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segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Um Muro..,ainda muitos muros por derubar!



Confesso que não fui apanhado desprevenido pela Queda do Muro de Berlim, há 20 anos.
Nesse dia estava “exilado” em Albufeira, a 300 quilómetros de casa, onde tinha sido colocado a dar aulas, graças a um lamentável erro burocrático pelo qual fui o principal responsável.
Estava num apartamento alugado, sem televisão, e por isso foi pela rádio que segui os acontecimentos.

Desde os anos 60, quando despertei para a politica, que não tinha dúvidas sobre o que se passava no leste europeu, embora não esperasse que fosse tão mau.
O meu pai, ex-preso político e ex-comunista, contestava o regime salazarista e, em coerência, demonstrou em conversas o seu desagrado pela falta de liberdade no leste europeu, com maior veemência a partir da invasão da Checoslováquia em 1968.
Claro que mantinha os seus ideais de uma sociedade democrática e socialista intactos e esse descontentamento era revelado apenas entre a intimidade dos familiares e amigos mais próximos, pois tudo o que servisse para condenar o que se passava a leste podia ser usado em proveito do regime de Salazar e da sua propaganda.

Quando se deu o 25 de Abril, muitas dessas divergências que separavam muita esquerda do PCP foram postas de lado.
De facto, a história do “nosso” comunismo era diferente da dos regimes a leste. Se no leste os comunistas eram os carrascos da democracia e da liberdade, em Portugal os comunistas foram aqueles que mais se bateram em nome da liberdade e da democracia. E está aqui o drama e a grande contradição que cruzou a história recente dos comunistas portugueses, entre a defesa dos regimes corruptos e totalitários do leste, por razões ideológicas, e a defesa da democracia e da liberdade em Portugal, por razões históricas e sociológicas.
Em Portugal o PCP revelou um maior pragmatismo do que a sua base ideológica, como se comprovou quando no 25 de Novembro de 1975 tudo fez para impedir a Guerra Civil que esteve eminente ou pôs de lado divergências profunda com Mário Soares, apoiando-o na segunda volta da presidenciais de 1986, desmentindo a ideia feita de que defenderia  irresponsavelmente uma política de terra queimada em relação ao PS.
Mas onde o PCP angariou maior prestigio foi no poder autárquico, revelando-se o partido que melhor defendia o ambiente, o património e a identidade cultural, para alem do crescente prestígio da Festa do Avante. Era ainda o único partido à esquerda que defendia os trabalhadores de forma coerente e escapou ao ambiente de corrupção e compadrio que grassa entre o chamado “centrão”.

À distância,  fui conhecendo alguma da realidade da Alemanha de leste. Nos anos 80 tornei-me amigo do Michael Kuntz, arqueólogo alemão, que dirigia os trabalhos e os estudos sobre o Castro do Zambujal. Ele visitava frequentemente a RDA e trazia-me as informações que confirmavam a decadência e as dificuldades dessa sociedade, pouco "socialista" e muito tenebrosa para os seus cidadãos.

Por isso, foi com esperança e alegria que recebi a notícia do derrube do muro. Acreditava que, por um lado, os regimes ocidentais deixavam de ter álibis para tomarem medidas anti-operárias e para apoiarem regimes corruptos e ditatoriais como os da Indonésia, da África do Sul, do Chile e tanto outros, em nome da “defesa do ocidente”, e por outro lado o “nosso” PCP libertava-se da obrigação ideológica de prestar vassalagem ao leste, ficando mais livre para se integrar plenamente e sem complexos na democracia que tinha ajudado a construir, reforçando o prestígio que construiu com a sua política autárquica e na defesa do factor trabalho.

Infelizmente não foi nada disto que aconteceu. O ocidente entrou pelo caminho desenfreado do neo-liberalismo, forçando o regresso à ideologia anti-social anterior ao século XX, e o PCP não percebeu as mudanças que tinham ocorrido e aquilo que elas representavam.
O absurdo de tudo é que no leste, cuja ideologia dizia defender os trabalhadores, estes eram fortemente coarctados dos seus mais elementares direito e viviam com um nível de vida inferior aos seus colegas do ocidente. Claro que não havia desemprego, os bens essenciais estavam garantidos (habitação, saúde e educação), mas com que custos…
Revelador do logro desses regimes foi o facto de muitas das principais revoltas, quase sempre violentamente esmagadas, partirem do movimento trabalhador e sindical ou mesmo de muitos comunistas sinceros. O estudo está por fazer, mas provavelmente foram mais os comunistas e os sindicalistas que foram vítimas da repressão nesses países, ditos “socialistas”, do que opositores doutras tendências.
Para garantir a opulência e os “direitos” de uma nomenclatura corrupta, as condições de vida da maior parte da população desses países foi-se degradando de ano para ano, daí acalentarem grandes esperanças no Ocidente, mais míticas que reais.

Quando o muro caiu, já muitos se tinham libertado do jugo soviético e outros viram nessa situação a sua oportunidade. O problema é que toda a esperança depositada no Ocidente rapidamente se revelou um logro e muitos desses países ficaram entregues à mesma nomenclatura corrupta que os dominava antes, que (tal como em Portugal) foi rápida a mudar de casaca e a aproveitar-se da sua posição de lideranças em empresas públicas e na esfera militar e política, governando agora em nome do dito modelo ocidental. Aliás há uma anedota que resume bem esse desencanto que se seguiu: “Os nossos líderes comunistas mentiam sobre o “socialismo” que nos impunham , mas infelizmente diziam a verdade sobre o ocidente”.
Se, no pós segunda guerra, para travar o movimento sindical e para evitar a subida dos comunistas ao poder, os líderes dos países democráticos ocidentais estabeleceram uma espécie de contrato social, melhorando as condições sociais e de trabalho, naquilo que ficou conhecido pelo “Estado Social”, assim que se livraram da ameaça comunista a leste, rapidamente procuraram fazer tábua rasa de conquistas que os trabalhadores ocidentais tinham levado décadas a conseguir, impondo o desastroso modelo neo-liberal, sendo alguns dos países do leste as maiores vítimas dessas políticas, isto é, não ganharam a prosperidade do Ocidente e perderam o pouco de positivo, em termos sociais, que possuíam.
Com o 11 de Setembro de 2001, a subida de Bush ao poder nos Estados Unidos e a crise actual, rapidamente se esfumaram muitas das esperanças acalentadas com o fim da guerra fria, como a paz mundial, a melhoria das condições de vida de quem trabalha honestamente , o desenvolvimento cultural e o respeito pelo ambiente.

Entretanto outros muros se levantaram , uns de forma real, como o que divide a fronteira do México com os Estados Unidos, o que divide palestinianos e judeus, ou o que divide a Índia do Bengla Desh, outros simbólicos, como a guerra entre fanatismos religiosos, o acentuar de desigualdades sociais, um pouco por todo o mundo, ou a separação entre os “supremos interesses” do lucro fácil e o equilíbrio ecológico.

Guardo comigo um pequeno pedaço do muro, que me foi oferecido pela Elizabeth Caramelo, que o trouxe de Berlim.
Não me esqueço do entusiasmo com que os meus alunos tocaram nesse pedaço que levei para uma aula, como se aquele pedaço de pedra tivesse poderes mágicos.
Valeu a pena a queda do muro? Valeu, pela esperança de liberdade que gerou, pela oportunidade que deu aos povos de leste de decidirem o seu destino, e por mostrar que, mesmo os muros mais inexpugnáveis podem ser pacificamente derrubados pela vontade das pessoas.

1 comentário:

Carlos Manuel Ribeiro disse...

Subscrevo o que diz e, sem margem para dúvida que, outros muros há e haverá por e para derrubar...

Abraço,
CR/de