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segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Ano Novo, Mundo Velho ?

Todos os anos a mesma ilusão.
Como se a mudança do ano apagasse o passado e abrisse a porta a um novo mundo.
Contudo, passar o ano é sempre pretexto para fazer balanços mais ou menos pessoais e insuflar um novo fôlego na nossa caminhada quotidiana.
Pessoalmente, este ano que agora termina foi marcado pela consciência da fragilidade da nossa existência, devido a um problema grave de saúde, que teve o condão de me obrigar a separar o essencial do supérfluo, ao mesmo tempo que me libertou de medos e receios, abandonando planos de longo prazo e obrigando-me a valorizar a essência diária do meu quotidiano.
Profissionalmente, este foi um ano de grande desgaste emocional provocado pela arrogância e falta de respeito de um governo por aquela que devia ser uma das profissões mais nobres e respeitadas, situação essa agravada por uma corja de comentadores que enxameiam a nossa comunicação social. Recorrendo à meia verdade (Miguel Sousa Tavares), à manipulação estatística (Fernanda Câncio e Medina Carreira), à pura irresponsabilidade (Emídio Rangel) e à desonestidade intelectual (José Miguel Júdice, Vital Moreira, Fernando Madrinha ), tentaram virar a opinião pública contra nós.
Localmente (refiro-me a Torres Vedras), o ano iniciou-se com a divulgação de uma mega “sondagem” entre os alunos em idade escolar do concelho, com 10 ou mais anos, sobre as “7 maravilhas do concelho”, que tiveram um resultado algo preocupante, revelador da falta de divulgação e cuidado com o património cultural deste concelho que realmente interessa dar a conhecer, bem como de uma crescente atitude hedonista por parte da geração que nos vai bater à porta na próxima década.
Ainda como aspecto negativo, o afastamento do Carlos Mota da direcção do Teatro-Cine, embora o seu sucessor pareça ser alguém que revela poder continuar o excelente trabalho daquele. Positivamente, a afirmação crescente das actividades do Arquivo Municipal, dirigido pelo Carlos Guardado Silva e as actividades da Cooperativa de Comunicação e Cultura e da livraria "Livro do Dia".
Em paralelo, este foi o ano de afirmação nacional de um artista torriense, o Antero Valério, que imortalizou , na sua caricatura certeira, as misérias deste Ministério da Educação.
Em termos nacionais, este foi o ano que agravou as desigualdades sociais, acentuou a mentira como arma política e onde se procurou, de forma tenebrosa, destruir uma das últimas réstias de afirmação da dignidade de quem trabalha, através de uma tentativa nunca vista de destruir o movimento sindical.
Internacionalmente este ano termina entre a esperança, protagonizada pela vitória eleitoral de Obama nos Estados Unidos, e a grande incógnita do rumo da actual crise financeira.
O ano que se avizinha vai ser crucial em muitos aspectos. Em Portugal espera-se que o novo ciclo eleitoral retire a Sócrates a maioria absoluta. Ficou provado que, no nosso país, maioria absoluta rima com autoritarismo e arrogância.
No mundo, espera-se que Obama inicie a construção de uma Nova Ordem Económica que enterre de vez o neo-liberalismo e aquilo que ele representou em termos de retrocesso histórico. Na Europa, o problema está no facto de os grandes defensores políticos e ideológicos desse regresso à realidade sócio-económica do século XIX continuarem a dominar as políticas e a comunicação social, defendendo as velhas receitas falidas, como o fazia a semana passada José Miguel Júdice (um conhecido responsável por essa entidade “ética” que dá pelo nome de Banco Privado Português e ligado a consultadorias que tanto têm contribuído para desbaratar os dinheiros do Estado), que defendia, como solução para a crise, o aumento dos horários de trabalho, com redução dos salários e de direitos como o 13º mês e o subsídio de férias… Sem comentários!
Apesar de tudo, um Bom Ano de 2009 para todos.

domingo, 28 de dezembro de 2008

Reconstituição Histórica da Batalha do Vimeiro - Agosto 2008




Reconstituição Histórica da Batalha do Vimeiro - Agosto 2008





O IMPACTO REGIONAL DA PRIMEIRA INVASÃO FRANCESA - O Caso de Torres Vedras

As tropas de Junot cruzaram a fronteira portuguesa em 19 de Novembro de 1807, só conseguindo entrar em Lisboa em 30 de Novembro.
A família real tinha saído de Lisboa a caminho do Barasil no dia 27.
Em Torres Vedras ficamos a dever ao padre Madeira Torres, testemunha coeva e observador atento, a descrição do modo como esses acontecimentos foram sentidos na localidade e da sua ocupação pelas tropas francesas.
Refere aquele autor que “Torres Vedras (...) foi a primeira em participar da consternação e saudade (…) pela ausencia do nosso adorado Principe”. Ainda “os habitantes começavam a lamentar-se de tamanha perda,(…) logo no dia 6” de Dezembro “foram constrangidos a franquear quarteis, e munições de bôcca para a tropa de mais de duas brigadas, ou de quasi toda a segunda divisão, cujo commando ainda então estava (como o fóra pela marcha) provisoriamente no Brigadeiro Charlot, que o largou logo nos dias seguintes ao General Loison (…). No dia 8 do mesmo mez adiantou-se para a Praça de Peniche o General de Brigada Thomiers com dois batalhões, e passados alguns dias retrocederam dois para Mafra, onde Loison estabeleceo ordinariamente o seu Quartel General, e permaneceram aqui fixos os dois Batalhões dos regimentos 12 e 15 de infantaria ligeira”, que eram compostos por cerca de tres mil homens, sob o comando do Brigadeiro Charlot.
“Nos primeiros dias padeceo esta Villa não só os gravissimos incommodos do alojamento, mas quasi todo o pêso das requisições para a inteira subsistencia da tropa”
A moderação do brigadeiro Charlot foi muito elogiada pelo ilustre pároco torriense, até porque “contribuio ella para nunca se interromperem as funcções do Culto, nem mesmo a do Natal, e para se fazerem com boa ordem, e até com esplendor”.
Com a proximidade da Primavera o mesmo brigadeiro aliviou a vila “d’algum pêzo de tropa, mandando destacar duas Companhias para a Lourinhã, e duas para o logar do Turcifal: Em fim nos ultimos dias de Maio levantou-se o quartel do General Charlot, quando partio com o Batalhão do regimento 12, e com os outros, que estavam em Mafra, para a frustrada expedição do Douro e Porto, commandado por Loison. Pelo mesmo tempo se transferio o Batalhão do Regimento 15 para Mafra, e veio para aqui um dos alojados na Praça de Peniche, de que era Commandante o Major Bertrand, o qual apenas se demorou um dia. Desde então ficou esta Villa alleviada de tropa effectiva; mas não deixou de ser frequentada, e incommodada por alguns destacamentos, pelo transito dos Officiaes do Estado Maior, e tambem de varios corpos do Exercito.”[1]
O bom tratamento dado à população pelo brigadeiro Charlot foi igualmente confirmado por outra testemunha coeva, Francisco Manuel Trigoso de Aragão Morato, um dos Grandes de Portugal, que se refugiou com toda a família na Quinta Nova, em Matacães, a pouca distância da então vila de Torres Vedras, onde recebeu “a noticia do embarque da Familia Real e da entrada dos francezes em Lisboa. Meu irmão e eu (...) assentámos em ficar aquelle inverno” (de 1807) “ no campo, sem virmos para Lisboa, como costumavamos vir todos os annos. Assim o fizemos e, permanecendo alli por todo o tempo que os francezes estiveram em Portugal, escusado é dizer que nem tivemos nem desejámos ter influencia alguma no seu Governo. Apenas tivemos a comunicação necessaria ou de civilidade com o General Charlot, que residia em Torres, e com os poucos officiaes que mais viviam com elle. Tambem vimos o general Loison, que por alli passou na sua espedição das Caldas da Rainha; não vimos mais nenhum General nem outro empregado, e até ao mez de Agosto seguinte” (de 1808) “não tivemos incommodo ou susto algum, porque Charlot não era mau homem e queria conservar a paz e o socego”.[2]

Imposto de Guerra de 1808
Não foi apenas o ocupação militar alterar a vida dos habitantes desta vila. Cedo a ocupação se fez sentir em termos económicos.
Em Fevereiro de 1808 tomou-se conhecimento de uma ordem de Napoleão para lançar, sobre todo o teritório porugês, um imposto extraordinário para efeitos de guerra, dando-se início à sua execução em Abril desse ano.
As vilas da comarca de Torres Vedras, que ía da Lourinhã e Cadaval até Sintra e Cascais , foram constrangidas a pagar 8000$000.
Só as vilas de Torres Vedras e Ribaldeira, cujos domínios correspondem, aproximadamente, aos actuais limites administrativos do concelho de Torres Vedras, pagavam mais de metade do imposto a para toda a comarca (respectivamente 3000$000 e 1200$00), o que revela a importância económica desta região.[3]
Em relação aos limites administrativos de Torres Vedras, aquele valor de 3000 réis foi subdividido entre as 38 vintenas do concelho, sendo que as cinco que mais contribuíram para aquele valor foram, respectivamente, a vila de Torres Vedras (907 réis), Turcifal (250 réis), Freiria (200 réis), Azueira, actualmente pertencente ao concelho de Mafra (150 réis) e Runa (140 réis).[4]
A análise desses dado ajuda-nos a diferenciar o peso económico das várias áreas do município, sendo de salientar que a vila de Torres Vedras representava cerca de 1/3 da economia do concelho, seguindo-se, por ordem de importância, o Turcifal e a Freiria, localizadas a sul da vila.

A Insurreição popular de 1808, contra o invasor
Até Junho de 1808 as revoltas contra o invasor foram esporádicas e localizadas, não se conhecendo nenhuma neste concelho.
A mais importante, nas proximidades de Torres Vedras, foi a revolta das Caldas da Rainha, iniciada em 27 de Janeiro de 1808 e rapidamente esmagada pelas divisões de Thomiers e Loison, tendo a divisão deste último atravessado Torres Vedras a caminho das Caldas, onde foram condenados 15 revoltosos, 9 dos quais fuzilados.
Foi a partir da Espanha que a revolta popular contra o invasor ganhou contornos de grande insurreição, iniciada no célebre “2 de Maio”, contaminando Portugal.
Em 4 de Junho registaram-se os primeiros motins, que tiveram lugar em Chaves, mas foi no Porto que começou o movimento decisivo que levou à proclamação da restauração.
A revolta do Porto propagou-se rapidamente ao Minho e a Trás-os -Montes, num rápido contágio que se ficou a dever à insuficiente cobertura militar daquelas províncias por parte das tropas invasoras e à resistência das autoridades locais em aplicarem os decretos e editais sobre desarmamento.
Devemos mais uma vez a Madeira Torres o relato do modo como estes acontecimentos foram sentidos em Torres Vedras: “(...) principiaram a chegar” (a Torres Vedras) “ as noticias de que a expedição do general Loison se tinha malogrado, e que as provincias do Norte se davam as mãos para destruir o intruzo governo, e proclamar o nosso legitimo Soberano; soube-se depois, que este heroico enthusiasmo já chegava á Cidade de Leiria, e que bem depressa as outras Povoações da Extremadura, ainda opprimidas pelo inimigo, poderiam patentear os seus verdadeiros sentimentos. Esperava-se com impaciencia a aproximação do exercito Nacional, auxiliado com o socorro que se dizia chegado d’Inglaterra, mas a demora, e a incerteza das noticias concorriam para a geral anciedade”.[5]

A Reacção Francesa
A 2 de Agosto Junot tomou conhecimentodo desembarque britânico em Lavos.
Rápidamente procurou reunir as suas tropas em Portugal, então dispersas para tentar travar as revoltas poulares que se espalhavam por várias regiões do país.
Loison, com uma divisão de 6000 homens, estava no Alentejo, foi mandado retirar para Abrantes e daí avançar par Tomar.
Delaborde, por sua vez foi mandado de Lisboa a caminho da Batalha e Alcobaça. Uma parte destas forças, comandadas por Thomiers, atravessou Torres Vedras. Foram estas forças que se defrontaram com os ingleses na batalha da Roliça, ao mesmo tempo que os ingleses entravam em Alcobaça, cortando as comunicações entre Delaborde e Loison.
Mais uma vez Torres Vedras viveu estes acontecimentos à distância: “(...) na tarde de 17 d’Agosto de 1808, constou” (em Torres Vedras) “da batalha da Roliça (...) pelos que se retiravam feridos do Exército, e por alguns prisioneiros, que aqui vieram pernoitar, escoltados por uma patrulha commandada pelo Capitão Picton do Corpo da Polícia. N’essa acção era commandado o Corpo da Tropa Franceza pelo General Delaborde, o qual vendo-se obrigado a retirar-se depois de sustentar o resto do dia com evoluções, se aproveitou da noite para largar de todo o campo, e tomou a estrada, que diante da quinta da Bogalheira se dirige a Runa, onde descançou poucas horas, prosseguindo a marcha pelo Caminho da Cabeça. Em quanto o Corpo principal seguia, não deixavam de passar pela Villa em toda a noite soldados dispersos, que eram outras tantas testemunhas evidentes da victoria dos nossos alliados: pedio ella sem duvida publicos applausos, porém houve a necessaria prudencia em suffocal-os, o que servio para livrar a Villa d’algum severo castigo”.[6]

Junot em Torres Vedras
Tomando conhecimento da Batalha da Roliça, Junot decide abandonar a capital, em direcção a Torres Vedras, para travar o avanço das forças inglesas
“Junot, sendo informado por uns camponezes que Laborde estava combatendo só com as tropas inglêsas, suppoz que estas seguiam sobre Lisboa, pela estrada de Torres, emquanto o exercito português seguiria a estrada real de Rio Maior- Alcoentre.
“Como ligava mais importancia ao exercito inglês, resolveu atacar primeiro este, e, só depois de vencel-o, viria atacar o exercito português.
“D’esta forma determinou fazer a concentração de todas as suas forças em Torres Vedras”.[7]
Devemos mais uma vez ao padre Madeira Torres o relato da forma com este acontecimento se fez sentir em Torres Vedras:
“Quando se pensava, que no seguinte dia 18 d’Agosto entraria” (em Torres Vedras) ”o Exercito alliado, esperado com tanto alvoroço, aconteceo ao contrario espalhar-se o susto, e perturbação, pela noticia de que vinha proximo todo o Exercito Francez, e na frente d’elle o mesmo General em chefe, e que com rigorosas ordens se mandavam apromptar quarteis, viveres, e forragens. (…). Este General entrou com o seu Estado-Maior pelas tres horas da tarde do indicado dia 18, rodeado dos Generaes quasi todos, e de uma forte escolta de cavallaria, a qual se dividio, e occupou logo as entradas da Villa, não se permittindo a sahida d’alguem, sem guia ou passaporte do Commandante da Praça, que então foi o Chefe dos Gens d’armes. Sómente os Officiaes do Estado-Maior tiveram alojamentos, porque os dos corpos ficaram com os mesmos sobre os campos visinhos. Concorreram aqui muitos individuos não militares, uns por empregados, e unidos ao Exercito nas suas diversas repartições, e outros meramente por buscarem o seu abrigo, receosos de serem sacrificados ao seu furor nas pequenas povoações. Ainda que nos armazens existissem alguns sobrecellentes do antigo fornecimento, nada eram para supprir ás urgencias de um Exercito, que se computava em 20$000 sem contar os seus aggregados: por isso foram indispensaveis as requisições violentas para a entrega dos generos necessarios; as quaes para mais prompto effeito se faziam por pregões, ameaçando-se os habitantes que se subtrahissem, com as penas de morte, e do incendio das suas casas, que seriam examinadas”. [8]
Durante esse período conheceu Torres Vedras alguns dos horrores da ocupação militar, descritos por Madeira Torres:
“Na manhã d’este dia” (20 de Agosto de 1808) “alguns soldados extraviados haviam roubado o Convento dos Religiosos Arrabidos do Barro, penetrando até ao Sacrario, e espalhando as sagradas Particulas sobre o pavimento da Capella Mór. Em quanto se commettia este horroroso desacato, tinha o General Junot mandado matar dois mendigos desconhecidos, um d’elles Hespanhol idozo, o outro Asiatico coxo, que foram prêsos como suspeitos de espiões: outro miseravel da mesma fortuna, residente n’esta Villa,” (de Torres Vedras) “ e quasi cego, que estava junctamente prêso, escapou de experimentar igual sorte pela liberdade e vehemencia, com que fallou em sua defeza o Desembargador Vigario da Vara” (Madeira Torres) “chamado por ordem positiva de Junot para interrogar os prêsos, e depôr da sua conducta, e para ser expectador da injusta e barbara morte, que tiveram, sem que fossem convencidos do crime imputado, nem admittidos a algum preparo christão, e nem de modo algum tractados como homens, (…): bem facil é de ver, que esta crueldade foi commetida para exemplo, que indicasse como seria castigada qualquer communicação com o Exercito alliado(...)”.[9]

A Movimentação das tropas francesas no concelho de Torres Vedras
Entre o dia 17 de Agosto e o dia 21 de Agosto, o da decisiva batalha do Vimeiro, podemos resumir as movimentações do exército francês no território deste concelho, do seguinte modo:
Derrotado na Roliça, as tropas de Delaborde entraram pelo norte do concelho, na noite do dia 17, tomando a estrada que, da Quinta da Bogalheira, se dirige a Runa, descansando aqui algumas horas, seguindo depois para o Cabeço de Montachique;
No dia 18, vindo da zona de Vila Franca de Xira, Junot entra em Torres Vedras com a divisão de Loison, enviando ordens a Delaborde para se juntar a ele nesta vila, o que acontecerá no dia seguinte;
Vindo de Rio Maior, atravessando a região com dificuldade, a coluna comandada por Thiébault chega a Torres Vedras no dia 20, embora de forma dispersa e a pouco e pouco;
No dia 20 estavam concentrada em Torres Vedras todas as forças sob comando de Junot, num total de 13 mil homens;
Às duas hora da tarde do dia 20, Junot, inicia a ofensiva, para tentar chegar ao lugar de desembarque das tropas inglesas, em Porto Novo, antes da chegada da divisão Moore e das tropas portuguesas comandadas por Bernardim Freire. Ao anoitecer ordena que as suas tropas estacionem junto a Vila Facaia, para descansarem.
No início da madrugada do dia 21 reinicia-se o avanço das suas tropas ao encontro do exército inglês, para o lugar do Vimeiro, onde a batalha terá início pelas 9 horas da manhã.
A Batalha do Vimeiro
A Batalha do Vimeiro foi seguida à distância pela população de Torres Vedras: “pelas 9 horas da manhãa começou a ouvir-se o estrondo d’Artilharia: no primeiro tempo do combate vieram noticias agradaveis aos Francezes: mas não tardou muito, que lhes chegassem outras, com que se mostraram descontentes, posto que ainda alentados, ao menos apparentemente; enfim correram os boatos d’uma derrota completa, que se viam verificados pelos estragos, e até depois pela propria confissão, dos que se recolhiam do campo. A tropa entrou de noite,” (em Torres Vedras) “ e buscou acampar-se, como antes de ir para a batalha. No dia seguinte viam-se companhias commandadas por um cabo d’esquadra (tal havia sido a carnagem na officialidade): e todo o grande trem d’Artilharia reduzido a tres carretas. Apezar de ser tão vizivel, e avultado o destroço, ainda Junot se occupava com a impostura de fazer illuminar a Villa em aplauso da victoria (…). No meio de imposturas tão ridicula, não se occultava o temor, confusão e impaciencia de Junot. Elle logo na manhã do dia 22 chamou ao seu quartel os Generaes, e lhe propoz pedir capitulação, o que foi adoptado (...)”.[10]
Ficou encarregue da missão de negociar com os ingleses o general Kellerman, partindo para o quartel general do exercito inglês sob pretexto de conferenciar relativamente aos prisioneiros e aos feridos, mas com plenos poderes para propôr um armistício: “Emquanto Kellermann ia desempenhar-se de tão importante missão, as tropas francêsas abandonavam Torres Vedras”.[11]
Kellerman chegou ao Vimeiro por volta do meio-dia do dia 22.No acordo de suspensão de armas ficou decidido que o rio Sizandro formasse “a linha de demarcação entre os dois exércitos” e que : Torres Vedras não fosse ocupada, nem por um nem por outro dos exércitos.[12]
Após a assinatura deste primeiro acordo “o Exercito Inglez se adiantou para as alturas d’aquem Amial (fixando os Generaes os seus quarteis n’esse logar, e ainda mais no do Ramalhal), começou a ser innundada de gente annexa ao Exercito, recebida com vivissimo enthusiasmo, e prazer; e apezar da supposta neutralidade, houve sem demora [em Torres Vedras] sinceras e voluntarias demonstrações de contentamento pela victoria e communicação dos allidos. As auctoridades da Villa foram logo comprimentar os Generaes Inglezes, e de todas as visinhanças concorriam numerosos ranchos de pessoas, até do sexo feminino a observar o campo da batalha, o admiravel espectaculo do Comboio estacionado defronte do Porto Novo, e a brilhante linha e revista do Exercito alliado.
“(...) Pelo que temos dicto fica manifesto, que sôbre esta Villa, e seus contornos carregou por dias o pêso de tres Exercitos (contando-se o Nacional por duas vezes, sendo a segunda quando se retirou para as Provincias); e apezar dos estragos causados nos fructos, que ainda se recolhiam, e estavam pendentes, tal é a fertilidade do terreno, e tal foi a particular abundancia d’aquelle anno, que se supprio ao fornecimento da tropa, e não padeceram falta os habitantes”.[13]
No dia 24 chegavam a Porto Novo as tropas de John Moore , fundeando no dia seguinte: “O desembarque das tropas de sir John Moore fez-se com grande difficuldade, pois levou 5 dias, e pereceram afogados bastantes marinheiros e soldados. Os transportes soffreram taes estragos que só 30 ficaram em condições de prestarem serviço (...)”.
Registando-se algumas divergências na execução do acordo entre as duas partes, temendo-se o reacender do conflito, deram-se ordens “ás tropas de Moore para irem ocupar Torres Vedras, emquanto que os restantes corpos, sob o commando de Wellesley, deixando sobre a sua esquerda a estrada do Ramalhal a Bucellas, iriam tornear a posição de cabeça de Montachique, e o corpo do general Bernardim Freire, avançaria para ir ocupar Mafra.
“De facto, o exercito inglês adiantou-se um pouco, indo estabelecer-se nos logares do Sarge, de Paul e Torres. As tropas portuguesas vieram estabelecer-se na Encarnação (Lobagueira).
O tratado final só foi assinado definitivamente a 30 de Agosto é “ratificado por Dalrymple no dia 31 no seu quartel general de Torres Vedras”. Foi este acordo que passou à história, erradamente, como “Convenção de Sintra”, “pois não foi tratada, nem assignada” nesta vila. “Foi comtudo de Cintra que, com a data de 1 de setembro, Dalrymple enviou ao seu governo uma carta com a copia da convenção (...)”, daí a confusão histórica.[14]
Finalmente, no dia 15 de Setembro, o exército de Junot deixou Portugal
Um pouco por todo o reino festejou-se a restauração do reino. Em Torres Vedras “foram grandes as demonstrações d’alegria pela gloriosa restauração do Reino em 1808. Logo no mez de Setembro do dicto anno os seus habitantes a festejaram com muitos dias de luminarias, e em seguida a Camara fez celebrar uma solemne Festividade em acção de graças na Matriz de Sanctiago, com mais tres dias de luminarias, prestito pelas ruas com o seu Estandarte (que já dias antes se tinha arvorado nos Paços do Concelho) dando vivas a S.A.R. o Principe Regente”.[15]
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[1]Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), pp.164 a 171
[2] Memórias de Francisco Manuel Trigoso de Aragão Morato (...) (1777 a 1826), ed. revista e coordenada por Ernesto de Campos de Andrade, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1933, p.52
[3] Livro nº24 dos Acórdãos da Câmara de Torres Vedras (1802-1812), vereação de 17 de Abril de 1808, ff.164 e 164 v.
[4] Livro nº24 dos Acórdãos da Câmara Municipal de Torres Vedras (1802-1812), vereação de 30 de Abril de 1808, ff.166v. a 170v.
[5] Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), p. 171
[6] Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819, pp. 171-172
[7] Victoriano J. Cesar, Invasões Francesas em Portugal - 1ª parte (...) Roliça e Vimeiro, Lisboa 1904, pp. 112-113
[8] Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), pp. 172-173
[9] Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), pp. 173-174ª
[10] Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), p.174) Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), p.174)
[11] Victoriano J.Cesar, Invasões Francesas em Portugal - 1ª parte (...) Roliça e Vimeiro, Lisboa 1904, p.139
[12] O documento do armistício do Vimeiro foi publicado por José Acúrsio das Neves, no tomo V da sua História Geral da Invasão dos Franceses em Portugal e da Restauração deste Reino, pp.433 a 435 da reedição dessa obra pelas Edições Afrontamento,s/d
[13] Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), pp.175-176
[14] Victoriano J.Cesar, Invasões Francesas em Portugal - 1ª parte (...) Roliça e Vimeiro, Lisboa 1904, pp.141 a 143
[15] Manuel Agostinho Madeira Torres, Descripção Historica e Economica da Villa e Termo de Torres Vedras, 2ª edição anotada, 1862, (1º edição em 1819), nota (a) dos Editores, p. 177

BD - 30 anos do Rei Minimus - 2





sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Castelo de Torres Vedras




Igreja de STª Maria do Castelo - T. Vedras



11 de Dezembro de 1384 - o Mestre de Aviz cerca T. Vedras

Na sequência da crise dinástica de 1384-1385, e das movimentações militares provocadas por esse episódio da nossa história, em 11 de Dezembro de 1384 o Mestre de Aviz, retirou-se de Alenquer, recém conquistada por ele, e dirigiu-se para Torres Vedras em apoio aos seus partidários que já haviam iniciado o cerco ao Castelo desta vila.
Torres Vedras pertencia então ao senhorio de Leonor Teles pelo que o seu alcaide-mor, o castelhano João Duque, vassalo da rainha, defendia o seu castelo contra os partidários do Mestre “bem acompanhado de homens d`armas e peões e besteiros, que para defensão do lugar eram assaz abastados”.
Segundo a descrição do cronista Fernão Lopes, Torres Vedras era então “uma fortaleza assentada em cima de uma formosa mota, a qual natureza criou em tão ordenada igualdade como se à mão fosse feita artificialmente”.
A vila tinha “uma cerca arredor do monte e na maior alteza dele está o castelo; e entre a vila e o castelo moravam tão poucos que não é fazer conta; e toda a sua povoação era em um grande arravalde de muitas e boas casas de bem ordenadas ruas, ao pé do monte”.
Tinha “bom e gracioso termo junto consigo, e arredor de pães e vinhos e outros mantimentos, que naquele tempo, por azo da guerra, de todo o ponto eram gastados”.
Quando o Mestre chegou a Torres Vedras, o cerco ao castelo já tinha sido iniciado pelo seu partidário João Fernandes Pacheco “com gentes darmas e besteiros e homens de pé”.
Conta-nos Júlio Vieira que as “hostes de D. João foram aposentadas nas casas em redor da vila, chamados do arrabaldes, estendendo-se o acampamento, segundo reza a tradição, pela varzea que delimita o perímetro de carcavelos e horta nova”.
Com o objectivo de conquistar a fortaleza defendida por João Duque, mandou o Mestre abrir um fosso sob a muralha “a qual havia de ir sair ao adro da igreja” de Stª Maria, “ que é dentro no lugar, entre a vila e o castelo”, ou seja, segundo esta descrição, o castelo medieval era mais pequeno que o actual, ficando situado no lugar do chamado palácio dos alcaides, embora a igreja se localizasse no interior da muralha da vila.
Contudo, esse estratagema falhou porque os defensores do castelo, avisados por espiões infiltrados entre os partidários portugueses, conseguiram anular o efeito surpresa da construção desse túnel, tapando-o e inutilizando-o.
Perante aquele falhanço ordenou o mestre a construção de outra “cava”, mas esta apenas sob o muro da vila, à qual pegou fogo, derrubando um troço dessa muralha, mas, mais uma vez, avisados os sitiados, tinham colocado uma linha de defesa improvisada, por detrás do muro derrubado, com “cubas e tonéis”, impedindo que as forças do mestre penetrassem na vila.
Faltado entretanto a água nas cisternas do castelo, bem como a comida, enviou João Duque ao Mestre um sexo de burro cozido, acompanhado por duas laranjas, junto com uma trova “cuja conclusão era que, das carnes” só possuíam essa, pedindo “por mercê que lhe mandasse alguma carne fresca”, pedido que o Mestre acedeu, enviando carne para um dia aos seus inimigos, defensores do castelo.
Nos agradecimentos por este acto, João Duque pedia que o mestre “não levasse a mal ele defender o lugar, porque o fazia como leal vassalo de seu senhor” (D. Leonor Teles). Houve ainda um encontro entre o Mestre e João Duque para que este se rendesse, mas sem resultados, retomando-se as hostilidades.
Foi então descoberta uma conspiração para assassinar o Mestre de Aviz, à frente da qual estava D. Gonçalo Teles, irmão da rainha, e Ayres Gonçalves, que se tinham feito passar por partidários do Mestre. Presos os conspiradores, em 8 de Janeiro de 1385, um deles, Garcia Gonçalves, foi condenado à morte e queimado vivo à vista dos defensores do castelo.
Como vingança João Duque mandou cortar as mãos e os narizes de alguns prisioneiros pondo tudo ao colo de um deles, mandando-o assim ao Mestre.
Este, para se desforrar dessa crueldade mandou “lançar na funda do engenho dentro à vila os prisioneiros que tinha”, acabando contudo por não cumprir esta ameaça por “piedade” de última hora.
A conselho de Nuno Alvares Pereira, entretanto chegado a esta vila, que temia pela vida do Mestre, e também porque se iam realizar brevemente as cortes de Coimbra, que aclamariam o Mestre de Aviz como rei de Portugal, este acabou por levantar o cerco ao castelo de Torres Vedras em 15 de Fevereiro de 1385, sem o ter conseguido conquistar.
Muitos habitantes de Torres Vedras, temendo pela vingança dos castelhanos, acompanharam o mestre na sua retirada.
Até “um cego que morava no arravalde ouvindo como o Mestre partia deste feito com aquelas gentes, começou a bradar grande brados, rogando por deus que o levasse consigo, não ficasse em poder de tão má gente”. Nuno Alvares Pereira, com dó do cego, mandou que o colocassem nas ancas da mula em que já estava, seguindo este com o exército português.

(Se quiser saber mais sobre este episódio, podes ler as seguintes obras:
-Crónica de El-Rei D. João I, da autoria de Fernão Lopes ( fonte principal deste texto).
-Torres Vedras Antiga e Moderna, da autoria de Júlio Vieira
- O cerco ao castelo por D. João, Mestre de Aviz, em 1384-1385, da autoria de Carlos Guardado Silva, in Torres Vedras Antiga e Medieval ).
- O cerco de Torres Vedras em 1384-1385: uma releitura, da autoria de Ana Maria Rodrigues, in Espaços, Gentes e Sociedade no Oeste (…)).