições adversas a gregos e troianos.

Respeitadas as soberanias no que elas têm de essencial, assegurado um sistema de harmonização entre regiões ricas e regiões pobres como entre países ricos e países pobres e facultados às populações os instrumentos de participação e de controle das decisões que lhes digam respeito, a zona a criar entre países europeus e países africanos afigura-se-nos riquíssima de possibilidades para ambas as partes e capaz de se impor ao mundo. Poderá mesmo vir a constituir resposta adequada à ingerência de duas grandes potências nos assuntos europeus e também africanos que são causa de precária soberania destes em relação àqueles.

Ora vários países poderão tirar vantagens de um enfraquecimento simultâneo, mesmo que temporário, da dominação portuguesa nas colónias e da presença dos movimentos de independência daqueles territórios. De qualquer maneira seria a independência destes países que se encontraria comprometida. Sendo as coisas como são, não vejo o menor progresso histórico se a influência da Africa do Sul ou da Rodésia crescerem em Moçambique, ou se em Angola, após os portugueses, forem americanos ou russos, mais provavelmente aqueles do que estes, a imporem a sua lei e os seus interesses. Por independência entende-se coisa bem diferente. Deste modo a presença de Portugal, melhor entendida, pode facilitar o acesso das colónias a formas de independência mais interessantes do que aquelas capazes de passarem de todo por cima da lusa vontade. Quero dizer na minha que  Portugal pode funcionar em relação a esses novos países como factor de uma maior independência destes.

Não há dúvida que em relação à Africa do Sul ou à Rodésia assim é. Mais delicado se torna provar que no que diz respeito aos movimentos nacionalistas Portugal poderá ser garante de independência. E no entanto é simples: pela força das circunstâncias os movimentos de independência do tipo daqueles que operam nas colónias são geralmente debitores de potências estrangeiras que nas fases mais duras da luta os apoiaram materialmente. Aconteceu-nos o mesmo quando, invadidos pelas tropas napoleónicas, nos enfeudámos à Inglaterra. Não se trata pois de algo que lhes seja exclusivo, mas urge agir em consequência. Quer dizer: um diálogo entre Portugal e os movimentos nacionalistas deve proporcionar a estes as condições para a diminuição das influências tecidas no decorrer deste período de guerra e que possam revelar-se contrárias aos interesses dos territórios em questão.

Portugal deve pois funcionar em relação aos novos países assim criados como factor de uma maior soberania destes, sobretudo no período sempre decisivo do acesso à independência.

SOCIALIZAR

Tal descolonização, assim como as alianças imediatas, depende, claro está, do regime económico, social e político que vigorar em Portugal.

Quer-nos parecer, pela paralisia que o regime demonstra perante a necessidade de uma solução política para o problema colonial, que a actual hierarquia das classes sociais em Portugal não permite correr os riscos de uma medida de independência para as colónias. As classes dirigentes impõem-nos deste modo a continuação da guerra sem outra perspectiva que a do adiamento da solução política. (E se o Governo de Caetano tenta ladear a questão política da independência pela via administrativa da descentralização, tal linha tem mais a ver com a imaginação política do seu autor do que com a inteligência da situação. Mais imaginativa do que verdadeiramente inteligente é ainda a ideia da comunidade luso-brasileira. Estes só se não puderem é que não nos comem as papas na cabeça...).

Temos assim que as actuais classes dirigentes não são capazes — nem permitem— de fornecer solução ao problema colonial. Como este problema não pode continuar no ponto em que está urge pois redefinir outra relação a estabelecer entre as classes no interior da Nação para uma melhor presença portuguesa no Mundo.

É evidente que a descolonização, por menor que ela seja, trará problemas de reajustamento interno, quer no que diz respeito às actividades económicas quer no que diz respeito à relação de forças entre as classes. Deste modo, o Estado, naquilo em que depende destes fenómenos, não poderá ficar alheio a tal modificação. Isto é, num projecto profundo de descolonização deve estar presente aquele de socializar Portugal. Aqui o estabelecimento de um “écran” entre os dois fenómenos é ainda política das actuais classes dirigentes.

Não se julgue porém que a alteração da relação de forças entre as classes, provocada pela independência das colónias, será suficiente para, por si só, e sem luta interna, instaurar um regime socialista. Torna-se pois preferível falar de avanço das estruturas socializantes e não de regime socialista, que é coisa em si bem diferente.

Assim, no que diz respeito ao avanço das estruturas socializantes, este pode efectuar-se, e deve efectuar-se, simultaneamente ao processo de descolonização e por aí será independente da instauração ou não no resto da Europa de regimes socialistas. Tal avanço das estruturas socialistas em Portugal constitui mesmo condição para o fortalecimento do País face à Europa. Já a instauração de um regime socialista num só país da Europa ocidental como Portugal parece mais difícil. De qualquer maneira, o socialismo que for instaurado num só país será sempre diference daquele que for criado no espaço mais vasto e mais apropriado para tal que é o espaço europeu.
Acresce que o socialismo possível num só país como Portugal ficará sempre aquém daquele que for construído à escala europeia. Não se deve, pois, confundir avanço das estruturas socializantes com a implantação de um regime socialista. Para bem deste.

Acontece que a construção europeia, com o seu corolário que é o da indepen­dência dos países do velho continente em relação aos Estados Unidos da América e em relação à União Soviética ou a qualquer outra potência que se venha a cons­tituir, cria condições para a instauração de um novo tipo de socialismo na Europa que não seja ameaçado nem por uns nem por outros. A fase de desenvolvimento económico, social e político da maior parte dos países europeus também é indica­tiva das possibilidades materiais e humanas de se construir aqui um socialismo diferente e mais avançado do que aquele praticado noutros espaços.

Tal não impede que em Portugal se faça avançar o projecto socialista ante­cipadamente e por via autónoma. Mais cedo ou mais tarde a Europa será defron­tada à existência no seu interior de países com estruturas de tipo socialista. Cada país tratará de impor as suas opções internas e para tal será fundamental possuir trunfos suficientes para se fazer aceitar soberanamente no concerto europeu. Por­tugal possui alguns. E, neste caso como em muitos outros, a determinação política é arma fundamental. Deste modo, se no processo do avanço das estruturas socia­listas em Portugal as classes trabalhadoras tiverem efectiva participação e se instrumentos democráticos lhes forem atribuídos, encontrar-se-ão mobilizadas as energias populares tão necessárias para a defesa do plano nacional. O plano nacio­nal será ainda o melhor para conquistar e manter liberdades, pelo menos enquanto a Europa for comandada pelos interesses capitalistas.

DESENVOLVER

Mas a descolonização e o avanço de estruturas socializantes não são, só por si, garantia da independência nacional, e não será grande profecia antever difi­culdades para o país no seguimento da descolonização. Estas dificuldades serão mesmo aumentadas se se continuar a subalternizar as classes trabalhadoras às classes detentoras do capital.. Se, pelo contrário, o avanço de estruturas sociali­zantes for efectuado de molde a alterar a relação de forças existentes, e a promover à dignidade política a lógica dos interesses das classes trabalhadoras, melhores condições de ultrapassagem das dificuldades criadas pela descolonização estarão encontradas.

De qualquer das formas, para um país de território reduzido como é o nosso impõe-se uma política acelerada de desenvolvimento económico. Ou seja, a inde­pendência da Nação e a presença de Portugal no Mundo dependerão do fortaleci­mento do território pátrio com equipamento capaz de o valorizar para além da sua dimensão. Quanto mais pequeno é o território de uma nação mais equipado deve ele ser. Só assim o equilíbrio com outras nações ficará restabelecido e o plano nacional garantido. O avanço das estruturas socializantes deve pois fazer-se tendo em vista uma aceleração do crescimento económico português. Certo é que não haverá desenvolvimento sem que se libertem as energias da sociedade portuguesa, e o avanço das estruturas socializantes também será isso.

As actuais classes dirigentes têm tentando fazer crer que o principal pro­blema português é o do desenvolvimento. Será a partir do desenvolvimento eco­nómico que todos os problemas poderão ter resolução: desde a democratização de Portugal à descolonização de tudo seria capaz o desenvolvimento.

Ora, assim não acontece e a experiência ensina-nos que situações existem em que é a prévia resolução doa problemas políticos e sociais que permite o pleno aproveitamento das potencialidades económicas dos países.

Nem outro significado tem o impasse desenvolvimentista do Governo, senão o de provar que, chocando-se os interesses dos grupos financeiros e industriais dominantes, impossível será um plano para a Nação.

O enlace de Portugal na Europa exige que a Nação se prepare criteriosa­mente. O desenvolvimento económico é tarefa tão importante para a comunidade portuguesa como a defesa militar, e assim como esta não se delega em particulares aquele não pode a estes estar sujeito. Devem pois os particulares operar no âmbito definido pela Nação.

DEMOCRATIZAR

É, aliás, no avanço das estruturas socializantes e na definição e execução de um plano de desenvolvimento que a democracia aparece como condição de êxito e às quais as suas formas devem adaptar-se.

Se se enquadrar os problemas portugueses à luz da continuação de Portugal no Mundo, pode aparecer subalternizado o papel dos instrumentos capazes de levarem para a frente o projecto de continuar a Nação. Porém, se prescrutarmos os anseios internos do corpo nacional torna-se evidente que a grande união dos portugueses se faz em torno da conquista das principais liberdades democráticas. A instauração de formas democráticas será pois exigência que um verdadeiro poder antifascista e anticolonialista não poderá adiar.

Na realidade, a permanência do regime do Estado Novo gerou no seio da sociedade portuguesa um profundo movimento de aspiração à prática das liberdades públicas sempre negadas pela sua política terrorista. Criou-se assim, em tomo das liberdades democráticas, um elemento ideológico fortíssimo que tem expressão nacional e é interclassista. Nenhum plano para a Nação poderá ladear este problema propriamente político.

A democratização da sociedade portuguesa não só constitui imperativo polí­tico como ainda encontra na necessidade de definir um projecto nacional razão da sua urgência.

Contudo, deve a democratização da sociedade portuguesa ir além das formas clássicas que a democracia tem tomado, e que são ainda formas limitativas de a entender. Trata-se não só de multiplicar os instrumentos de intervenção a nível nacional mas ainda de reestruturar os poderes locais e regionais como órgãos fun­damentalmente democráticos e decisivos nos espaços respectivos. Só assim algu­mas liberdades ficarão asseguradas.

Em sintese, a actual situação de Portugal aponta três ordens de soluções que convém trilhar simultaneamente: trata-se de descolonizar, de socializar e de desenvolver. Tais metas devem ser alcançadas através de uma profunda democra­tização da sociedade portuguesa.

A nossa contextura histórica é assim qualitativamente diversa da da maioria dos outros países a que nos poderíamos referir. Exemplificando, como temos de descolonizar não estamos nas mesmas condições que a Espanha (a independência para o Sara espanhol não trará sobressaltos de maior ao país vizinho), como temos de socializar não estamos em situação de igualdade com a Hungria, com a Suécia ou com a Jugoslávia, e como temos de desenvolver, estando muito aquém da França, não estamos porém ao mesmo nível de Marrocos. Também não somos um país acabado de nascer, situação que pode favorecer a coesão nacional. Não estamos por conseguinte na mesma fase histórica que a Argélia.

Acresce que, Portugal, país europeu, não tomou a devido tempo as formas de democracia política que governam os demais Estados de além-Pirenéus. Estes avançaram na experiência democrática exercitando em maior ou menor grau a maior parte dos corpos constituídos da Nação na prática da participação económica, social e política dentro do sistema geral da democracia parlamentar. Neste momento, e há quarenta anos, o Parlamento é em Portugal uma caricatura e a sua influência nula na Nação. Também não se encontram outras formas de participação democrática do povo português na vida nacional. A existência de partidos políticos não governamentais é interdita, obrigando-os assim o Estado Novo à clandestinidade, pelo que a influência deles na vida da Nação é reduzida. Deste modo, à excepcionalidade da problemática portuguesa junta-se a diferença substancial dos instrumentos políticos para a resolver.

A conjugação simultânea dessa problemática tece pois uma contextura histórica radicalmente original e postula a necessidade de um plano global sobre Portugal e o seu destino no mundo.

OS FINS E OS MEIOS

Encontramo-nos assim ao mesmo tempo perante a questão dos fins a atingir e a dos meios a utilizar. E embora não me pareça que o problema dos meios possa fazer parte desta tese não quero todavia deixar certas coisas por dizer.

Oferece-se ainda a Portugal neste instante a possibilidade de resolver os seus conflitos de maneira excepcional, quer no que diz respeito ao tipo de resolução desses conflitos quer no que diz respeito aos meios a pôr em acção para tal. Assim, ainda poderemos descolonizar de forma exemplar (se bem que a guerra colonial já tenha criado uma triste hipoteca), fazendo com que as relações futuras entre Portugal e os novos países se estabeleçam em termos de ultrapassagem dos modelos existentes. Poderemos ainda fazer avançar certas estruturas socialistas, independentemente do processo europeu. Também no que diz respeito à democratização da sociedade portuguesa poderemos, observando os limites das formas democráticas clássicas, dar a tal processo instituições mais avançadas do que aquelas existentes noutros países. Será certamente difícil mas valerá a pena. Que melhor forma poderíamos ambicionar para continuar Portugal?.

Uma outra via ainda se nos oferece e esta é similar à da Europa, seguindo assim com atraso, mas avançando apesar de tudo. Uns chamam a tal processo liberalização, outros desblocagem política, outros revolução democrática e nacional. Evidentemente que existem diferenças de conteúdo entre estas expressões. Mas todas elas privilegiam meios semelhantes. É a chamada via ordinária, aquela da França, da Itália, da Suécia ou do Chile.

Por enquanto é ainda o regime do Estado Novo que domina, ou seja a situação é insuportável. Nem descolonização nem socialização nem desenvolvimento. Multo menos democracia. Uma resposta global aos actuais interesses dominantes impõe-se. Encontramo-nos, pois, perante esta questão: que forças sociais, económicas, políticas ou culturais podem meter ombros a tal empreendimento ?

Sem responder a tal pergunta, destaco das várias componentes do corpo nacional duas realidades de ordem diferente que estão destinadas a tomar uma importância decisiva no futuro do Pais:
Portugal encontra nas suas classes trabalhadoras o melhor veículo para a sua continuação como Estado independente e é desta força social que pode resultar um projecto global para a Nação ou pelo menos nela apoiado.

Banidas sistematicamente pelo Estado Novo da cena política, as classes trabalhadoras portuguesas têm encontrado múltiplos obstáculos à sua organização autónoma e diversa e ainda mais na prossecução dos seus interesses. As enormes energias que a sua actuação poderia ter trazido à Nação foram contidas e dispersadas pela política repressiva das actuais classes dirigentes. O País necessita, porém, para a sua própria sobrevivência soberana, de aproveitar ao máximo as capacidades dos grupos sociais constituídos. As classes trabalhadoras representam a grande maioria da população e asseguram o desenvolvimento do Pais. O deserto organizacional legal das classes trabalhadoras deve pois dar lugar a uma política de fomento neste campo. Como é sabido muito de Portugal se jogará, aqui.

As classes trabalhadoras aparecem pois como a força social do futuro. No entanto uma instituição existe no presente que forçosamente estará no caminho das forças democráticas, seja para impedir o seu desenvolvimento seja para apoiá-lo. Mas não se pode fazer de conta que ela não existe. Trata-se das Forças Armadas.

Ora, as Forças Armadas são, hoje por hoje, uma instituição essencialmente nacional. Prescrutando o conjunto dos corpos constituídos da sociedade portuguesa, diremos até que é o Exército a instituição que mais se confunde com a Nação. E, embora o Exército seja efectivamente um instrumento da política das classes dirigentes, a instituição, esta, enquanto tal, é interclassista e nacional.

Semelhante natureza decorre da existência de um serviço militar obrigatório que torna presentes todas as classes sociais no seio da instituição. Donde o seu carácter interclassista. Por outro lado, no momento em que as actividades económicas, sociais, políticas e culturais tendem ao enlace regional, intercontinental e mesmo mundial, a defesa do território pátrio aparece, paradoxalmente, como anacrónica, porém essencial para a manutenção do quadro nacional. Donde o carácter eminentemente nacional das Forças Armadas.

Estará no entanto na lógica da instituição a possibilidade de apoiar movimentos nacionais que se proponham resolver politicamente o problema das colónias, admitindo a independência destas, para melhor se proceder ao levantamento das energias patrióticas na perspectiva da reestruturação do espaço europeu?.

As Forças Armadas, para além da função nacional de defesa do território, serão sensíveis às lutas que se desenvolvem no corpo da sociedade portuguesa? A tensão nelas existente entre o todo Nação e as partes constituintes desta que são as classes sociais levará ao aparecimento de uma filosofia económica e social sobre a sociedade portuguesa capaz de permitir o apoio ao avanço das estruturas socializantes ?

Não estamos aptos a fornecer resposta definitiva a tais interrogações.

Note-se contudo que eu me refiro a linhas estruturais subjacentes à instituição militar e não à efectiva função política dessa instituição perante o Estado Novo. O contrôle do regime do Estado Novo sobre o Exército foi completo e detalhado até ao aparecimento da luta armada nas colónias. A própria guerra, porém, se bem que obrigando as Forças Armadas a tarefas medíocres e incompatíveis com a sua função nacional, deu-lhe dimensões sem precedentes na história pátria. Convém deixar claro que as classes dirigentes sentiram o perigo que corriam e arquitectaram novos processos de contrôle. Diversos tipos de osmose social entre as classes dirigentes e o corpo de oficiais foram criados e, por outro lado, certos fenómenos decorrentes do próprio tipo das operações militares que a guerra colonial desenvolve auxiliaram o contrôle do regime no próprio terreno da instituição militar. Foram assim fomentados precocemente o engrandecimento de corpos especializados, tais como o dos pára-quedistas, diversos tipos de comandos, fuzileiros navais e outros mais, que são ao mesmo tempo a expressão de uma necessidade técnica operacional e de uma política de enquadramento do regime sobre as próprias Forças Armadas.

Desta forma uma síntese foi operada entre um Exército que é a expressão do serviço militar obrigatória e as forças especiais de intervenção formadas por profissionais ou por voluntários. As Forças Armadas, como instituição nacional, encontram-se assim enquadradas e controladas pelo regime. Repare-se que o aproveitamento pelo regime da mobilização requerida pela guerra colonial se processa para além do serviço militar obrigatório. A ninguém passa desapercebido, que mais não seja pela leitura atenta dos jornais censurados, a importância que a antiga Liga dos Combatentes tomou e a disputa das várias organizações para-militares no recrutamento de elementos vindos da guerra colonial. O regime fortalece assim grupos armados fora do Exército. Reside aqui aliás uma séria ameaça para a instauração e o desenvolvimento da democracia em Portugal.

De qualquer modo as Forças Armadas têm prestado enormes serviços ao Estado Novo. O último dos quais foi a oferta de dez anos de manutenção dos territórios africanos aprisionados ao regime colonial. O mesmo é dizer que as Forças Armadas já deram ao Governo um período excepcional para a resolução política do problema colonial. E diga-se em abono da verdade que oferecer dez anos para resolver politicamente uma guerra é raríssimo nos tempos que correm.

Mas, se foi possível manter o esforço militar durante esses dez anos, tal não aconteceu sem criminosos efeitos negativos no desenvolvimento geral do País e na posição de Portugal perante o Mundo. Vejamos as principais consequências da guerra colonial no que diz respeito às relações do Exército com a Nação:

Uma guerra colonial tão prolongada vicia por forma assaz profunda o organismo militar português, especializando-o num determinado tipo de operações militares de contra-guerrilha e empurrando-o cada vez mais para os braços das forças reaccionárias e antipopulares a coberto da chamada defesa da retaguarda. A contra-subversão, conceito reaccionário, tornou-se complemento da contra- guerrilha, actividade colonialista. Ou seja, a função nacional do Exército encontra-se subalternizada e este controlado pelas forças reaccionárias. As Forças Armadas isolam-se assim do todo nacional e são impedidas por tais funções de se orientarem para o aperfeiçoamento do sistema defensivo, tendo em vista ataques ou meras pressões do exterior. Sem querer avançar muito na matéria, diga-se que o atraso português é notório em relação, por exemplo, ao Exército espanhol.

A muitos pode parecer descabida tal preocupação. Mas numa época em que se aproxima a reestruturação do espaço europeu com possibilidades combinatórias várias, desde a manutenção dos Estados nacionais a uma intensa regionalização ligada a poderes transnacionais, até à coexistência de Estados nacionais com poderes regionais mais avançados, a existência de um Exército forte, ligado às classes trabalhadoras e verdadeiramente representativo do querer nacional toma-se indispensável —ou pelo menos será um factor importantíssimo — para que Portugal se faça respeitar e seja considerado como um Estado soberano perante a Europa e face à Espanha. Nesta perspectiva, a guerra colonial é adversa de melhor função nacional para o Exército.

Mas a própria importância que as Forças Armadas venham a adquirir no início ou na execução de um plano para a Nação, já de si será significativa do maior ou menor preenchimento da cena nacional por parte dos instrumentos propriamente políticos como sejam os partidos ou outras formas de organização cívica. Ou seja, o papel das Forças Armadas, sempre decisivo num processo de reestruturação da Nação, encontra condições de desenvolvimento extraordinário no estado actual da representação política das classes trabalhadoras e das forças democráticas em geral. E, da situação óptima que seria a das classes trabalhadoras e demais forças democráticas inspirarem e fortalecerem o Exército, chega-se à possibilidade de se vir a assistir a fenómeno contrário: o do enquadramento das classes trabalhadoras pelo Exército. E a experiência dos aldeamentos estratégicos, por si só, não é a melhor garantia de democracia...

Deve pois competir às forças sociais e políticas, que se proponham descolonizar, socializar, desenvolver e democratizar o País, a tarefa de reformular doutrina sobre as Forças Armadas, não esquecendo que nos tempos que correm a sua existência é garantia da Nação.

CONCLUSÃO GERAL

O que aqui fica escrito tem por fim principal mostrar a necessidade de um plano para a Nação. Qualquer força que queira efectivamente desempenhar um papel de agente histórico neste país não pode eximir-se ao dever de perspectivar Portugal. No estado em que este se encontra, uma política de resolução parcelar dos problemas não corresponde ao momento da crise que atravessamos. Tendo apontado esta necessidade de perspectivar a Nação e tendo avançado alguns parâmetros que me parecem dever figurar num programa decidido de reestru-turação do Pais, envio esta tese ao Congresso da Oposição Democrática esperando que ela possa ser útil ao debate sobre Portugal no Mundo.

CONCLUSÕES

No preciso momento em que a reestruturação da Europa e o problema colonial repõem a questão nacional, algumas conclusões são necessárias:

1— Urge definir um plano para a Nação.
2— Portugal encontra nas suas classes trabalhadoras o melhor veículo para a sua continuação como Estado independente.
3— A actual problemática portuguesa aponta três ordens de soluções que convém trilhar simultaneamente: trata-se de descolonizar, de socializar e de desenvolver.
4— Tais metas devem ser alcançadas através de uma profunda democratização da sociedade portuguesa. Várias vias ainda se nos oferecem no que diz respeito à democratização do Pais.
5— O processo de descolonização deve fazer-se de maneira a garantir a Portugal o respeito da sua soberania na Europa e tendo em vista uma verdadeira independência dos territórios africanos.
6— O processo da descolonização portuguesa, inscrevendo-se num quadro político mais vasto que é o da criação de uma zona Europa-África terá de ter esta em conta.
7— Esta colaboração entre países europeus e países africanos só será justa se se ultrapassar o actual sistema de relações. Deve pois passar-se de formas coloniais ou neocoloniais para um sistema partidário de alianças.
8— Portugal deve não só dar o exemplo destas modificações nas relações entre os países europeus e os países africanos como mostrar àqueles a necessidade de se ultrapassar as formas neocoloniais de colaboração.
9— Assegurada a descolonização em tal quadro tratar-se-á de impor à Europa e ao resto do Mundo o respeito pela nossa via de desenvolvimento político e económico.
10— O avanço das estruturas socialistas em Portugal deve ser uma das expressões dessa via nacional.

11— Numa mais profunda reestruturação do espaço europeu coexistirão certamente Estados nacionais e poderes transnacionais. No caso português o plano nacional será ainda o melhor para se conquistar e manter liberdades. Ele permitirá também uma articulação mais harmoniosa e necessária entre Portugal e a Europa.
http://www.publico.pt/politica/noticia/jose-medeiros-ferreira-e-a-tese-que-previu-o-25-de-abril-1628741

José Medeiros Ferreira (1942-2014)(Clicar para ler)

terça-feira, 18 de março de 2014

Portugal 1934, e outras edições fotográficas de Portugal consagradas internacionalmente

Acaba de ser editado o terceiro volume  da obra The Photobok: a History, a principal obra de referência mundial sobre a edição de livros de fotografia.

Uma das novidades deste terceiro volume, que tem como co-autor o consagrado fotógrafo da Magnum Martin Parr, é a inclusão de quatro fotolivros editadas em Portugal, que se juntam a uma outra que já fazia parte das edições anteriores daquela obra, “Lisboa, Cidade Triste e Alegre”, de Victor Palla (1959).

As quatro novas obras editadas em Portugal agora referidas são: “Portugal 1934”, uma edição da Sociedade de Propaganda Nacional, “Bairros e Casas Económicas”, do Instituto Nacional do trabalho e da Previdência, de 1940, “Uma Certa Maneira de Cantar”, edições Avante, 1977; e “Thing Here Thing Still to Come”, edição de 2011 em inglês da autoria do fotógrafo português José Pedro Cortes. (ver AQUI, nas páginas do jornal Público, em artigo da autoria de Sérgio B. Gomes, notícia detalhada sobre este acontecimento).

O albúm “Portugal 1934” pode ser apreciado integralmente em baixo, numa sua edição digitalizada e acessível na internet, sendo considerada uma das mais bem conseguidas obras de propaganda política de todos os tempos (estávamos apenas no segundo ano do mandato de Salazar como presidente do conselho).


Luminous-Lint - Online exhibition - Portugal 1934: Photomontage as propaganda

segunda-feira, 17 de março de 2014

O RESPIGO DA SEMANA - A opinião de José Vitor Malheiro:"O País do PSD não precisa das pessoas".


O país do PSD não precisa de pessoas

Por JOSÉ VÍTOR MALHEIROS, in Público de  04/03/2014

"A vida das pessoas não está melhor, mas a vida do país está muito melhor." A frase, de Luís Montenegro, o risonho líder parlamentar do PSD, merece entrada em qualquer colectânea de citações políticas e mesmo nos manuais de história contemporânea. Não pela profundidade do pensamento, como nos melhores casos, mas pela clareza da ideia que expõe, que no caso vertente resulta de uma mistura de simplicidade e de desfaçatez.

“A primeira parte da tirada ("A vida das pessoas não está melhor”) não levanta dúvidas a ninguém e merece a concordância de todos. Há menos emprego que quando este Governo tomou posse, há mais desemprego, há mais desempregados sem apoios sociais, há mais pobreza, há mais sem-abrigo, há mais fome, há mais desespero, há mais jovens sem dinheiro para estudar, há mais portugueses a emigrar por falta de perspectivas, há mais jovens qualificados a emigrar, há mais medo, há menos liberdade, há menos apoios sociais, há menos acesso à saúde, há menos formação, há menos escolas, há menos serviços no interior, há maior conflitualidade, há menos confiança nas pessoas e nas instituições, etc. A lista exaustiva é impossível de tão longa e, por trás de cada estatística, escondem-se milhares de tragédias pessoais, de histórias que não deviam existir num país desenvolvido no século XXI.

 “O que é de mais difícil compreensão é aquele “a vida do país está muito melhor". É difícil porque é preciso um enorme esforço conceptual para separar este “país” que está “muito melhor” das “pessoas” que “não estão melhor”.

“Que país é este de que fala Montenegro? Que entidade é esta que está tão longe e tão separada das pessoas que é possível que uma esteja muito melhor e as outras muito pior?

“Existem muitas definições de estado (suponho que é do estado que fala Montenegro) mas praticamente todas elas consideram uma comunidade organizada politicamente, com um governo e um território. Que país é então este que está bem quando as suas pessoas estão mal? Que componente do país é que está melhor? Será que Montenegro fala do território? Não parece ser. Referir-se-á Luís Montenegro ao Governo? Será o Governo a parte do país que está “muito melhor”? É inegável que o executivo ganhou um novo vigor e que conseguiu construir um discurso positivo em torno da ideia de “fim do programa de ajustamento” que, por vácuo que seja, parece ter convencido alguns incautos e paralisado ainda mais o PS. Mas mesmo Luís Montenegro sabe que seria excessivo identificar Governo e país. Este país que está “muito melhor” parece ser algo mais amplo que a comissão liquidatária a que chamamos governo.

“Mas então que país é este que está “muito melhor” e que não são as pessoas?

“É simples: o “país” de que fala Luís Montenegro não é o nosso país. O “país” de que fala Luís Montenegro não é Portugal. O “país” de que fala Luís Montenegro é, simplesmente, o capital.

“O que Luís Montenegro quis dizer foi que "A vida dos trabalhadores não está melhor, mas a vida do capital está muito melhor". Basta substituir estas poucas palavras para tudo bater certo. A vida dos dirigentes do PSD está muito melhor (basta ver como se congratulavam todos no último congresso). A vida dos dirigentes do CDS está muito melhor. A vida dos banqueiros está muito melhor. A vida dos grandes empresários está muito melhor. A vida dos multimilionários está muito melhor. A vida dos advogados que trabalham para o capital está muito melhor. A vida dos empresários que baixam salários e despedem trabalhadores com o pretexto da crise está muito melhor. A vida dos empresários sem escrúpulos está muito melhor. A vida dos empresários que vivem à conta das PPP está muito melhor. A vida dos corruptos que nunca são condenados está muito melhor. A vida dos que têm as empresas registadas na Holanda e o dinheiro nas ilhas Caimão está muito melhor. A vida dos empresários da saúde que vêem as suas clínicas aumentar a facturação à custa da destruição do Serviço Nacional de Saúde está muito melhor. A vida dos empresários da educação que vêem as suas escolas aumentar a facturação à custa da destruição da escola pública e dos subsídios do estado está muito melhor. E depois, à volta destes, há um segundo anel de empresários de serviços de luxo, de serviços “diferenciados” e “exclusivos”, que servem os primeiros, cuja vida está também muito melhor.


“O que Luís Montenegro quis dizer foi que "A vida do povo não está melhor, mas a vida da oligarquia que manda no país está muito melhor". Foi por isso que se congratulou. Porque ele faz parte dela. Que isso constitua uma traição às promessas do PSD, à social-democracia que voltou a ter direito de menção no último congresso, ao interesse nacional, ao povo que o elegeu é algo que não preocupa Montenegro ou o PSD. Como diz com honestidade o multimilionário Warren Buffett, “há de facto uma luta de classes e a minha classe está a ganhar”. A diferença é que Buffett tem uma certa vergonha. E Montenegro não tem vergonha nenhuma”.

quinta-feira, 13 de março de 2014

A propósito da morte de D. José Policarpo...



Se olharmos para a evolução da Igreja portuguesa nos últimos dezasseis anos, aqueles que correspondem ao  “mandato” de D. José Policarpo como patriarca de Lisboa, o balanço é genericamente positivo, do ponto de vista de um cidadão que, como eu, não sendo católico, reconhece a influência social e cultural da Igreja na história portuguesa.


De facto, nas últimas décadas, a Igreja portuguesa esteve alguns passos à frente do conservadorismo histórico e dominante na hierarquia católica, revelando um espírito aberto aos grandes debates sociais e culturais contemporâneos, mantendo-se contudo fiel a princípios com os quais pessoalmente não me identifico, como, por exemplo, nas questões mais polémicas do aborto ou da homossexualidade.

Mas a Igreja tem sabido ser uma voz activa na defesa dos mais desfavorecidos e no combate às desigualdades socias, e esta evolução deu-se em Portugal duranta a liderança de D. José Policarpo.

Esta percepção de uma certa dose de progressismo social por parte da Igreja portuguesa actual foi, contudo, abalada durante as últimos anos, em parte porque D. Policarpo se pautou, nos últimos tempos por declarações polémicas, remando contra a própria evolução que a Igreja conheceu, colocando-se muitas vezes ao lado da retórica “social” do actual governo , justificando as injustiças cometidas em nome da troika ou a retórica argumentativa  dos portugueses que “viviam acima das suas possibilidades” , em parte porque a chegada de um papa como o papa Francisco ultrapassou pela “esquerda” a própria imagem progressista da Igreja portuguesa.

Seja como for, a Igreja portuguesa nunca mais será a mesma depois da passagem de  D. José Policarpo pelo patriarcado de Lisboa.

Em sua homenagem aqui deixamos um texto de , Sérgio de Almeida Correia hoje publicado no blogue "Delito de Opinião":

Um pouco mais sós - Delito de Opinião(clicar para ler)